quarta-feira, 25 de setembro de 2013

CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO - IV PARTE








CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO


IV PARTE

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Falar de altura?
É um estratagema trocado por miúdos – uma fraude.


Se houvesse um dilúvio em vez de chamas como se houvera tapando toda a claridade do ar… correria alienado para o ponto mais alto do pico.

Ou então, fôra eu uma perdida queda de Ícaro?
Não precisaria trocar de barbatanas, tubos respiratórios ou óculos do mar.

Mas se caísse um raio do céu fazendo tremer os mundos?
O melhor seria deitado de bruços, usar chapéu de coco contra as pedras!
Rastejando como uma cobra sem mausoléu, ver debaixo, sem levantar os olhos da terra. 






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A melhor “altura” é a do sábio: o homem mais alto no conhecimento do vale e de todos os paraísos. A beleza das florestas será matéria da Natureza /Deus da sabedoria/, e o seu discípulo a “ignorância”, o Apocalipse do fogo e da água.

Já não são alegorias nem outras coisas do sono…
nem a aflição que morro, mas antes as noites de flagelos
em permuta da utopia pelos pesadelos.


Faço a avaliação de tudo o que me rodeia e às vezes até de mim próprio, levado que sou pela sensação das comparações… dou comigo a libertar o corpo entre congas enfeitiçado, pondo à solta a rainha alma em constantes medições com a estatura do eu, e a essência das serras apoiando os pés com o nu da pele ao vento, dominando o mundo descomunal que é mais baixo na vertente da minha vida, e elevado se ponho asas na colina dos meus marasmos.
Fecho os olhos e estendo os braços, sondando o perímetro em frente como se tratasse dum voo experimental da mente, entre o ar e as nuvens do que sonho. 





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Inconsequentemente tenho uma grande vontade de saltar o desconhecido, que por não saber o que é me aflige, e ainda pior se não me decido no vago hesitar, como um respirar agitado e um calafrio de suores que encharcam lençóis em ritmadas batidas, e aceleram o coração quase prestes a rebentar como uma bomba entre veias e sangrias.
O vaivém das ilusões no sono, são medos intransponíveis que nunca consegui transpor, apesar do abismo da queda ser infindável como o tatear do algodão naquela perceção do falso desejo certo… que nunca sei onde começa ou acaba. Prestes que estou a realizar com sofreguidão o que anseio, também dou por mim a fugir num milionésimo do terror, ao pressentir que no fim vou bater em algo que não quero… sentindo a dor do susto substituir num ápice o alívio do despertador no acordar, e interromper esses letargos repetidos noutras noites alucinantes.
Sou um vivente que reside na poeira do fumo transparente... como razão do não existir.  





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Dissecar a forma de pensar como arte intemporal na superfície da Terra, é um binómio que transcende a consciência de mim próprio, e me coloca em bicos de pés ao enfrentar impressões da ciência alma, e por ser irrealizável, difícil criar emoções terrenas.
Se por acaso persistir alguma dúvida particular, daquilo que o íntimo provoca em meu seio: da pintura como tinta escrita escondendo meus reflexos na máscara… resultará o meio exato para reduzir a decomposta em ideia invisível, vivendo como espírito num determinado espaço real, onde exista como matéria.
A mim será atribuído o afunilar máximo das impressões internas sem esqueleto, conduzidas na possibilidade da invenção criar a realidade, e levar as coisas da matéria ao seu poiso como imaginárias, quase como uma troca de identidades, onde o incorpóreo terá o seu significado como sinónimo contrário.
Até a matéria pode ser irreal, se desaparecer… assim tem sido a minha vida na realidade, daquilo que sou, para de seguida chegar à conclusão de que ela não tem sido nada…  




  
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 Não deixei laços de sangue ou obra que justifique uma prova, quase me atrevo a dizer que não existo – só me falta dissipar como o vento, noutra dimensão, onde não seja preciso ver para crer.

/... espero um dia distorcer o tal obstinado torcer... poderá ser uma questão de resistência, vencer. /

Não diria que sou um fantasma, mas não consigo esconder o espírito na única forma de viver que é este amontoado de ossos e carne, na arte abstrata de Picasso. São mais as coisas invisíveis que me caracterizam, e que ao deixarem rasto… se tornam espirituais, parecidas com o meu corpo na forma de escrever.
Aqui posso deixar algo que não seja insípido, tenha sabor de imortalidade, embora a tinta coisa manchada, transforme as palavras na minha alma… e lá volto eu ao não-eu da minha existência circular no seu ciclo vicioso, na rotação da Terra… na minha volta contrária à roda da humanidade, porque não sigo as normas das espécies mortais, coisas fastidiosas e tão chatas.





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Nego e aprovo toda a minha negação do ser… e de não ser, porque sempre vivi noutra dimensão pelo qual os sonhadores, se volverão os grandes antecipadores do conhecimento e sabedoria futura.
Entre mim e os outros, as diferenças são todas na maneira de ser.
Exceto o mover dos jeitos, a fisionomia dos vividos, e o caminhar ereto das encruzilhadas na origem dos passos.
Ponho muitas vezes à prova o carisma da minha personalidade, enterrando até às raízes do cabelo as convicções que defendo, não desfiando segredos espirituais em troca de bens terrenos, apoiando todas as ideologias que conheço sem receio de comprometidas adulações, ou o modo de outros defrontar a análise que faço do meu psiquismo na vontade que têm de enfrentar o meu estilo.
Por vezes não é fácil o descontentamento que provoca toda esta exposição, que põe a descoberto a nudez penosa dos meus sentimentos e se torna carrasco de mim.   




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É como eu, nem mais nem menos que os outros... somos… não sabendo donde. E porque sou… não faço desvios de feitio ao milímetro, sejam para um lado qualquer do triângulo da minha vida, convencido que serei… se for um ser um pouco douradinho com pintinhas além-espírito – Um ser bonzinho com asas de formiga.


O estudo que faço de mim, é um pouco a imagem frequente que provoco nos outros, refletida no espelho dos meus olhos.
Na generalidade sou uma pessoa franca e alegre com quem a maioria engraça, medindo as distâncias entre as formas de ser e representar, se por acaso lhes desperto atenção e a minha atuação lhes é benéfica.
É a reação evidente de quem anda à minha volta… como se um fecho de luz irradiasse na expressão facial todos os indícios que resultam no estado da alma, o dom de imitar Deus com respeito, ainda que se desconheça quem é.
Assim serão os sobreviventes que coabitam nos grandes centros.
Vivemos perto um dos outros, entrecruzando mentes como estranhos alienígenas, tendo único ponto em comum… os olhares dum mundo fugindo, desconhecedores de quem habita, ainda que sejam vizinhos?
E que do medo desconfiam por viverem como bichos…   




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Quantas vezes ao redigir entre o meio espertar e dormente, se adormeço, entro na utopia dos meus sentimentos como se o real fora esse momento, e o acordar uma ilusão do sonho.
São duas situações no mundo que convivo intensamente, e se numa o sono pode ser vida imitando o dia-a-dia, noutra o não dormir pode remeter aos meus sentidos o sonho vivo, como se a luz acalorasse a parte estancada da alma.
Ambos podem ser divergentes, se são mais ou menos nos seus polos, mas idênticos para quem consiga habitar o gémeo entendimento na sua extensão paralela, como o sonho e a existência embora opostos, convertidos na sua cúmplice dimensão, vivendo em mim como uma só realidade.
Aqui a matéria torna-se exclusiva na sua dissemelhança.
Nasce e cresce no auge da sua juventude, definha e morre na mesma natureza, usada como uma capa que se descarta no fim do ser, por vergar com o peso a fraqueza do corpo. 




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Já o espírito é algo que se acredita mesmo que não se veja.
Mas quem usa o dom como faculdade, sabe que a sua essência coexiste na humanidade como um sonho que vive temporariamente no mundo da Terra, e eternamente além-mundo… à espera doutra substância. Tem esse mistério de ser e do não-eu… viajante do céu e da fantasia das trevas, percorrendo milénios em busca da perfeição com a finalidade de ser anjo.

Tudo tem uma duração enquanto palpita. Se todas as células vivas por serem vida, por acaso morrem quando corta o respirar, o corpo é como o vento quando se desfaz em pó, e não se vê num sopro só, mesmo que se misture no ar.
Esta embriaguez que transporto como um fardo no caminhar, seguem meus passos cansados sem ato de ser nada, por um pé indiferente à sua passagem.
Não é fastio nem tristeza que sinto, é uma mudança de feitio com outro adormecimento, de umas tíbias que batem no baixo inconsciente à volta do olhar como falanges à escuta, oprimindo entre a nuca. 



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E não se sabe nunca!
Passa o que é nada…
ainda que dentro da gruta,
caia uma gota de água…



Um dia não são dias…, mas há outros dias neste dia.

Como um segredo, pairava no ar uma onda solta de marulho arrastada pela aragem do rio, começando a invadir a vila do Porto Alto…
Agoniava como uma maré vazia cheia de algas estragadas, tal era o lodo e o meu olfato apurado naquela manhã de nevoeiro húmido, num entorpecimento frígido de mar morto, com cheiro a cadáver…

Os dias deste dia, não são… nunca foram outros dias como este dia…

Tudo parecia silhuetas de nuvens almofadadas, soltas como asas num branco falso, salpicadas do cinzento arrastadas pelo desabar do vento, que o céu ameaçava a todo o momento coisas que vinham do ar faiscante…
São situações, são atos da natureza, aflições do clima, coisas mansas que se põem bravas, e nos passam por cima.




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Os dias também são um dia, outros dias…

Nunca tinha sentido o acontecimento de altas temperaturas como uma coisa estranha, extremamente peganhosa e sufocante.
Não se pode andar na neblina quente da rua com a roupa colada à pele, com o oprimir da garganta seca, e a impressão que faz isto tudo um inferno!
Até em casa é um calor intenso… o ar condicionado sai, e quando se espalha já vem cálido… mas mesmo assim é melhor permanecer na habitação.
É uma impressão que esquenta o corpo e derrete a incandescente alma…

E tudo, porque há um abafar do deserto de África que antes era noite de gelo, e depois abrasa, vem dos lados caindo dos altos medos... cortando o ar a quem respira veludo e engole morcegos... 




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Um dia, os dias também serão um dia… o meu dia.

Este Peristaltismo que sinto na barriga a uma hora qualquer sem aviso, é prenuncio de algo que mexe na sua semelhança… habilitando o faro nas paredes do olhar como um envergonhado rumor sem controle pleno.
É como o nascer da luz e o entardecer pardacento de repente, um sopro que se extingue ou um clarão que chispa, tudo pára no mesmo sentido: um momento vira, no outro derruba – e nada é absoluto - Tudo porfia.





E anda tudo ao desalinho…
e depois nas trevas piscantes,
se existe… onde há vida?
Como um pião quando cai do giro,
se a Terra pára no seu movimento…
amanhã haverá um novo dia?
O tempo congela a luz no firmamento.
Será um cinza novo...
depois um novo dourado…
com um eu humanizado,
inventará um novo povo?





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Toda a esperança reside no facto de não a termos.

Todas as minhas expectativas estão imbuídas dum fracasso estéril, cujo paupérrimo fragor me impossibilita de abstrair do seu máximo fulgor.
São um fator de jactância que reincidem em vapores húmidos que enegrecem a atmosfera, esboços esfarrapados de borrasca com contornos de falso alarme.
E nada é quando não existe, o toque do rebate disparado como um dardo para anestesiar o inconsciente e iludir a esperança.
Por vezes apetece-me sair do bem bom, ao romper com a saúde mental, e vociferar às gentes da minha natureza para exterminar imagens paisagísticas não localizadas, conforme as tempestades da mente ou as explosões de feitio, ao que concerne voltar a instituir os bons modos para a vida retomar a rotineira costumada sociedade, e eu seguir a trapalhada do meu destino.
Pensando na fadiga como a extensão da fraqueza, por vezes entro em rotura com a resistência, e então tudo mói, como um esgotamento se derreia e paralisa.





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O meu contentamento é tão penoso como o sofrimento, se comparar que entre mim e o que vibra - há uma vidraça transparente e delgada que perfuro, mas não consigo atingir.
Ponderar a minha mágoa sem razão com que motivo, se a demonstração é uma dificuldade que não quero, e quem é infeliz não se pode cansar, mesmo aceitando os sinais vulgares que me afligem, eu não tenho a força da alma que me dê descanso.
É uma maré cheia de desilusões que vou retirando do meu pantanal. Já nem insisto ou busco o propósito do meu caminho.
Quanta incongruência em satisfazer-me?
Quanta impressão escarninha de sentimentos imaginados?
Tanto emaranhado entusiasmo com as sensibilidades, das ideias que andam espalhadas na atmosfera e nos oceanos perdidos das lágrimas… já nem tenho mais alma que suporte tanta dor, esgotada que está da minha existência.
Todos temos no nosso armário um fato muito antigo, que usamos todos os dias acoplado às nossas faces de palhaço - rico ou pobre. 




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Basta ver nas horas rápidas os rostos enlouquecidos ou preocupados com a azáfama do tempo.
Se tomarmos atenção às expressões… e à sua forma, veremos todos estes veraneantes com cara de mimo, cada um no seu papel de fisionomia característica a que está acostumado e nem sequer dá por isso, tal é o stress e a pressa adjacentes à sua corrida, como a ocasião do nada ou tudo.
Assim me considero eu todo o tempo real da minha companhia, num apenas pequenino senão: sou um ingénuo cheio de desilusões, mas sem urgência de meus passos, porque esses sempre foram dados ao acaso com uma lentidão que agonia.

Quem vier do céu e tiver espírito guerreiro,
assim que alcançar a beleza da Terra,
será um anjo no mundo inteiro!
Mantendo a paz longe da guerra. 

Encoberto na caixa de Pandora o símbolo de regeneração perpétua, vejo a esperança que o mundo necessita para combater todas as anormalidades sombrias dos espíritos inquietos. 




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Mirando detidamente o horizonte com olhos perscrutadores, desperto anos-luz do vácuo infindo com mandos que o saber desconhece… atravesso todas as eras de mistérios, e antevejo meu ser como um ente viajando no tempo, vivendo todas as almas do passado nos corações eleitos.
Por aqui caminho fazendo da idade um estudo, de olhar cúmplice na ilusão das coisas tão belas, que aprendi a amar como um paisagista, venerando o deserto das águas e oceanos de montanhas até à população das criaturas nas florestas.
A minha conceção de vida tentando evitar o medo das incertezas com o acontecimento dela, não esborracharia a coluna do pensamento, se todos os meus princípios não têm sido uma fôrma de barro moldando pessoas, andando a contravento… mas então, porque me importa o que os outros pensam?
Só me ocorre as palavras: Não interromper minha paz de espírito.
Todos os dias me cruzo com dezenas de pessoas de ambos os sexos… para além de meus conhecidos, são colegas de trabalho.
Da parte dos homens, dizem por ser livre, que sou irresponsável.




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Da parte das mulheres, o mesmo epíteto, acrescentando o privilegiado porque não me falta nada… quando falta tudo.
Compreendo a crítica, só não entendo as razões do julgamento nem dos juízes, mas como não devo ser anti social, faço-lhes a vontade e nesse dia sou quem eles querem que eu seja – um pseudónimo.
A melhor resposta é pôr o silêncio a sorrir, e nada que contradiga.

Basta alguém entrar em conflito, para toda a carga negativista desinquietar todos os espíritos que andam no ar, e apoquentar minha tresmalhada alma que tenta de novo recuperar a paz.
Tenho necessidade de estar bem com os outros para ficar bem comigo. É o único ponto da minha personalidade que eu altero para benefício do mundo que me rodeia, de resto, aquilo que sou não modifico uma vírgula… e até costumo frisar que os traços do meu rosto são expressões sinceras daquilo que sinto, e o carácter vincado da minha alma bonacheirona, não é mais que um reflexo do que sou.
Ao saberem que não escondo as minhas emoções, até me podem chamar “piegas”, porque o que sou, ou como sou, nem um tremor de terra me abala.




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Pouco me importa a maneira de ser dos outros, ou o que possam pensar… desde que o respeito seja recíproco.
Cada um é como é, e eu até gosto do ser sentimental que há em mim, e nesses outros também que me seguem... que têm o arrojo de se despirem de todos os preconceitos a que estamos sujeitos, sem medo de perderem a coragem.
 E a autenticidade das minhas ações jamais poderão pôr de parte as vozes que me confortam o coração, mesmo que invente uma ilha isolada onde tenha só por companhia os ventos e os peixes do mar, e seja só eu e o mundo…
A minha janela virada para o solar das estrelas, é uma cadeira, uma caneta, uma folha, e uma voz amiga em franca companhia… ainda que venha do espírito, será o meu coração por palavras o diálogo que irei ter com todos aqueles que gostam de conversar, e queiram espantar a solidão em todos os ângulos das suas forças.





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Depois, depois os cantinhos onde se abrigam os segredos dos meus sonhos… entre nuvens de paraísos secretos com habitantes díspares e louca extravagância de imagens, que me põem numa apatia estéril com perca de gestos numa ação inexistente, onde os movimentos são percetíveis apenas em câmara lenta na divisão dos segundos… incontável eternidade de angústias. 
Mesmo sendo eu um sonhador incansável, há pausas em que tudo se esvai, mas a claridade do que é vero torna-se límpido, e o nevoeiro se dissipa. Então, ao rever o que me cerca, só de ver, sinto a carne dilacerada como se fosse esventrado, fervilhando em bolhas de sangue a carne viva do escalpelamento da alma.
Todo o meu corpo parece uma bola de trapos, representando os pontapés que a vida me dá, e eu recebo sem apelo nem agravo… só o coração tem pena da minha dor, e como um bom amigo está cheio de amor nas alegrias, e sofredor nas horas tristes.





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Posso acabar… enlouquecer ou morrer…, mas nunca vou parar de sonhar.


O dia sibila como uma serpente enrolada à minha áurea luzente, tentando entorpecer meu corpo como o anoitecer nos fragores do vento…. Desconhecendo o porquê da minha dormência, encontro a mesma razão que existe nos meus dias.
Na mesma onda vem serpenteando a paciência da ternura, para enfrentar parte das horas vacilantes… sei apenas do aborrecimento incompreensível que me causa sofrimento, e sobrepõe nas ocasiões da minha dor como uma ferida malcurada, a quem o costume compara a indiferença e hábito ao mesmo tempo.
É a resignação por sentir uma carícia, o calor da mão duma mulher, que enfrento todos os momentos infernais… dois corações que se amam enquanto vivem separados, porque estão condenados dentro doutra prisão …

Porque existe Deus nos períodos extremos?
E só o Diabo nestas alturas…?
O céu encontra-se no meu olhar, quase lhe toco com os dedos…
é tão fácil alcançar como uma lua ou duas!
Mas no inferno dos medos, mesmo sem lá estar, arrasa!
Queima como brasas. 





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Quero pensar em tudo… ou numa só coisa de cada vez.
Posso pensar na vida, mas não dissociar o seu antagónico parceiro.
 Aí, o pensamento está relacionado no seu todo, e duma só vez, o que me rodeia até ao que não existe - estou a pensar mesmo em tudo.
Posso parar de sonhar, mas como o sonho é a minha forma de viver, se o fizer – morro.
Então, para continuar vivo, se findar por tempos intervalados (embora tenha de suster a respiração como se faltasse o ar à minha volta), vou ficar roxo de veias salientes se o sonho for um pesadelo, ou mesmo verde de aspeto se não acordar do coma da morte real, que também é uma maneira de sonhar.
Ambos são morte aparente do sonhador, mas como só posso ter um sonho, se optar pela vida – só posso pensar numa coisa de cada vez.



O fascínio, o que me entusiasma?
É estar em todo o lado por Graça…
Se pensar em dormir em vida?
Sonhar todos os sonhos obriga.
Como um Deus invisível
dizem que existe… é possível.


 

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Sou mais verdadeiro se tiver a visão do todo… sinto um bem-estar associado à consciência da vida, se atingir a imortalidade da alma.
E o acontecimento não tem nada a ver com o Deus dos homens, mas perder a esperança de sonhar como um Deus, aborrece-me de morte!
Há nos meus sonhos uma estátua…
A estátua é uma figura humana sentada com as mãos em cima dos braços da cadeira, de costas à minha visão.
À volta dela, os pombos vagueiam como pedintes anafados sob tripés minúsculos.
Não precisam de fazer nenhum esforço.
Há uma badalada do tempo percetível à audição própria das aves…
Chegada a hora do encanto, a estátua levanta-se com uma saquinha vazia lançando migalhas ao seu redor (como o milagre dos pães e das sardinhas…) enchendo os bicos daquelas gordas e bamboleantes silhuetas, titubeando aqueles pescoços num vaivém qual estica e encolhe… engolindo os grãozinhos como receitas de milho, a quem elas tanto querem quando deixam de ser mármore. 



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Aquela estátua ao virar-se, para preparar o regresso à sua costumeira posição, move-se no sonho dando pela minha presença, provocando em mim o sobressalto do meu coração como a surpresa dum arrepio inexplicável.
O rosto que vejo na forma humana é o meu.
Tido do susto que é o reconhecimento de mim próprio, análise concreta dos meus olhos, ainda estou no sonho, e como sonhar para mim é viver - a minha vida estática, biforme, é uma estátua real, de pedra e cale quando a carne findar…
Na tarde cinzenta cheia de nuvens... sombras... e guarda-chuvas.
Vim cair aqui sem razão que me assista, como os porquês envoltos em mistérios que somos todos nós, seres incógnitos da vida.
Sei quem sou, mas donde vim, desconheço tal paragem.
Nascer, desconhecer a ignorância da essência, até me pode escapar
esse ato espontâneo.
Agora morrer… porquê?
Só penso nela quando os outros morrem.
Porque a carne não pode ser imperecível, mas o espírito sim? 




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Eu acredito, porque quero viver sempre… mesmo que seja engano, e só o vou saber quando a morte vier bater à minha porta. 
Já alguém pensou que esta pode ser a verdadeira razão da tristeza humana?
Só o sonho da minha vida incessante é o ato natural do meu sonhar a qualquer hora do dia, transformando as horas eternizadas em dias inextinguíveis.
Podem ser banais, nostálgicos ou mesmo vazios… mas são naturalmente eternos, porque todos os meus sentidos vêm desembocar ao cais do aborrecido.
O aborrecimento é a fórmula da minha imortalidade.
Como um clarão, sei que estou só no mundo.
No entanto, passam tantas sombras sem me tocar, e as poucas que tentaram… o seu toque não era sentido, nem o coração nem o espírito eram íntimos.
O meu espírito também o sentiu, e nem sequer precisou da luz que me segue, nem do sol que ilumina e reflete nas sombras pensamentos sombrios… 





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 Contemplar a beleza que o nosso coração alcança, 
é viver no templo do nosso sonho. 

Toda a minha vida tem sido uma ilusão, daquelas que deixam pegadas de sonâmbulo. Falta-me contemplar o resto dos meus dias… para não haver tropeços no caminho. 
Olhando para dentro de mim… sei o que me espera, porque conheço melhor que ninguém, todas as funções das células que revelam o meu eu. É como saber antecipadamente o que me vai acontecer, e sendo, não é do meu agrado, porque quem vive na ignorância, poupa muito sofrimento.
Na minha parte exterior, usando a preocupação como um caminho, poderei ser surpreendido com um espanto ou embaraço, porque não há solução para os problemas que me causam angústia, desde que me conheço.
Posso atraiçoar o mundo inteiro, mas não é esse o meu propósito nem a razão da minha fraca existência, quando tento passar os dias a enganar-me a mim próprio. 





  
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Não creio que o destino esteja traçado, porque ele é feito de seres que nascem e morrem, e à medida que acontecem, vão alterando a nossa linha da existência.
É sempre o último acontecimento fora do normal, que tem haver a maneira como vamos partir deste mundo. E este, é um caso simples de que ninguém pode fugir, por mais voltas que possam dar na campa. 
Tratá-lo de modo distinto, elevando o poder matemático pelo conhecimento adquirido, é aumentar o facto vezes sem conta na inquietação da vida, um acontecimento cheio de regras que o torna complicado.
Por isso, temos a raiz quadrada da nossa mente emaranhada como fios de telégrafo, aprofundadas no profundo dos nossos pensamentos, que vão tentando ignorar a escuridão onde as estrelas com o seu feitiço tentam encantar a lua, dando voltas ao planeta como um vício desconhecido.
O meu olhar contemplativo embora nunca tenha saído do fulgor que me assiste, teve sempre o infinito como o universo da minha prisão.  





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Não sendo um homem completamente livre… todos os anos da minha vida fui prisioneiro na cela onde vivia o meu coração, mas nunca fui um arrependido.
No entanto, livre, é todo aquele que não ama, ou não sabe o que é o amor.

A fidelidade é um sentimento fidedigno que exige lealdade e compromisso.
O amor, ato sentimental, é guia universalmente conhecido da vida.


Viver feliz, é quando se ama alguém com o desejo de estar sempre a seu lado, não conseguindo disfarçar o amplo sorriso de felicidade, a dádiva que é ser correspondido no mesmo comprimento de onda, até à fusão da luz onde os corpos sentem uma igualitária necessidade de amar, tal é o poder do amor.
A força que me trespassa envolvendo a minha vontade, me dá energia criadora para construir um novo eu cheio de êxtase, revelando na sua transição a emoção do amor.



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A esperança de me inserir numa nova terra, habitar um renovado céu, fazer parte de um novo mundo… encontrando a pessoa amada, é a entrada da qual fará parte toda a minha ânsia de viver.
Enquanto subsistir o amor, que não é mais do que a descoberta do outro na adoração e desejo da sua essência, haverá junção de algo misterioso, maravilhoso e divino que nos ultrapassa, e que coloca em todos os ciclos a fonte da sabedoria, na ordem humana e sentido no mundo.
E quando é correspondido, é dádiva por dar e receber, favor que pede enaltecimento por exaltação, e reconhecimento pela graça do amor.
Amor, palavra que tem perdão por saber amar, estar junto por ser amigo verdadeiro, fazer o ente amado sorrir sentindo-se protegido, viver cada instante energicamente como se fosse o último… respeitar, porque o amor ultrapassa todas as barreiras da vida.



Amor, algo romântico, que magia!
Se houvesse magia em tudo…
não havia origem e fim na vida,
só existiria amor no mundo!




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Sendo a vida um ato espontâneo que corresponde a todos os instintos de quem a comanda, se usar o amor como um bálsamo que tonifica toda essa atividade, obterá desse acasalamento existencial uma afeição carinhosa do seu estado mental duplamente reflexiva.
Eu tenho feito da minha vida… um sonho que não tem vida. 
O sentido que dou a tudo, é o modo como eu passo todo o tempo a sonhar, vivendo a minha vida interna com o arrefecimento de todos os órgãos, mantendo o calor dos batimentos do meu coração na consanguinidade da esperança.
Todo a humanidade que me rodeia se transforma em atores com uma perfeita atuação daquilo que entendemos por humanos, caminhando todos em cima da sua costumeira rotina, gente da mais variada cor habitando momentos ou vivendo situações, das mais diversas às comuns se não forem estranhas.
Este, é o olhar que eu lanço ao palco da vida, com todos veraneantes em Assunção e os seus modos terrestres visionados na plateia por um único observador… detrás, por entre a sua mente, existo eu no seu pensamento, a quem dediquei a minha orientação única e exclusivamente como um sonhador. 




  
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Sou o que sempre fui, um fantasma dos sonhos… sonhador quanto baste… impossível de identificar no seu estado nativo, e quem me disse que tinha de viver… esqueci ou não tomei em consideração, porque não está na minha natureza ou forma de ser, imitar as convenções.

Sempre estive aonde não pertenço, e embora não vá donde sou, sou donde não era… ainda que seja donde fui e nunca estou, porque nunca pude ir.
Agora que me recordo do percurso que me fez chegar até aqui, constato que tenho remado sempre contra a maré… podem pensar que sou do contra, mas é apenas um defeito do feitio do meu corpo dar a ilusão de que sou feito de sonhos.
Despojado de tudo o que não sou, destapo um pouco a capa que me encobre por baixo, para dar a quem queira os versos que eu sinto, e receber o que posso imaginar com amor, e sentir a vida quando passa por mim.  



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Da amante me obrigo a que não seja um sonho distante, encobertas de paragens enevoadas pelo calor do sol, na atração que eu tenho pelas distâncias de paisagens sonhadas, a doçura da imagem que tento romper na névoa do sonho, para eu poder amar com todas as forças do meu amor, quem julgo ser.
Sempre gostei de inventar o meu mundo restrito de amigos.
Juntos somos ilimitados.
Falar de amigos faz me vibrar por dentro num êxtase total… indescritível descrever essa sensação, simplesmente vive-se e não tem tradução nem palavras que a expliquem, quando eu sinto de um modo diferente.
Dizem que um “flash” provocado pelo ácido, dá um mundo interior vivido a cores de arco-íris, que só quem se arriscou a chegar à berma do abismo e resistiu… pode dizer que morreu e ressuscitou.  




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Também posso dizer para quem quiser visitar essa parte transcendental do corpo (basta ter nascido espírita), conseguir teletransportar a alma e seus fluidos perispirituais a impossíveis paragens, ter a consciência de si mesmo para que o domínio próprio lhe dê equilíbrio mental e uma perceção seguida de lógica.

Para ver, é preciso assistir,
depois de morrer aparentemente…?
Se acreditar que volta a nascer…
quando a vida acorda da morte,
e da morte volta a viver.


Atualmente, tenho este mundo de alguns amigos que aprendi a amar por acaso, e outros por afinidade a quem lhes tenho amor, e ainda outros por destino.
Uns são colegas, mulheres e homens da Incompol, outros são da vila Porto Alto e da cidade de Samora, grandes amigos da Net, e alguns espalhados por Portugal a quem lhes perdi o rasto e tenho saudades mortais…
No meu dia-a-dia, estou com eles em carne e sangue por sermos da mesma empresa, e embora falemos pouco, juntamo-nos quando alguém faz anos ou até num simples jantar de amigos.




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Claro, da Net são todas mulheres daqui muito perto, e outras do país irmão.
Todos têm vida própria, incompleta e delimitada, porque hoje em dia a concorrência não poupa ninguém… hodiernamente poderá ser um lindo dia de sol, ou o devir raiará cinza cinzenta taciturna - um vulcão de pesadelos.
Alguns têm algumas contrariedades, uns vivem consoante a vida, outros estão inseguros… mas nada que não mude repentinamente os sorrisos e o convívio em prole da alegria, e no fundo que interessa?
Poucos ou grandes… somos todos amigos, e nesses momentos juntos, estamos unidos, invencíveis, nada consegue atravessar o nosso afeiçoado império.
Recordando tempos idos da minha meninice real, não posso evitar emoções passadas no meu corpo fúnebre de criança, levando o meu pranto contínuo às imagens despretensiosas de sonhos saudosos, que por não serem cenas palpáveis de visíveis realidades me põem sofredor num banho de nostalgia. 






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A irritação que eu tenho de não poder recordar e refazer esses laços de amizade, de afetuosos devaneios com quem vivi tantos pormenores alegadamente imaginados, não faziam parte de nenhum lugar… ainda que fossem livres no conhecimento deles na minha companhia.
O passado de meus sonhos são pesados como chumbo, nada lúcidos, misturando o positivo-negativo do perto com o longínquo como se ambos fossem polos possíveis, buscando seres amados no mesmo local dos desejos angustiantes, quase prestes a tocar misturas de escuros e claros… e voltando aos inícios repetidos entre pretos e brancos, como se fossem cartazes pintados com tinta Nanquim e aguarela… cujas cabeças se encontram suspensas de cabides, acabando por se diluir como bolinhas de sabão, quando as tento alcançar com o meu abraço da tormentosa saudade… revolvendo pesadelos.

O passado de meus sonhos é a cela do meu imaginário… repetindo sempre as mesmas cenas de coisas antigas, porque meu espírito de desejos às vezes adoece de solidão, e saudades das gentes amigas que foram do fundo coração o meu habitat insubstituível do poder da vida, e do conhecimento endeusado que eu tenho por modelo e não consigo… 





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Tudo isto proveniente do sonho correndo em minha mente a fazer de dor, e dos instantes que passei vidrado de recordações que eram saudades dum passado… que eu solto lágrimas por não poder mais viver no presente.

Não haver um éden feito do céu à minha medida, não conseguir defrontar os habituados amigos que sonhei, deambular pelas ruas que passei tantas vezes com apaixonadas voltas das companhias escolares, acordar ao som das cantarias das desditas aves de capoeira e o ciciar matutino da casa de campo… onde vivi composto por Deus na correta  colocação para  subsistir, e poder usufruir dos meus próprios sonhos,  num tamanho espaço interior que embala essas estéreis realidades. 
Expor por palavras sentidas toda esta obra de mim próprio ao som da música e das lágrimas fluídas de um rio encantado, para o inconsciente sem sentido nenhum, sem Deus, sem nada… sem ninguém, como um solitário sonhador.





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Sentimento e consciência, ambos sonham... mas só um tem a perceção da realidade. 
Sentir é importante, é sentindo que se pode amar.
Que melhor sensação tricolor há no mundo do que o amor?
Se tricolor são as três cores do amor, que colorido melhor as define senão, um pai, uma mãe, o milagre dum filho… a criação.
Sentir é importante, todas as sensações são necessárias, mas não é o sentido no seu todo que só por si se justifica, mesmo falando dos laços de família, em vez da extinção da raça humana – é a consciência de pensar existindo, mais importante.
Esta noção de estar consciente, alerta em todos os sentidos, no estado em que sempre me tenho encontrado… embora catatónico, me torna conhecedor do sofrimento ao meu redor, e dentro, a consciência sabedora que tenho de mim.
Abrindo o córtex para desvendar meus próprios órgãos, vejo o que não quero.
Sei das diferenças entre os sentimentos e a consciência… melhor ainda, sei das desigualdades entre mim e o mundo… mas falta-me o termo que me dê cura.  





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Pressinto danos irreversíveis, se não sair do marasmo de meus passos a que me condeno, e não consiga reagir soltando lágrimas rijas, ou saiba que não valha a pena fugir das emoções contidas, que o meu pensamento encerra as sensações da maneira que passei a viver, o que sentia da vida neste beco sem saída.
E os caminhos não são extensões da minha intenção… são mais a preguiça inabalável de mudar o meu modo de sentir, e o acomodar consentido do entorpecimento, talvez para dar a ilusão da culpa do destino… desta modorra que é o meu estilo do feitio, e a minha marca incógnita repartida no tempo.
Faço muitas vezes esta pergunta a mim mesmo: Quem sou eu?
Depois de meditar, achei todas as conceções naturais que fazem de mim um ser humano essencialmente pensante, e embora a forma seja válida, senti deceção nas ideias pelo conteúdo concluir uma síntese que é da generalidade.
Não quero tornar-me diferente por ser apenas… quem sou eu?
Quero saber o que mais se aproxima da verdade e obter o concreto que me defina em consciência, e me diga: 
- Quem sou eu?  





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Sou o reflexo de mim, e o espelho dos outros. Quanto mais amo, mais amor recebo. Se esqueço, também minha alma é ignorada, e obtenho o medo do silêncio.

Amamentei sons profundos de lugares etéreos encriptando pensamentos, repeti-me vezes sem conta na busca da perfeição… investigando-me com as minhas curtas histórias, vagueando no desfolhar duma página esquecida, uma flor conservada dentro dum livro com perfume na sensação dum cheiro conhecido.
A voz que se ouve lá ao longe, de alguém que sussurra nas asas do vento vagamente familiar, e que se quer junto dos seus…saudades do ser… saudades de ser eco das sensações, doutro que foi no mesmo corpo alma e aparição…

Neste dia…
Viver o dia… é como o nascimento de gémeos em nós, umas vezes vivos, noutras vezes mortos… para dar as vezes de viverem todos os dias a vez a cada um.
Todos querem viver num corpo…
Apesar de tudo há a possibilidade de coabitarem dois, sentirem ambos no mesmo instante, mas não viverem todos no próprio tempo idêntico.





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Sentir no antes e depois… também é viver.

Ontem, faz parte do sonho repetido hoje, uma vida sagrada e imutável que não altera a juventude por ser vivido no passado.
Este dia é como uma nova luz do original mundo, num amarelo vivo remanescente… irrompendo por entre a madrugada do silêncio.
    
Nunca tive a hora como a badalada duma torre, dum galo campesino enquanto foi vivo seu cantarolar certinho como um cuco… nem a luz teve indefinidamente o parecido brilho no decorrer do ponteiro no semelhante número do tempo… nem o meu corpo teve sempre o mesmo ser no levantar encoberto da colcha quente pelo toque do despertador…
Amanhã será um novo acontecer, mas os sons serão idênticos ao relógio das horas, e tudo se repete na manhã que é dia de nascer, e o que for visto não será outra coisa que não seja igual ao que vier a suceder…
São hoje dias, o que eu serei no seguinte… a saudade de ser findo.





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Pousei na areia fina horas sem conta, o olhar na paz do firmamento de ensejos contíguos sem ligação no entardecer do sol, como um amante poeta do mar, vendo a espuma da água salgada desenhar versos de amor no rebentar das ondas apaixonadas, entre o vaivém das saudades prometidas, e o acabar…
Mal acabavam de passar, e já eram um rito espiritual…
Ora surgiam, para logo desaparecer em meus olhos emocionados de névoas esbranquiçadas, vertendo lágrimas brancas de sais fantasmas, que o vento fazia voar por cima do oceano no seu contágio, fazendo chorar o mar.
Ele… e eu, éramos duas crianças adorando a beleza ao redor, até onde os nossos corações se tocavam, e o amor nos enlaçava no fascínio das almas que se amam para lá do que é irreal…
Hipnotizados como espírito e matéria, sonhando com a eternidade… porque os sonhos assim, só podem viver na imortalidade – sendo autênticos com tão grande natureza, e profunda adoração, como um Deus e uma Deusa à beira-mar.




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Desejamos ser sempre quem não somos, para isso, vamos atrás dos sonhos… em busca quase sempre do que não pudemos alcançar – e a vida é bem triste se é um logro.
 
/Ó vã cobiça, que és tu fantasia, de sonhar quem não és! /

E à noite, sentado no mesmo deslumbramento, só eu, o mar, o ruído das ondas e a lua pondo a sua cara de luar, que enfeitiça qualquer coração empedernido por mais insensível que seja.
A impressão que tenho da solidão neste momento, é diferente de todas as causas que conheço. É uma solidão precedida do êxtase que me dá o conforto da melhor companhia feminina que alguma vez tive imbuída do mistério que são as estrelas do céu e o final ilusório do horizonte onde parece acabar o mar e suceder novo mundo. É uma solidão boa… a parceria da lua feminil, a inquietação do mar e a janela do Universo… dá-me a sensação de conquista comigo só, sentir o Senhor de tudo em pose no trono como um Deus pensativo, sentado aqui como eu.
Sozinho na noite dos mundos… donde sou, pergunto a quem pertence esta sombra onde estou, se o reflexo da lua, ou o espectro da minha alma no mar. Não me sinto só… tenho o mundo a meus pés – por isso, é uma solidão boa…





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A rebentação das torrentes de volta ao início no seu ausentar, o existe antes do nunca… depois no limiar da hora zero.
A imensidade no mesmo vazio de vagas sem cursos repetidos, ambas estátuas nos coloridos dum retrato que me causa memórias de emoção.
E só a minha alma não humana tinha olhos e via…
À noite, o mar sente à superfície do seu ser a vastidão do seu território como a solidão da sua grandeza. E eu sinto no seu Império o sonho de voar por dentro do seu leito, como um Peter Pan na companhia da sua fada Sininho.
Eu sou aquelas nuvens de ondas caindo vivas lá do alto do céu… embatendo como fumos de espuma naquela vibração de água e sal, sentindo o coração do oceano palpitar dentro de mim, e o azul dele… sentado onde eu estava trocando de mar e de ancoradouro.
Só me reconheço ao pé do mar nos segredos que a noite me dá, a revelação daquilo que sou nos desejos do meu pensamento.
O que perdi quando amei por erro inconstante o que não devia… e que depois de surgir, vi na consequência do amor aquilo que designo por vida – destruído. 






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Todo o ser vivente é moldado de inteligência, sendo a natureza a criação da vida, todo o peixe, animal de quatro patas ou de asas – pensa.
Uma coisa leva à outra… para os animais nós somos diferentes apenas na forma.
Para mim, a igualdade é condição de qualquer animal, residindo a única diferença no modo como ambos sentimos os desejos do pensamento.
Quem sabe o que pensa ou deseja o mar… se a sua comoção está no imenso coral cheio de sobreviventes com escamas, escravos do silêncio profundo escutando a voz dos mais fortes na sua voracidade. Que sonhos podem ter, senão pasto dos lobos-marinhos, dos chacais humanos ou do canibalismo das mentes?
Senti um sabor amargo, as ambições de todas as épocas que comigo passaram à beira-mar as angústias de quaisquer idades… a forma de um sorriso que desperdicei e não tive ensejo de demonstrar, as emoções à flor da pele com pranto d'alma desse alguém que se ama e não pude ter, os anos que deixo passar e o viver que não vivo… o tempo que passo no mar de olhar perdido como se estivesse à espera dum milagre…  





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Tudo o que vejo sonho com a mesma facilidade no momento em que encontro a realidade. As imagens a preto muito negro, uma célula do presente que descobre nos dias antigos uma falta de colorido da minha vida, tendo a aptidão que me é dada… o que enxergo numa em falta, completa outra na miragem.
Se fixo um sonho, algo quer dizer que passa na vida, quase como uma pitonisa. Os significados destas coisas às vezes tornam-se surpreendentes, noutras confusas. Penso uns breves segundos… se é adivinha, nem me preocupo.
Resta-me pouco espaço do pensamento, e na falta deste… paro o tempo, desligo a consciência dessa célula. Por ter pouco interesse, dou-lhes a importância que merecem, e nem por isso me retiram o sono.
As formas dos sonhos, por vezes complexas, outras compassadas, nem sempre são as que se passam na nossa humanidade.  
A diferença reside na realidade para uns, e no sonhar para outros, porque o modo de pensar interiormente em cada indivíduo, é a desigualdade dos mundos que ambos concernem na mente, por disfunção celular, loucura ou fantasia.  



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Para mim, os rostos e os acontecimentos são idênticos na sua aproximação e nas suas metamorfoses antigas, nada dissemelhantes da existência, nem dos sonhos.
Todas as faces em estado puramente naturais, os seus sorrisos, as suas preocupações estampadas nos rostos, a alegria difusa na paz d’alma, a raiva cometida como crime, os pesadelos precedidos de angústias e anseios nunca alcançados… todos os sonhos nada são mais do que um reflexo, na extensão que sou de mim, semelhantes à minha realidade.
Não sei quando vou parar de falar nestes termos, para quem estas impressões são apenas ideias pouco a propósito, sem interesse, de conceção inventada meramente por capricho, ou ficção de contos de cordel com devaneios intervalados pelo meio, de quem não acredita no espírito da coisa… por pensar que não existe.
É como negar o mundo, tudo imaginação tola dos sonhos. Pensar a vida que nos faz sonhar, também não existe então?
Então, nós somos produto duma Inteligência Superior, o pensamento do nada.
Então, nada é o Universo, o Deus do reino real, e nós – as estrelas. Ao admirar uma estrela, vejo um ser com amor… que existe como um sonho.






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Sábado, 25 de junho de 2011.
Previsão da temperatura rondando os (40ºC).

Oiço o som de passagem dum automóvel vindo do fundo dum túnel… «coisa esquisita…» não falo, mas estas palavras soam-me como um eco na cabeça.
Viro-me inconscientemente de barriga para baixo, para o lado da janela fechada hermeticamente com estore verde de alumínio… 
/Se tenho algum assunto que me preocupa no dia seguinte, e se o quarto não estiver completamente às escuras, é uma noite perdida sem dormir. /
Ato contínuo, com as duas mãos coloco a almofada por cima da cabeça, de repente… oiço a pesada porta da rua bater com estrondo.
Não sei quanto tempo se passou entre o passar do carro e o bater da porta.
Sei quando isso acontece, que é à mesma hora religiosamente todos os dias.
Meu pai acabara de sair… para ir à Padaria.





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Desta vez acordo meio estremunhado ao ficar de olhos no teto, e inclinando os olhos para a mesinha de cabeceira, mal consigo ver as nove horas e meia no despertador.
Demasiado cedo para quem tem o costume deitar um pouco tarde, para lá das três da madrugada.
Talvez devido ao anúncio da subida das temperaturas e do sensível calor das quatro paredes, o pequeno desconforto que provoca, me faça saltar da cama.
Esfregando os olhos com os dedos das mãos macios, levanto-me sem hesitar… com seis horas de sono, puxando o lençol e sentando-me na cama para vestir os slips, e dirigir-me ao telefone do chuveiro para me refrescar com um banho matinal - despertar e descontrair o corpo com água quase fria.
É um ritual que não dispenso, seja a que horas for… de Inverno a água quente todas as vinte e quatro horas, com o Termoacumulador da Efacec montado no sótão para fornecer em poucos segundos o que não consegue o Esquentador.
/Hoje, é um dia insuportável de calor para os casais com ou sem filhos que recorrem à praia para se refrescarem…/  



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Adoro a minha casa, porque nestes dias todas as divisões estão frescas devido à instalação no corredor dum forte dispositivo de ar condicionado, além de outro na sala… é como se vivesse no paraíso, nem sinto o braseiro que vai lá fora.
Necessidade de sair? Não. Estou bem, muito obrigado!
O pavor de habitar dois mundos com olhos de falcão e ouvidos de cão, trouxe-me esta agonia corpórea, descendente do enjoo da vida com o meu acordar, ao levantar-me com gestos repetidos do leito como ondas do mar.
Pouco ou nada sonhei esta noite… talvez por adormecer o corpo e a mente com o cansaço e a fadiga do trabalho a pensar no calor…

Não eram boas perspetivas que se avizinhavam, para mais um tédio no ar… como uma teia de aranha ao canto da parede do meu quarto, e a pobre da aranha à espera duma mosca e nada…

Tenho uma certa curiosidade para ver se o tédio é coisa que lhe afete a cabeça ou o estômago…

Por mim, como a adotei como bicho de estimação, pode ficar se quiser… até já lhe pus o nome de «Fastio».





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…. De tal sorte, assim que me levanto da cama, tenho uma companheira com quem posso partilhar meu enfado… por isso, digo sempre: 
- Bom dia Fastio!
Esta sensaboria que me põe a léguas das sensações boas, torna enfadonho meu espírito sombrio na parte obscura, onde andam outros desinquietos à procura de não serem invisíveis… para que as forças desconhecidas lhes dêem o chão terreno, e eu trema da aproximação que o terror me provoca sem nunca acontecer… a espera incerta que é esta vida entediada, e os fantasmas do tédio.
Todos os meus dias estão cheios de aborrecimento, e hoje especialmente, preciso dessa letargia que me faz sonhar, porque esse é o meu modo de viver, o único jeito de sentir o ser palpitando. 
Todas as minhas paragens são de noite por lugares que a minha alma me leva a visitar… uns que já estive, outros que gosto de estar… ao pé de entes queridos carentes de mim, e eu matando saudades deles… amando - Isto, é o paraíso.





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Sorrimos com tanta felicidade do encontro, que sentimos os corações latejando como bombas, abraçamos o espírito e damos as mãos, sentimos tudo!
Nunca o mundo me pareceu nestes instantes, consistente e autêntico… e eu, tão vivo.
Só preciso de dormir, e pôr os meus sonhos em dia… e se tiver um pouco de sorte, talvez consiga ficar no mundo do coma… deixar esta vida de tédio letal, e sonhar eternamente como um mortal afortunado, se nunca mais acordar…
Esta é a notícia duma manhã… que me acorda para a tolice do que sou, na meiguice do choro seu, e com o bálsamo do meu coração num enfarte importuno, trazendo a dor como remédio, na separação das sombras do mistério dela.
Esta é a notícia duma manhã… que o nervosismo não consegue disfarçar meus trejeitos insignificantes ao menor esforço do rosto… para mais, o temor da mania por não ser reconhecida, ao citar com os tiques dos dedos um provérbio da solidão, num ato de desespero que me faça levar à alienação do amor, e eu, nunca mais seja eu, não me reconheça um solitário das palavras, sozinho no mundo… não peço um abraço ou a queima dum beijo, mas quero dedos que enlacem minha mão.




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Esta é a notícia duma manhã… que o meu sangue jorra exclamações saindo em catadupa, soltando fórmulas de ADN para a criação de cobaias espirituais, lançando gritos de parca existência que os corações falavam, para a invenção da minha nova alma.
Esta é a notícia duma manhã…  que me mói, por mais estático que esteja tudo me fatiga.
Há um enjoo dos intervalos dos momentos porque o espírito não alcança, e mesmo quem descansa como eu, só a imaginação de o adquirir me estafa.
Há aflições que me matam de tanta dor…  desconhecem todos aqueles que tentam escapar às mágoas estranguladas com astúcia, e ainda têm tempo de se desviar do aborrecimento com uma subtileza que nem lembra aos mortos… aí o tédio é não acordar, ainda que a ideia seja mortal.
E embora o pensamento não seja eu, toda a forma de ser tem um estado que é temporário, e conservado num esgotamento tremendamente cansado como o meu.  





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Esta é a notícia duma manhã…
Talvez por ser o alvorecer do tempo matinal, o meu cansaço seja provisório, e este tédio faça parte de mim nesta ensonada matéria sem vontade própria, a não ser… senão for por procedimentos dos sonhos para conseguir viver, fugindo da agonia e desalento do estômago que se aloja na consciência como uma úlcera, talvez o voltar a nascer sempre que acordo, seja uma cura que me purgue o corpo.
Viver é uma condição depois de sonhar, a união de dois seres, germinando em inocência duma Flor Margarida na pureza dum ser – fui um dia eu, poderás ser tu… qualquer um, será um dia o nascer – criação dum autor inventado.
Esta é a notícia duma manhã…
Não fico à espera de viver, nem vou antecipar-me à vida, só porque tenho de justificar o ar que respiro.
Viver é um colapso que nos pode interromper a qualquer momento, ficar a meio de algo sem explicação… estar quieto imitando o parado.  




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Não quero resumir a redundância da vida numa breve miragem… que fazer?
Deixar a natureza na sua perfeição acontecer… buscando o eixo do meu equilíbrio, conjugando o apoio do Chão na sua dança em volta da Estrela Amarela, sonhar em cima das ondas do mar na procura do escurecer, vivendo na lua…?
Amando é o termo...

Também se vive na rua das nuvens… 
O ruído parecido com gente na ressonância da minha cabeça como uma colmeia, não é mais do que o enxame de abelhas humanas no seu zumbido imitador das vozes com passos fantasmas… voando à solta no espaço das casas, saindo do corpo das criaturas.
Desconheço a ansiedade desses entes vagueando mentalmente. São estranhos que vivem noutra dimensão, fugindo a toda a hora de si mesmos, com inquietações estampadas nas expressões graves, só com olhos e bocas, indiferentes à dor alheia e aos olhares do mundo no seu egoísmo espiritual. 






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Sem expectativas, compreendendo o que tem sido a minha fraca existência, contrária à minha vontade, dou o dito por não dito… percebo as pisadas do meu espectro numa imitação clássica e sem realidade.
O que fui é tudo o que sou agora, estagnação no tempo.
“Só quero sentir a vida como sempre fiz” - não conheço outra legenda infeliz, porque não me resta mais nada… sou uma eterna criança dentro de mim, sentindo a vida no seu ato mais puro, brincando nos jardins da infância com sentimentos que vivem de corações, e do meu Anjo da Guarda.



Conviver?
É qualquer coisa que eu desejo,
talvez não seja como deva ser…
se é tudo que eu quero?
Uma coisa simples de respirar
e não só transpirar…
mas é tudo lampejo
que a vida quer p’ra viver.