segunda-feira, 12 de fevereiro de 2001

A BUSCA DA ETERNIDADE





/EM SANTARÉM/


A BUSCA DA ETERNIDADE





"Sentindo o vermelho viscoso queimado, um calor no corpo todo, foi como se tivesse atirado, deitado a alma fora no ar solto. Caí em cima da cama, adormeci num ápice tal e qual, perdi os sentidos e vi uma iguana… 


Senti uma chama como fogo devorando meu espírito, voltando à minha posição fetal, todo encolhido, sob o olhar do camaleão... lambendo minha mão.
Sonhando, ou vivi, dei de caras com a minha personagem, com o rosto de mim.
Estava ali à minha frente na imagem…e então vi… éramos dois iguaizinhos a um, se tirasse o real por entre o sonho, ficava a realidade a sonhar e um de nós não via outro nenhum, a não ser fantasia no olhar sem rosto clivado como um ombro, com olheiras negras… de meter medo ao espelho das incertezas – um monstro.
Viajando dentro do corpo, o sangue correndo de artérias viscoso assisti quase morto à seiva subindo e descendo naqueles vasos esponjosos, de tanto encarnado porosos inundando toda existente ramificação, pulando vivo cem por cento no ribombar ensurdecedor do coração batendo na sombra… como o tambor da bateria no som “baixo” nada “grave” e violento, como uma bomba.
Viajando fora do corpo, elevando minha alma lá no alto, via-me deitado na companhia de mais corpos, todos cheios de estrelícias dourados, da família dos musáceos como cachos soltos.
Meu espírito observando também sonhava, estava sob efeito na forma de anestesia, e nunca pensou que algum dia sua espiritualidade se embriagava, mesmo apartado da matéria viva.
Vivi sonhando, morri vivendo de vez em quando…"


«««


Acordei pensando no sofrimento voltando aos meus sonhos vivendo. Vivo o anormal, e não consigo estar acordado se fujo do que não gosto… o mundo é demasiado evidente, tosco e pachorrento.
Quero dormir o sono eterno da saudade, tudo o que eu vivi quando fui amado.
Sonho que estou a ser embalado pela espuma doce do mar, morro nascendo no passado insano…
Com o sangue fervendo - não quero acordar, mas o choque da fatalidade que me cerca, e o que sendo não sou, é uma verdade insofismável, e desperto como um amofinado da morfina para voltar desinteressadamente à minha forma rotineira... 


O que me mantém vivo nem eu sei porquê, senão a espera contínua do desconhecido aventureiro suicida. A  minha salvação se é que ela existe, reside apenas num principio comun e banal - ser compreendido. Parece ridícula esta palavra como ridícula é a minha vida aos dezanove anos, depois de sair da terra e das pessoas que mais amei, substituídas por outras que possuí e deitei fora sem me aperceber da indiferença dos meus actos.



A mudança que eu tanto anseio, a compreensão que espero de Deus, será o descanso da minha alma junto dos seres que se encontram no abraço da sua eternidade... o desejo e o encontro onde reside a minha felicidade.



















sexta-feira, 12 de janeiro de 2001

CIGARRO, REFLEXÃO E CATARRO






CIGARRO, REFLEXÃO E CATARRO



Quantas dessas vezes as saudades matavam e a solidão feria, ainda que esse amigo por entre os dedos, de coração vazio, quisesse substituir a necessidade de um beijo ou um carinho de um abraço materno, no meio de pensamentos e nostalgia de afectos. 
Ao começar a fumar, mostra-se aos outros que temos um cigarro e somos homens ao soprar fumo pró ar. 
Depois cigarro atrás de cigarro, já não importa o que se fuma nem a arte de se mostrar, porque o vício a nós, está agarrado.
Por fim, fumar é um vício danado, é um prazer ao começar e um inferno para largar. Todo o mundo sabe fumar.
Mais depressa se está perto de falecer de que o tempo que se vive não ter.
È como no último acto de amor, ter prazer para não mais viver… aproveitar o último suspiro do dia, e coabitar tudo que nele contém vida antes de morrer.
Comecei aos 12, e aos 35 anos tive juízo, e deixei de fumar.
Costumo dizer, que este, foi o acto mais inteligente que alguma vez resolvi tomar e porque em vez de fumar, resolvi pensar.










domingo, 24 de dezembro de 2000

RITUAL





/EM VILA FRANCA DE XIRA/
RITUAL


Por vezes, sentia-me dividido, partes confusas, tudo andava depressa no meu espaço, as horas do dia eram escassas e as da noite diminutas, insensatas, para o ritmo que levava.
Pisava o chão como se estivesse minado de agulhas, nunca fui capaz de permanecer na duração do sítio inventado…

E as horas passavam nos segundos, como a máquina do tempo à volta do mundo…
Eu não tinha paz no minuto, e os anos da juventude eram sempre frescos, irresistíveis para quem se aproximasse, rostos que eu amava com a entrega do ser, passavam como o vento, não davam descanso para ver a idade.

Um dia seriam a desgraça, quando quisesse parar… onde devia estar e a quem tinha feito a promessa de encontrar a verdade no amor.

O sol era o meu relógio e a lua o esquecimento dos bafos quentes, dos panos amarrotados no chão da cama, dos gemidos profundos em intermináveis paredes desconhecidas, dos corpos reunidos em braços e pernas encolhidos, das vozes que faziam promessas sem sentido, na podridão do sentimento vivido depressa.

Não tinha pressa de viver, mas momentos vividos valiam uma vida sem nada ter pedido, não tinha hora de chegada nem de partida, andava um pouco à revelia da liberdade, sem sentido, meus passos não tinham contrato efectivo, era abstracto e desconhecido e o mundo demasiado fácil, e a minha vontade fraca no querer parar, e forte no dominar.











domingo, 12 de novembro de 2000

SUBESTAÇÃO DO PORTO ALTO


/ANO DE 1977 - PORTO ALTO/




SUBESTAÇÃO DO PORTO ALTO










Cheguei a este Bairro, vindo de Santarém, e apesar de ser uma mini aldeia com jardins, árvores de fruto e nove famílias… um mini paraíso naquele silencioso Verão de Agosto… o vazio angustiante que já existia originário algures na partida de Foz Côa, nesse dia dessa nova chegada, senti dentro de mim esse espectro que eram aquelas montanhas e amendoeiras floridas, o leito do rio Côa, cama eterna da minha alma, e o perfume da terra que tantas vezes deixei cair por entre os dedos, sentindo-a na pele como o sal da vida, que dava existência aos batimentos do meu coração. 

Cada chegada é o novo começo de uma nova partida, o sentimento de uma nova paixão, a saudade no olhar de um novo apartar, amar com a mesma vontade as ondas do mar em cultos do amor em prazeres sem fim, porque a chegada e a partida são os lugares da minha terra, é a minha vida.

E eu continuava a viver de recordações, de pesadelos no sono, de paragens existenciais vivendo e morrendo vezes sem conta…


E eu vivo porque tenho a esperança de um dia regressar à minha casa em forma de cruz e soltar meu corpo pregado naquelas tábuas, acabar com as saudades ao voltar à terra onde estão as gentes do presente e as vozes dos que já são passado, poder falar em silêncio com as almas e recordar com os vivos o amor que nunca nos tem abandonado, e poder gritar a Deus que nesse dia estarei em paz e preparado para partir, que me encontro no lugar donde nunca devia ter saído.

*




Eram dez famílias e os mais novos eram levados na carrinha para o liceu de Vila Franca de Xira e as senhoras iam às compras conduzidas pelo meu pai que era o motorista.
Todos os funcionários tinham lá casa, uma horta com cebolas, batatas, alhos, alfaces, morangos, couves, uvas, etc, todo o ano, e um recinto para criação de frangos, patos, coelhos, pombos, uma cantina com bens essenciais, um bar, uma sala de jogos (ping-pong, matraquilhos, damas, xadrez, cartas etc), e ainda uma biblioteca e uma piscina. Dentro do próprio bairro tinha dezenas de laranjeiras (baía), limoeiros, maçãs reinetas, e um damasqueiro gigante.











quinta-feira, 12 de outubro de 2000

SAUDADES DA MINHA VILA





Vila Nova de Foz Côa


 
SAUDADES DA MINHA VILA




Rodeavam sorrisos de lábios afilados descarnados, outros grossos de sangue encarnados como pétalas bordados viçosos, semeados abraços de contornos apertados juntos ao peito de ternos impulsos que um dia se haviam acabado… 

Substituindo o riso do povo, pela cascata de água em queda livre num mero ímpeto de saltar o morro, aquando da minha saída… não quero lembrar esse dia.
Beiços de sorrisos que eu recordo com saudades, onde não vejo em mais nenhum lado do planeta, misturados em flores agreste ou vales de amêndoa florida alva sem idades, da mulher de vestidos preto na originalidade da terra, ou o homem transmontano de varias classes que vem da serra…
Sorrisos que me vão na alma, como colheres de mel tonificando minha calma, no silêncio do meu sentir, que me dão vida para continuar minha caminhada e sorrir… sorrisos dos meus sentidos, da paixão gravados e impressos como cachos de uva tinta, substituindo o sangue… colheita da minha vida, quase extinta.
Não importa se as estações do ano mudam, se o século vira e se o milénio é outro, se dificuldades surgem, se a idade avança; em lugar algum se chega, sem conservar a vontade de viver.













terça-feira, 12 de setembro de 2000

DAR E RECEBER



/EM VILA NOVA DE FOZ CÔA/





DAR E RECEBER



 
Nunca na minha vida tive tantos amigos queridos de Trás-os-Montes, e vi tão colossal desejo de viver, partilhar o meu interior, bombear o meu coração, distribuir amor, dar e receber, extinto sofrer de quem sabe amar. 
Quando sentimos na adolescência o despertar das atenções, que somos o amor centrado do sexo oposto contados pelos dedos da mão, que deixamos paixões por onde passamos, sentimos essas pessoas no coração. Embora sejam uma pequena vila no nosso mundo, elas são para sempre o infinito Universo de mim em tudo. 
Temos o coração quente inundado de calor, derretemos nuvens com nossos passos caminhantes de amor, voamos como angelicais seres da paz, transmitimos deslumbrantes sabores do sentimento voraz; caminhamos espalhando abraços e beijos de chocolate quente, saboreados como cacau doce que nos vão pedindo, apenas com a carícia do olhar. 
Somos abençoados, por termos a sorte de sermos amados apenas nas palavras e no contacto espiritualmente, onde nossos corpos se fundem na procura da eternidade em laços de amizade pura e áurea consistente, em sinal dos tempos que hão-de vir, não saber de tormentos, banir pensamentos… arrancar, permanecer entrelaçados viventes amantes de apaixonados paraísos - por saberem amar.







domingo, 6 de agosto de 2000

MORRER CORPO, VIVER NO OLHAR NASCER OUTRO



 /Vila Nova de Foz Côa, verão do ano de 1974, depois da Revolução do 25 de Abril./


Fui tomar banho na Ribeira com meus amigos da escola, e ao tentar atravessar para outra margem do Rio, me deu uma cãibra e fui ao fundo e me afoguei. Quando acordei me disseram que fui salvo por um moço que ali passara na Vila de Foz Côa e que nunca cheguei a conhecer. Coisa estranha... por isso deixo estas palavras em memorias desse tempo.





MORRER CORPO, VIVER NO OLHAR
NASCER OUTRO


I


Tentei mexer os pés, sacudindo as pernas, sentir os dedos como clichés aliviando os músculos sem sequelas, mas era impossível continuar ficando à tona da água a respirar… ainda tentei dar aos braços, mas uma cãibra e a corrente com seus tentáculos… parecia um polvo gigante com suas garras de peixe musgoso, arrastando-me para baixo como uma âncora de peso tortuoso, esgotando o tempo de respirar, alienando o cérebro… sonhador quanto baste, expulsando os bofes dos pulmões como um traste. Ao deslizar para o fundo do rio… vi-me a mim ir de olhos despertos, soltando bolhas de ar fino, antevendo no meu sonho antecipadamente inquieto o sonhar do meu afogamento…
… e paraísos de mil e um pensamentos repassaram do meu passado, mostrando imagens de vindouro transacto, fugazes dentre asas voadoras no interior duma bola de cristal, passando como um condor num raio futuro.


II


Ainda hoje penso que sonhei tanta realidade, e ao acordar do devaneio minha alma reencarnou… não sei se era realidade ou ficção, a ribeira corria livre mas sentia-me cativo como um sonâmbulo…
Ao desaparecer daquele lugar na minha inconsciência, senti-me calmo numa paz que não existia. Por um lado os seres sem sorrisos eram diferentes, estranhamente desconhecidos, ou tudo aquilo não existia; noutro quadro temporal eram todos amigos… sentados a conversar, como se o meu afogamento fosse a coisa mais natural naquela tarde. Que estranha forma de estar… apenas os olhares pareciam disfarçadamente indiferentes, embora naquela encosta de céu cinzento, tudo apontasse para ser um dia bem negro, de sol e nuvens num clima inexistente.

Um novo recomeço estaria em curso, sabiam daquela outra vida?
Ou aliviados por eu e eles estar de frente num olhar mudo, aliviados por de novo estar palpitante com tanta vontade de ressuscitar ou seria eu apenas espírito? 

Estava rodeado de amigos e namorada do liceu que ali foram tomar banho na ribeira em Agosto, mas a maneira como se comportavam pareciam coexistir noutra dimensão… como se minha alma tivesse duas vidas, uma que ficara no Côa para sempre e outra que retomava o caminho de regresso como se nada houvera acontecido. Nos dois revezes da moeda sentia-me um predestinado para qualquer desígnio que um dia se iria revelar, e o meu afogamento não teria sido obra do acaso porque o meu corpo fôra reclamado nas entranhas daquele Rio como se ali pertencera sempre a minha alma. A próxima vez sei que não morrerei de alucinação… e a sepultura não será uma ilusão, quando meu segundo espírito sair deste mesmo corpo embalsamado, e descansar num palmo de chão depois de cumprir minha missão ainda desconhecida nas terras provenientes do passado.


III


Que seres eram aqueles olhos de mistérios silenciosos, e a dor no peito… porque falaram do peregrino francês, buscar-me ao fundo do leito uma única vez?
Porque acordei sozinho na outra margem do rio a sonhar, ao sentir asas dentro do olhar, um vento fresco no rosto, que se esvaeceu de repente em Agosto… e a dor no peito que voltava sempre que o coração batia sem jeito?
Seria um anjo… que nome daria a um invisível asas de olhar manso?
Sonhei que em tempos fui um ser alado, de majestosa aparência, muito antes de se inventar o humano criado; a minha real descendência tinha como poder o fogo do dragão, que meus olhos brotavam como chispas de carvão, contra os inimigos de Deus, os demos belzebus e danados ateus.

Havia um olhar de uma criatura veloz que me amava como a vida e a morte juntos num só, possuída duma tal fragrância amorosa com olhos de arcanjo mágico protector, dentro de mim fixados na órbita, recordando gomos firmes de amar eterno…
A narração do Romeu e Julieta é um simples conto sem fama, duma história passada no planeta, ultrapassada e sem chama, comparada ao meu tempo de boreal aurora…



IV


Aquele romeiro invisível… foi sempre um estranho na vila, porque quem era ninguém sabia… e sempre que alguém ali passava de novo, o inventar daquele francês, de quem não era sapiente o povo, iam dizer o quê?
Então quem era, quem foi que me salvara o corpo?
Alguém com o rigor da ciência de um morto, que do fundo das águas me tirou do lodo, com uma precisão de eternos conhecimentos, como o sábio protector, guardando com fervor o viver do meu coração em movimento. Debruçado sobre meu corpo, alguém de forma transacta, humana, deitado vi um rosto e depois… nada. Caramba!
Aquele peregrino… e logo havia de ser francês, com tanto portuga em Portugal, naquele sítio onde tudo era português, ainda que aparecesse um chinês… não poderia ser um animal, uma estátua de cimento de Lisboa ou um homem com cornos ao vento em Foz Côa… eu que vivia ali há algum tempo, nunca vira se não gente de momento, a não ser Transmontanos… raios partam o francês! 



V


Com tanto mês nos anos… só queria saber quem era ele outra vez… gostava de o conhecer, ter a certeza que os ossos eram revestidos de carne, poder agradecer, encontrá-lo em qualquer parte, acreditar que aquele ser tinha alma e não passava como passará a ser para sempre… um fantasma.
Sou o mesmo corpo mas de alma diferente… ou a mesma mente e desigual tronco numa renovada corporação, sem que se meneie o olhar do coração. Que quantidade de espíritos tenho eu?
Se é só este que sobeja indiferente, então estou pronto meu Deus… ou viverei outras existências como um bronco, na sombra dum Golias, sem um pingo de sangue num ser imorredouro, quem serei eu noutras vidas?

Um vampiro que suga o sangue das suas vítimas?
Um mafarrico de tridente e rabo de diabo…
Um Frankenstein formado às tiras…
Ou um Cristo numa cruz pregado?


VI


Melhor seria ser eu, assim não sou mais nada mesmo, para além do ser dentro de mim, o fora aquele que também queria ser… e o nada eu da minha sombra.
Que caminhos ainda me quedam, que lugar me está reservado?
Sejam eles quais forem… que me restam, espero ter uma cruz onde possa repousar descansado, como um súbito alado de asas que não prestam, e consiga ficar deitado em paz,  donde estar, não ir no voltar novamente e adormecer minhas cinzas no leito das ondas do mar.
É de lá que brota toda a matéria, e é para lá o meu testemunho a quem eu quero retornar, porque se Deus quiser que eu volte... ainda que seja noutro corpo, tudo o que eu sou será mais perfeito através dos séculos.

Não escondo o desejo de ser um anjo na Terra com a missão Divina de cuidar, aperfeiçoando toda a raça que deixe de ser mortal para amar toda a vida humana.
 
Vive-se onde o sangue tem o cheiro da terra, perfume da vida eterno que me chama e me quer no seu leito.
Ao pensar… sou dali, quero voltar, e dali partir, deixei lá minha alma ao vento, mas quero ir com calma ao encontro do meu destino tenho o tempo todo do Mundo.