sexta-feira, 25 de outubro de 2013

CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO - V PARTE







CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO


V PARTE
Pág. 183 / 244











/Identidade do Gémeo/

Fazer confrontações de algo que se quer comparável com a minha similaridade, é para além de complicado, o acto mais incerto que se pode adquirir, e nada igual à própria ocupação do gémeo na busca incansável de algo... apelando à diferença na sua contradição de ser igual.
Postulando como um teorema, digo que ninguém consegue ser totalmente idêntico, por mais semelhante que seja neste mundo, mesmo sendo geminiano de signo duplo como eu.
O tempo não escolhe o mesmo destino, nem o mesmo feitio… e o eu, embora seja parecido ao outro… será sempre um não-eu da alma gémea, igual na cumplicidade apenas com amor, e desigual na intimidade da morte.

Ainda que se equipare o clone idêntico duma célula num resultado Dolly… é sem dúvida artificialmente desastroso, comprovar qualquer identidade que tenha a mesma dualidade da matéria.

Não há gémeos perfeitos, se há linhas assimétricas à vista desarmada. Há uns mais ou poucos… outros menos iguais no seu todo. Mas a prova da desigualdade, é fácil de entender como uma uniformidade de medição singular, motivada pela grandeza física do corpo.






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/Gémeo, é uma medida direcionada à equidade da razão,
semelhante da mente, com dor de cabeça e perda de elevação. /


/A falta dos vinte centímetros/

Perfection Of The Twins, era uma Academia Americana repleta dos maiores cientistas que havia no mundo, comandada pelo Presidente e Fundador Albert Twin, também ele um gémeo.
Há muitos anos que se faziam experiências com animais, para aperfeiçoar espécies totalmente iguais na sua forma e sem nenhum defeito visível aos olhos da humanidade.
Primeiro, tentou-se estudar in vítreo uma célula animal dividida em duas metades que criassem dois seres perfeitos e similares. Depois de se obterem resultados prometedores, e quando se pensava estar no caminho certo, revelou-se um fracasso passados algum tempo, porque um deles envelhecia tão depressa que não era possível evitar uma morte tão triste e doentia.
Passou-se a uma nova fase, e construiu-se uma máquina fantasticamente computorizada Birth System, onde era colocado um animal (rato) em estado adulto, ligado por tubos respiratórios em sistema de vida transitória, alimentado com fluidos líquidos ricos em sais de algas vermelhas, denominadas ágar-ágar, muito usadas em microbiologia estudando os processos químicos que ocorrem nos organismos vivos. 





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E no compartimento ao lado, com ajuda computorizada da Birth System era encontrada uma plataforma da molécula do DNA, nascendo rapidamente tanto quanto é possível dizer num ciclo de doze meses uma cópia do ser animal que se pretendia.
Bateu-se palmas, houve abraços e até assobios de contentamento. Albert conseguiu exclamar:
- Incrível! Nasceu um novo Deus da Criação!
Mas novamente ao fim de alguns meses, o clone animal de reprodução assexuada, inexplicavelmente dentro da gaiola de vidro se contorceu com olhitos exorbitantes, espumando pela boca e batendo com a cabecita por tudo quanto era sítio, acabando num estertor arrepiante, finando-se.
Feita a autópsia, chegou-se à conclusão que o animal sucumbira devido às fortes dores do tumor cerebral, denominadas metástases, provocado pelo crescimento anormal de células no seu processo de crescimento acelerado. 





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Charles Twin irmão de Albert, também ele administrador e cientista mais antigo de Perfection Of The Twins, direcionava suas adiantadas pesquisas em genética (ciência dos genes), para que fosse encontrado um agente celular que corrigisse as desigualdades na idade adulta dos homens ou mulheres gémeas, com um fator matemático que contivesse uma fórmula precisa e inabalável.
Uma fórmula destas normalmente é resolvida por um computador, face à grande quantidade de cálculos envolvidos. Caberá normalmente ao biólogo Charles, informar no programa de cálculo, quais são os valores da tabela e a resposta sairá para ele numa fração de segundos.
Neste caso, serão Axiomas Lógicos as fórmulas em uma linguagem que é universalmente válida, ou seja, são fórmulas construídas com o Axioma de Igualdade, onde idêntico é ser outro, mas igual ao mesmo ser, com a única diferença apenas nas impressões digitais.
Na questão ele quer saber a probabilidade do Individuo A ter o mesmo genótipo do Individuo B.
Ou seja se o individuo A tem o genótipo de 100% mesmo peso de órgãos e carne. Qual a probabilidade de o individuo B (gémeo) ter 100 % mesmo peso de órgãos e carne?
99, 9999999% depois dos estudos efetuados por Charles, com uma insignificante probabilidade de erro. 






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Essa célula extraída do sangue, continha informação genética no seu cromossoma, que era retirada da parte do corpo que se pretendia ficasse perfeita milimetricamente igual à do seu irmão gémeo, sofrendo uma mutação de linhagem germinativa, passando ao seu descendente uma específica e controlada Hiper mutação com reparo do DNA,  e defesa do sistema imunológico para toda a vida, tudo isto num prazo mágico de três meses.
Retirando ilações das duas experiências falhadas anteriormente pelos seus colegas cientistas, Charles nada disse até comprovar várias vezes com sucesso em ratos de laboratório a sua fantástica descoberta.
Com o microscópio eletrónico, ampliava através de computador a imagem  numa escala métrica ao pormenor, a parte do corpo que queria corrigir, e verificou estudando profundamente que não só obtinha os resultados pretendidos, como ainda curava qualquer disfunção celular, o que era para a ciência a maior descoberta de todos os tempos, e um passo gigantesco para a humanidade na cura para muitas doenças como o Alzheimer, Síndrome da imunodeficiência adquirida  (Sida), e Cancro.
Antevia-se proezas nunca imaginadas, e riquezas consagradas, mas… 





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Albert Twin, encontrava-se sentado à sua secretária perdido no labirinto dos seus pensamentos, bebericando um copo meio de uísque, quando nem sequer tinha soado a primeira badalada das onze horas da manhã…
Seu rosto pálido com cabelos em desalinho, demonstrava não só noites perdidas como um desespero cadavérico, pois sua Academia Perfection Of The Twins redundara num fracasso total, ainda que seus cientistas trabalhassem afincadamente sem descanso e sem resultados para a utopia Twins.
Sem tocar no comunicador de voz, Charles abriu inesperadamente a porta do gabinete do irmão com um largo sorriso no rosto… dizendo euforicamente:
- Estamos salvos Albert!
Foi uma grande surpresa e de seguida uma enorme alegria, depois de ouvir as explicações plausíveis de Charles.
Albert, embora não fosse biólogo, tinha conhecimentos suficientes sobre a regeneração de tecidos humanos, o esqueleto ósseo, e a controvérsia profunda envolvendo o estudo da génese.





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Mas Charles tinha guardado a última surpresa no fim do seu discurso, proferindo estas palavras solenemente:
- Meu querido Albert, não tendo dúvidas sobre o sucesso da minha invenção, e visando o teu total apoio, queria pedir-te junto comigo para sermos as primeiras cobaias humanas da minha experiência. Sendo nós próprios gémeos idênticos, que melhor prova poderíamos dar ao mundo da nossa enorme certeza e coragem?
Albert confiava cegamente no irmão, e tendo o panorama anterior descambado em desilusões pondo em perigo a sobrevivência da Academia Perfection Of The Twins, nem hesitou aceitar o pedido, dispondo-se prontamente a concretizar a fantástica descoberta do século XXII jamais alguma vez imaginada… e nem pôs em si mesmo a dúvida, tal era o desejo obtuso da sua concretização.
Antes, Charles queria que ambos os corpos fossem examinados ao pormenor, para visionar as discrepâncias existentes numa lista com ordem aleatória, sendo Albert a cópia do gémeo Charles Twin.
Feitas as partes a corrigir por computador numa escala numérica, cedo se chegou à conclusão óbvia de que os pontos imperfeitos eram mínimos, mas a quantidade razoavelmente substancial. 





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A lista continha diferenças que deviam ser feitas apenas no corpo de Albert, rezando assim: protuberâncias nariz – 2/1,5 mm; faces lombares – 3/3 mm; glóbulos orelhas, emagrecimento 1,9/1,8 mm; lábio inferior menos 0,3 mm; altura mamilo direito 1 mm; diâmetro umbigo menos 0,09 mm; perna esquerda altura mais 5 mm; osso joelho direito 0,5 mm; intestino delgado 7 mm; pulmão direito  menos 2 mm; fígado 0,1 mm; coração 0,2 mm;
Feitos estes cálculos, extraindo a célula do sangue em cada ponto mencionado, a tal mutação de linhagem dos genes era inspecionada por Hiper mutação aperfeiçoando o DNA com uma injeção local em quantidades precisas por máquina computorizada, atuando no final de três meses como tempo de duração.
Por último, havia ainda uma parte melindrosa do corpo guardada para o fim, por ser particular e complexa – o pénis de Albert no seu estado normal media menos 20 mm (2 cm) que o do seu irmão.
Sendo adeptos do nudismo, não tiveram dificuldade em medirem os seus mais que tudo da seguinte forma:
Pénis Charles, normal 140 mm (14 cm); cabeça 30 mm (3cm).
Pénis Albert, normal 120 mm (12 cm); cabeça 28 mm (2,8 cm).
Pénis Charles, ereção 220 mm (22 cm); sem prepúcio 31 mm (3,1 cm).
Pénis Albert, ereção 200 mm (20 cm); sem prepúcio 29 mm (2,9 cm). 






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Exercida a última correção, a perfeição aqui era aumentar os dois centímetros que faltava a Albert, e o prepúcio e a cabecinha ficariam no tamanho exato do irmão.
Claro, que o corpo de Charles tomado como padrão gémeo, não era sujeito a nenhuma intervenção.
Albert concordou submeter seu corpo às mudanças necessárias para o êxito daquela missão, que diga-se… estava muito confiante e divertido pelo aumento da sua gaita.
Bastaria esperar pelos três meses, e mostrar ao mundo quão perfeita era aquela descoberta, ao tornar dois irmãos gémeos tão idênticos, que parecia existir um só.
E os meses foram passando.
Ao mesmo tempo eram realizados exames e medições e tudo se conjugava como estava previsto.






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E chegando ao fim dos três meses, houve uma euforia geral pelo grande sucesso da transformação prevista.
A notícia correu o mundo, e a Academia Perfection Of The Twins tornou-se famosa de tal maneira, que os gémeos de todos os Continentes, faziam marcações com antecedência a preços que só estavam ao nível dos ricos milionários.
Entretanto, todos os cientistas seguiam as normas de Charles, transformando os corpos gémeos na perfeição de Deus, com pedidos difíceis de concretizar nos próximos anos… tal era a quantidade da oferta e procura.
Charles andava intrigado com o seu irmão. Fechava-se muitas vezes no gabinete, e quando saía, seu semblante era uma sombra tristemente inexpressiva, não demonstrando nenhum contentamento pelo sucesso das mutações no seu corpo, nem das críticas beneméritas dos media.
Resolveu esclarecer o assunto naquela manhã de nevoeiro, entrando no seu gabinete como tantas vezes fazia sem aviso… e sem rodeios perguntou:




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- Meu querido Albert, agora que tudo está devidamente organizado, correndo tudo há mais de um ano conforme previ, e sendo nós os gémeos mais ricos do planeta… queres contar-me o que te preocupa… tens algum problema que te põe nesse estado irreconhecível?
- Tenho Charles. Mary minha esposa, deixou-me…
- Albert… desconhecia...
- Não, não me interrompas Charles, porque quero deitar tudo cá para fora, senão rebento!
Mary, minha esposa, deixou-me. E eu… sinto a falta dela...
E o caso é muito simples.
As mutações empregadas nas partes corporais correspondentes na transformação dos genes, obedecem rigorosamente aos cálculos exercidos com base nos teus estudos.
E o gene correspondente, extraído da tua célula de sangue e aplicado na minha parte mais sensível… acertou em cheio na medida de comprimento sem errar um milionésimo do milímetro. 





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O aumento de dois centímetros para igualar catorze centímetros do teu pénis no estado normal, não poderia ser mais rigoroso. É que a minha ereção mantém-se igualmente com catorze centímetros, precisão fantástica da tua inigualável descoberta.
Agora meu querido Charles, o que me preocupa?
Eu sinto a falta da minha companheira Mary…
Mary, sente a falta da ereção… dos meus antigos vinte centímetros de pénis. 

***   ***   ***   *** 


Obter uma imagem absorvida de quem está de cabeça extraviada à beira duma janela lunar, vendo a Terra pela fresta duma abertura… não é a frincha o melhor buraco, nem o olhar vítreo a melhor maneira de enfrentar a visão exterior.  
É o viver dum cego no desespero de fugir da prisão, de quem se quer livrar em campo aberto do céu contemplar, e descobrir por entre vedações de nuvens, a ânsia de horizontes como um raio de luz mágico que impeçam a chegada do sol ao coração. 





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Transborda de felicidade a aparição de luz que ilumina a alma que me transcende. 
Sinto algo inexplicável a que chamo paraíso - não tem sucedâneo, nem há explicação disso…porque a leve impressão além de ser inócua, é apenas a experiência pessoal e intransmissível de cada um.
Aqui a fotocopiadora deste acto poderá formar o sentimento dum clone como a fotossíntese dum lipoperdur… na ilusão duma sensação temporária, que eleva consideravelmente o espírito a um estado inconsciente de Deus, dando saltos como um macaco.
Todo o excessivo é desnecessário e impróprio para dispêndio. 
Se colocarmos o nosso excedente no mundo com um ponto de interrogação, será um segredo profundo com dualidade de critérios, e ao mesmo tempo banal, porque podemos viver sem esses mistérios e ficar com a dúvida existencial idiossincrática a chacinar a inconsciência.
Pontos de vista com incertezas a espairecerem no ar… fazem da curiosidade o canal errado da nossa dimensão. O dia-a-dia define o nosso modo de ser. 





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Não é o que está à frente dos nossos olhos que faz de nós o que somos… mas aquilo que ninguém vê e é tão evidente.
Incontáveis desejos no lado mais sombrio da mente, seguem o propósito de caminhar numa estrada de contracurvas incógnitas, que vamos desvendando até que o tempo nos permita.

O equilíbrio é a medida exacta da nossa forma.
Sem equilíbrio não há moderação.
Feliz da criatura que exerce aquilo que gosta!
Por viver como gosta, vive com emoção.

Talvez não venha a propósito, mas é um anseio que não posso desfrutar, e quero aqui guardar como um título de um livro onde digo quem sou e que não posso ser até este momento.
Por isso sonho com a realidade frustrante e vivo com o sonho do dia anterior, porque não consigo alcançar a aspiração que me daria o Éden no actual presente.

Éden seria uma casa celestial à beira do oceano com música de ondas, e uma pitadinha de sal para adorar a minha sereia do mar. 






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Resignar-me todos estes anos à posição em que me encontro, foi a maior loucura que alguma vez cometi, ter cedido ao pasmo da minha adaptação, daquelas que têm concerto, embora o tempo não tenha por hábito voltar atrás…
O trivial mais comum é “subir na vida”, mas quem vence também se acomoda porque se resigna à sua vitória, e acaba derrotado porque fica feliz na sua estagnação.
Tudo isto é estúpido porque existe, e o erro da inteligência é a falta de ambição de que sou possuído, vivendo no areal do meu deserto como um camelo.
Por acidental existência, a vida a quem eu pensava pertencer /parecendo promissora/, descambou no tanto se deu como não dá… na verosimilhança da incerteza, cercando a imagem daquilo que colho, embora a semente seja trigo d’oiro espairecendo por entre raios ultravioleta, que o vento trata de espalhar até ao mais desconhecido vácuo…
Foram tantas as vezes que vivo em desalento, que por não conseguir vencer, experimento uma força sempre renovada como se fosse um vencedor, e não concebo desistir porque me sinto mais forte quando desanimo.





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Tenho um grande sonho do tamanho duma anã estrela. Como visão é um desejo do além… duma longínqua paragem. Se não acordar do meu raio de sol e a minha paixão for um sonho de ouro – escrever será uma miragem com letras de areia escaldante, e nada que é do vácuo conseguirá deter tal substância, numa mensagem com cauda de fogo.
 
Penso que seria fácil desligar-me deste enfado, se a minha vontade fosse verdadeira e a mente pela qual sou comandado não me fizesse sentir impotente.
Já atuar seria a ação mais inteligente.
Como é costume da comunidade, o sensato seria passar das palavras aos factos, levando o sucesso à convicção do acreditar, e nunca perder a confiança na ereção da inteligência.


Desde nada, sempre até…
nada impeça, tudo faça, ao dizer, quem é…
Gizé de Meca?
Inventado com cara de Moisés?
Pequena tripeça… de boné.








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Definir-me como sou, é algo que não consigo como quem é.
Cá dentro vive, mas não sei donde vem este manancial sentido, ignoro porque se chama à alegria e à dor sentimentos, porque vivo?
A outra face do ser, não da criatura, mas da sua existência...
Qualquer coisa, dizem saber de dentro para fora, porque é sempre mais fácil falar dos outros… sem demora, aos poucos com tortura. E  quando não se sabe, quer-se ter opinião, ainda que se invente ou se minta por traquinice, ou nem se queira encolher a língua da murmuração por não saber quem é, e toda a gente conhecer seu retrato manifestamente palavroso por ser sempre o mesmo.
A parecença que se assemelha a mim, é a ideia que tenho daqueles iguais que não vejo… somos todos espelhos humanos com os mesmos defeitos ou virtudes.
A diferença está apenas no feitio – uns amam, outros desprezam, por serem maléficos.
Amar alguém nunca foi uma certeza, excluindo a verdadeira adoração a todos os pais. Todo o amor é a concepção que julgamos ver no ser amado, amando a nós mesmos como uns narcisistas inconscientes.
Em síntese, só muito poucos amam… e muitos pensam que amam.





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Todo aquele que dá sem hesitar, tudo que tem à pessoa que ama, a vida é a sua amante e a morte a salvação do seu amor, mesmo que esse lugar levado ao extremo signifique “deixar de viver”, ainda que se acredite na existência para além da morte… e a vida seja diferente.
Os que se apaixonam porque são espontaneamente sinceros, e enfrentam  o dia-a-dia comungando a partilha da vida com amor,  fazendo a  comparação com outros matematicamente calculistas, que demonstram paixão enquanto os bens materiais servem o propósito individual da união interesseira, torna demasiado evidente a origem dessa ruptura, na união dos laços sentimentais aos quais nada os liga, perdidos vagamente ao acaso do vazio.

***

Numa noite de verão junto ao mar, Maria confessava seu incondicional amor a Silva de cabelos loiros, depois de seis meses de sexo ardente e promessas de vida a dois…
- Ó Silva, como eu te amo! Sem ti, não saberia viver! Morreria se me deixasses…
Silva, entretanto, foi à sua terra natal, prometendo voltar o mais depressa possível entre beijos e juras de amante.  





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Uns dias depois, o pai de Maria, convidou sua irmã também casada a passar o fim de semana na casa da praia, a qual tinha um filho morenado de nome João, primo de sua filha.
Como já não se viam há uns anos… escusado será dizer, agora feitos homem e mulher, que se entenderam às mil maravilhas.
Na praia, João chegou a pegar na Maria ao colo, que encarnada que nem um tomate, ao sentir aquela protuberância enorme junto à nádega direita… conseguiu dizer baixinho e com voz rouca de excitação:
- Ó primo… eu tenho namorado e não parece nada bem que…
Mas João, relaxado de ideias fisicamente não foi de modas, e lançou a prima à água… que ao mergulhar entre o vai e o vem da água, se puseram os dois a chapinhar entre gritos de uma e sorrisos do outro…
Mais tarde, repousados na areia em cima das toalhas de banho, conversavam descontraidamente, mas Maria não conseguia tirar os olhos dos calções do primo… e em pensamentos dizia para si mesma… «Deus! É grande!...» 





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E com medo de pecar, pois era muito religiosa, dizia para si mesma… «Ó meu Pai do Céu! Perdoa-me, eu quis dizer, Deus é Grande!»
À noite… extremamente quente, depois de saírem da discoteca às três horas da madrugada, chegaram a casa onde todo o mundo dormia… ouvindo-se o leve ressonar de um dos pais, e o ronco forte de outro que fumava dois maços de tabaco por dia…
E estando os dois bem sintonizados como uma orquestra, um parecia um violino de vento, o outro um tambor de metralhadora… ao lado dele, a esposa (mãe de João) dormia com algodão nos ouvidos ferrados a chumbo.  
Parecia um anjo de lambreta, tal era a serenidade estampada no rosto…  em contraste com o chiqueiro do motor bárbaro do marido.
Ao passarem pelos quartos, e ouvindo aquela sinfonia, soltaram baixinho uns incontidos risos, pois o caso não era para menos.
Beijando-se nas faces como respeitosos primos, desejaram ambos a felicitação de uma boa noite… e foram-se deitar. 





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Maria dava voltas e mais voltas na cama com aquela imagem do enchumaço vincado na memória.
E sem conseguir dormir há mais de uma hora, resolveu ir à sala tomar comprimido para insónia…
 Ao passar pelo quarto do primo, arregalou os olhos de espanto ao espreitar pela frincha da porta levemente entreaberta, o corpo do João todo nu em cima da cama, que dormia descansado com aquele coiso enorme descaído para uma das pernas…
Hipnotizada, estava ela meio agachada, que bateu com a fronte na maçaneta da porta, não evitando um grito de dor, pisando com um pé o outro chinelo que a fez rebolar com a cara mesmo em frente do dito cujo… e dos olhos de surpresa do primo, que acordara e se assentara na cama em sobressalto com o ruído.
Maria esfregava a testa cheia de dores e uma perna dorida também, enquanto punha um dedo na boca, como para imitar silêncio absoluto. 





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João que olhava divertido para todo aquele aparato, ao ver a camisa de dormir aberta até à barriga…  e entre as pernas de Maria aquele ouriceiro matagal… tentou ajudar a prima acariciando o interior das coxas para aliviar o sofrimento momentâneo, enquanto sentia o crescer do excitamento e o aperto da mão dela desviar-lhe o coiso para o lado, tal era o comprimento do desgraçado… e os olhares de ambos vidrados nos respectivos adereços prestes a turvarem-se…
Nesta altura, com a temperatura que ia lá fora e lá dentro dos dois corpos, o sangue fervia como um vulcão, e como tal rebentou com a tesão do calor, embrenhando-se os dois corpos num frenesim de apalpões, beijos de línguas, de clitóris e do quente membro explosivo como dinamite.
Depois a penetração, a dor e o prazer, a repetição… e o êxtase de Maria, seis vezes em três horas, seguido dum suspiro concentrado.
No final, já nem pensava no seu namorado Silva… e até dizia ao seu primo João, que ele era o homem da sua vida.
Ele, por sua vez ficara feliz da Silva, porque tinha uma paixão avassaladora pela prima, e lhe jurara fidelidade eterna. 





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É claro que, Maria não podia viver sem o Silva porque o amava como se amam as estrelas, e era um sentimento tão belo como o amor… assim lhe confessara ela.
Mas o João era o homem da sua vida… porque lhe inundava o ser com prazeres lascivos, abrindo o interior a novas medidas de comprimento, ainda que rebentasse as paredes do seu mundo com ecos de sons infinitos na parte mais voluptuosa da sua alma.
Ou seja, o Silva era a parte estética do amor, que despertava em Maria a parte mais romântica… e João o lado mais sexual do prazer e que a completava em todos sentidos, ainda que os perdesse… ela era feliz assim, com os dois… que fazer?
Todos nós sabemos.
E embora seja assim, há sempre um que não sabe…





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Moral da história:
As ligações entre homem e mulher marcados pelo diálogo e gesticulação ambígua, se não houver cumplicidade e desejo que tornem a impossibilidade de viver um sem o outro… colocarão os próprios atos da sua relação por caminhos escusos, em expressões desconexas, improprias de coabitar fisicamente.
Sua repercussão só terá efeito nas almas, se com o sorriso completarem o entendimento espiritual do olhar… e o êxtase material dos seus congéneres penetrar todos os sentidos num só amor, aprendendo a amar todas as vinte e quatro horas durante o ano, como se fosse a exatidão do primeiro e único dia.
A todos os que amam, sejam reais inventores do amor, como a luz ténue da descoberta no fundo da escuridão.
E quanto mais sou exato nos meus achados, ainda que empregue batimentos… a parte de mim cintilante embora palpite, é como se o existir que vive deixasse de estar vivo.  





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Enquanto sou um chato racional e pondero todos os prós e contras, me cerco da certeza… tenho o momento correto da aproximação do fim - a ideia conformada da morte.
Se desconheço os acasos que sigo inconscientemente controlados, o tempo pode conter todos os infortúnios e ocorrências felizes… que por não acontecerem sejam previstos em incalculáveis passagens que nunca mais acabam – buscando a reflexão da imortalidade que por não morrer deixe de existir.
É ao tentar perceber que a fadiga da meditação me cansa.
Ao descansar, deixo de cogitar embalsamando o raciocínio por breves instantes, como se o pensamento estático fosse a hibernação do próprio viver.
Muito me agradaria votar-me ao convencimento que estas conjecturas não são um disfarce da minha maneira de pensar, para não dar a entender a fraqueza de que me rodeio para a incapacidade da minha vida. Não sei quando sou eu, ou se eu sou quem fui, nunca me reconheço por viver tantas vidas diferentes, todas elas iguais a mim… que não sei se pareço a noção do eu, ou me torno realidade do corpo que não mereço.





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Quem sou eu afinal?
Sou de certeza quem não quero. Por isso, procuro onde não encontro, atravesso onde não passo, saio donde nunca devia estar, e instável porque não sei ser.

Se pudesse seria… conúbio,
gerador de fruto,
ancião de vindouros,
sonhador de génios loucos,
alma gémea de bruxo.


Assim, sabedor da minha vida, que ela seja para quem me conhece uma esfinge arcana, e para quem me ignore ao me ver, não consiga descurar a imagem que têm da minha ideia, como o desfolhar do enigma.
Assim sou eu quem gostava de ser, mais perto dos outros com ignorância do meu conhecimento, ainda que seja impensado e pouco visível, para quem é adivinho insensível da minha estirpe.
Resta-me a consolação de escrever.
Aí sou quem quero, e não o que sou… ainda que não seja escritor.





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Escrevo, porque me dá mais prazer viver o que sinto, a intuição da minha raiz de que é feito, a função verdadeira do coração que experimento, a exaltação da minha sensibilidade que alimento, a tristeza com que padeço quando sinto os pobres de espírito, a dor que guardo aos olhos de quem não vê… e transcrevo porque necessito, sem saber porque a necessidade necessita.
Escrevo, porque sinto necessidade compulsiva do momento, e não porque organize…
Escrevo, porque amo a escrita como os filhos que vão nascendo à medida que invento a semente, que enche o ventre mãe do obreiro cérebro, e do instinto apalavrado da alma que redige.
Aí reside toda a arte, se é arte o que eu tenho, quando escrevo o que não sei, quando sai por inspiração num talento que só alma tem engenho, e não sou eu, mas o que vive aqui dentro…
Assim sou, sem saber que sou eu, e porque o faço se não sei.
Fica os trechos e as ideias que me definem como ser de tinta, e a prova que aqui passou alguém como eu com o instinto do espírito.





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E a verdade é que resulta, ao sentir a transmutação das palavras num resultado igualitário a uma soma com prova dos nove, num fator surpresa com surpreendente segurança e resultado evidente, embora desconheça porque adiciono tanto mistério se tenho a certeza do que escrevo… e me pareça no total perfeito, não como verbo - mas sujeito da caneta e trevo.
Por cá, neste mundo, já não há quase nada que a minha mente desconheça sobre ser humano, ou até mesmo o contrário… a dissemelhança de todas as coisas, a paridade de tudo com afinidade plena das conceções de vida, que por serem experimentadas me parecem recordadas de todas as ideias já conhecidas do cérebro, reservatório infinito do conhecimento à espera de ser acordado e que nos causam aborrecimento por já terem sido vividas.
Só não há enjoo do desconhecido, daquilo que não existe por não se ter dom espiritual, ou de lugares que indiciam locais inventados, moldados à ignorância por nunca serem visitados num antro visionário. Ainda que a curiosidade seja imensa, ela só erra por não estar ao alcance de todos, e mesmo sendo contradição, todos os sítios existem… sendo falsos ou irreais, eles permanecem à mesma e subsistem.   





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Assim que vim ao convívio dos humanos, viajei imenso durante a primeira dúzia de anos com ansia desmedida, porque era novidade à inocência de meus olhos.
Ia absorvendo paisagens bonitas e pessoas… e sem pessoas nenhuma paisagem pode ser descrita ainda que seja naturalmente bela.
Pessoas como eu… são quem ama a vida na sua essência, pensa, sente, e viaja desperto, torna belo qualquer universo que habite mesmo sendo deserto...
Viajando como sempre, fiz em busca da paisagem que nunca encontro. Só mais tarde me apercebo que ela é um gesto das mãos, o voltar do rosto, a posição das pernas, o calcorrear dos montes, eu próprio, a paisagem do meu corpo na sua expressão mais discrepante da arte humana.
O mundo somos nós, mas a paisagem do universo sou eu, ou outro gémeo comum… desde que a minha percepção saiba andar no espaço do ar sem pés nem mãos… caminhando sem asas e andando sem voar…





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A manha daqueles que rejubila, aos que não sendo da sua simpatia, dissimulam a dor alheia como um disfarce ao seu prazer, que escondem de frente a coragem num beco do seu inferno astuto e maligno… não têm lugar no meu oásis da escrita, a não ser a denúncia de feitio se valer a pena perder tempo com lições de purgatório e arrependimento de alma.
Não há nada nem ninguém que obrigue a maneira de alterar o meu modo de ser.
Recuso-me terminantemente a obedecer a quem está errado e seja prepotente.
No entanto, se conseguir meter-se na minha pele e convencer a minha mente que o valor absoluto é inconstante, poderei ceder… não prometo.
Pessoalmente, há o rebaixamento de quem quer provocar desalento, fazendo troça à custa de outro…, mas a autoestima me protege contra o desdém e transforma o algoz num actor burlesco. Ignorar ou mudar por conveniência, seria um sinal de falta de carácter e um incómodo para quem é sério na sua luta do dia-a-dia. 





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Invulgar são os que conseguem abstrair-se do que é inócuo, de quem é digno e forte, amando a vida com génio e corpo plenamente. Não todos os momentos, mas aqueles em que estamos presentes e quando mais precisam de nós, tendo sempre a obtenção de algo que espaireça em toda direcção de alma bem-fazendo, não atuando desnecessariamente e vivendo o quanto baste com concordância, direcção e sensatez.
    
Sofrer, é um sentimento de quem todos nós fugimos…, mas não há forma de contornar.
A vida é feita de momentos, uns mais outros menos sofríveis… não é difícil apurar qual o estado que mais vivemos, mas para ser feliz na generalidade, teríamos que ser autónomos e independentes na vontade dos homens e de Deus.
Como todo ser humano, gosto de libertar meu riso sem contenção, correspondendo ao humor das palavras como um estado normal a que me sujeito, e ao qual não consigo deixar de sobreviver como o ar que respiro.

Mas também sofro como os menestréis, e não como a raça donde sou descendente, porque na pré-história os homens não tinham tempo para chorar, nem tempo para viver, só para morrer…





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Esta minha elegia, é sem dúvida de quem se lamenta e tem fragilidades, porque no planeta há mais dor que influencia meu corpo, não por ser fraco, mas por não ser insensível com todos os males que assolam o coração, ainda que eu queira evitar.
Digamos que a proporção é idêntica à quantidade de água e massa que há na Terra. Mais terra que água, se não afogo-me de emoção.

Se choro, não deito soluços, mas olhos de água turvam… é mais fácil rir com prazer, depois consigo soltar gotas em forma de lagrimas.
 Se não assisto, eu não verto lágrimas pelo mal do mundo – Sofro, se sou humano, e sinto porque escrevo. E porque sou sentimental, choro quando presencio um acto de amor, o afecto de um abraço, um ardente beijo, a ternura de dois seres… uma festa com lambidela de animal, a adoração das flores num regaço de mulher e a contemplação do mar… até uma pedra eu amo, ou o desenho dum coração na areia por uma criança, desde que seja bom, eu emociono-me de amor, e sem dar por isso – choro. 
Sou igual a todo o mundo.

Claro que o homem chora porque sente, e ao lacrimejar – sofre, não é diferente; a não ser que um dia os homens nasçam sem coração, e os sentimentos não tenham mais arte nem poesia. Ficarão seres com mentes de aço e almas sem lágrimas, sendo os desertos de areia iguais às ondas do mar.




 

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Há qualquer coisa num dia de chuva que me causa tristeza... humedecida como as lágrimas que choro da vida frustrada, figurativa num aguaceiro que nunca mais pára... se apanho uma molha que não estava à espera no interior do meu corpo... são totais gotas de água lacrimejantes que há no aguaceiro da minha alma, influenciando a precipitação no sofrimento de todas as dores que há no mundo.
No meu corpo se entranham um aquoso de tanto mar liquido, da melancolia que a minha carne esponjosa absorve, como a dor aguda dum raio picado, espalhando chuviscos por uma agulha numa água-pé, enregelando a bomba de carne com mãos do glaciar, gelando meu ser numa sequela de bolas de neve, sem palpitações nem acordo da vida.
Há momentos em que fico imobilizado dias seguidos, sem vontade própria, com paralisação do pensamento, sem conseguir escrever uma palavra que seja.
Não sei porque isso acontece, mas nesses dias o que sinto é como se não sentisse, respiro sem dar conta que o faço, falo com frases curtas se respondo por hábito, por vezes um gesto, um aceno de cabeça, e um sonambulismo de alma que não acorda os mortos.
… De tantas capas negras, voando como morcegos, conspirando com meus arrepios para que a vontade e o meu corpo cedam. 





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Nesses momentos de escuridão, sinto-me perdido no meio de tantas almas, reclamando a entrada do meu cofre como uma passagem para este mundo, ao qual querem regressar, atormentados que estão no labirinto infernal da sua prisão.
Então sinto a morte rondando meu suspiro como um carrasco, tentando encontrar uma brecha que me enfraqueça, causando um estado catatónico do qual não tenho nenhuma ponta de recordação.
Apenas o sobressalto de acordar sob o instinto da respiração que me sufoca, dum maquinismo diabólico a que tento escapar… e este acto sinistro, repete-se como uma convulsão epilética num estado para morrer, em que tal aconteça «é preciso estar vivo».
Gostava que mentes tisnadas pelo sorriso circunspecto não zombassem, antes compreendessem…, mas sei que não é possível.
 Todo o ser quando pega numa esfinge, é um enigma complexo dos primórdios até agora, e mesmo que signifique o espírito do homem, ainda há gente que não acredita… simplesmente porque nunca viu esses lugares arcanos povoados de idênticos parasitas.  






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Também fui um incrédulo, e a matéria que trago comigo, é apenas um disfarce coberto para viver os últimos momentos a que estou destinado, depois sou liberto, e porque faço parte do mundo deles… estou convicto – sei. Eles existem como eu.
Para outros, quando mortos… irão ter uma surpresa, ao verem tão parecidos consigo, «historias de aparições entre fumos fantasiados de peões, rostos esquisitos, que deixaram de ser invenções ao serem como ele, aberrações dos tais espíritos.»
Depois de morrerem como corpo estúpido, assim que acordarem na sua forma gasosa, a primeira vez é sempre um susto… de ver tantas almas sair ao redor da sua matéria morta.

Vai ser cá um sobressalto!
Depois de um eterno salto?
Debaixo da terra...
Em cima do mar alto.
Depois de parar, procuro, e quando acho… não encontro.
Só depois do depois é que vejo que a busca, é uma perda absoluta da alma em fogo fátuo, substância dissoluta. 





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E o ser que calça meus passos quer ser independente, trava uma batalha preeminente tentando confundir minha mente, e esquece-se que eu toco a matéria com os dedos… e ele, porque é transparente, entra e sai livre dentro de mim…
O toque que sinto é invisível não causando tropeços, embora similar como eu, assim tenta mudar meu destino, confundindo ele o meu “eu” porque somos dois num só.
Daí advém o esforço destas impressões casuais um pavor da vida descontrolada, onde os poros transpiram digitalmente fraqueza difícil de subjugar, passando despercebido a não-existência, como se ela não tivesse acontecido… e eu um provável clone dele.
A admiração que faço, sempre que finalizo um  texto, deixa ficar no modo de pensar um ponto de interrogação, ao ver a imagem do cérebro, dentro dela, acender uma luz… é como se fora inventado a descoberta de um resultado que se quer apurado, alguém soltando uma exclamação como se tivesse descoberto a pólvora, e explodisse bradando:
- Eureka!





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Depois, fica sempre a dúvida… se podia acrescentar algo mais, ou diminuir por excesso da vontade, tal é a impressão da incerteza.
E, começo sempre uma frase sem saber como acaba, mas como lhe dou inicio com sequelas de episódios, tem o resultado oportuno de concretizar a ideia, basta seguir o pensamento ainda que esteja desarrumado, pois tanto posso começar pelo fim como concluir pelo meio, esquecendo sempre o princípio pondo-o de lado.
Esta carência de pôr no papel diálogos escritos na minha forma de comunicar, é o único meio que tenho de exprimir o que me vai na alma, dando nascimento a este livro.  
Com tantas dúvidas… não sei porque o comecei a desfolhar com tantas letras, porquê, este meu desejo da escrita?
Só sou o que sou hoje, se na vida não soubesse escrever como sou, não saberia viver nem respirar o ar puro, atravessar o labirinto onde me perco, pondo a descoberto o meu nojo da sepultura a que me exponho, sem receio de ser mutilado. Pouco me importa meu corpo se dele nascerem raízes sanguíneas, que valham a pena transformar este livro como obra para a posteridade, num quadro de tinta escarlate que tenha o feitiço de bombar todos os corações empedernidos em Cupidos. 





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Que bom seria que todos lessem com objetividade o que ele possui. Não tem rotulo nem preço, a não ser... porque é vivido com letras de mim e um pouco de vocês... coração à solta.
A leitura deve estar ao serviço de quem ama o livro como um devoto sagrado, quem busca algo mais que a sua própria identidade de alma, e acima de tudo, deve ser apreciada em liberdade e criticada com respeito.
Só assim se cultiva com arte toda a cultura que há num livro. Ele é mais do que uma brochura, é o nosso companheiro de cabeceira, o nosso conselheiro nas horas boas e más, o nosso eterno amigo.
Desfolhar um livro, é como um acto de amor, puro e terno. É uma paixão divina, é ser terra e carne, é coração de vento e natureza, é oxigénio da vida.
Não há ser humano que receba tanto carinho como as folhas de um livro, que mais afeição despertam nos seres de todo o mundo.
Não me importava nada, trocar meus ossos e sangue em folhas de papel, com coração de árvore e vida de livro…





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O que eu penso por escrito, brota-me por magia do desejo como arte de quem pinta ou compõe, numa genialidade (ou loucura) que até a mim admira. Não é necessário nenhum esforço, basta pensar num capítulo, e tudo se desenrola como o palco da vida tornando-me um livro. O meu batismo acontece sempre que termino algo escrito que concebo como um filho.
Quanto ao que faço, a razão do sentido prático trata a necessidade como outro vicio qualquer, sem valor que qualifique a importância da minha comparação, se ela existe para que me conheça, ou dê a conhecer a outros para que me leiam, embora não me desagrade, é-me indiferente.
O mais importante é a opinião sincera, mas também não a procuro.
Foi importante, já não é. Cheguei à conclusão, que me dá um enorme prazer quando acabo algo escrito, isso sim, é importante.
No entanto, a importância só a tem, quem não se importa com ela.

***


Há dias em que tudo sai menos bem…
O nervosismo é concentrado, e o turbilhão das ideias conspurcado pelo stress das horas em dias laborais, vai na máscara do disfarce com o intuito da troça…  






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 Fico exposto ao ridículo pelas figuras risíveis que faço.
 Só me dou conta, quando aplico nelas o esforço de consertar, e sai uma anedota em forma de gente, que dá ao sorriso dos outros prazeres pelos rasgos de minhas loucuras.
A intenção é essa mesma, criar a distracção de propósito.
Faço-o sempre… com a percepção dos rostos na impressão característica da mudez, para espantar sinistros espantalhos que andam no ar… extrair das pessoas o lado visível mais sensível à alegria, para que o interior de cada um não deixe prevalecer os problemas habituais.
O ser taciturno que nos dá uma estupidez natural, não consegue dissimular a tristeza da alma pelas controvérsias da vida, a escolha que faz de nós o seu destino, e impotência.
Pensamos na nossa humanidade, agimos como pessoas, uma ideia errada que temos…, mas somos apenas joguetes.
Dominados por algo que nos transcende, tentamos sobreviver sacudindo o bolor da vida com o direito à diferença…, mas caminhamos num beco que tem uma saída, com dias mais curtos, mais tempo para rezar, e menos tempo para suspirar…





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Se deixarmos obra, seremos recordados pela nossa imortalidade. Senão, resta-nos ficar deitados até desaparecer, sem soltar rasto como o comum disfarçado mortal.

E não somos carne e ossos, mas pó eterno no tempo, onde antes foram rostos de gente, e depois… nada expostos.

Infeliz, quem usa angústia permanente sem poder se libertar desse sentimento, lhe foi banido do coração a alegria de viver.
Mas ainda mais triste, quem utilizando do contacto direto, se refugia no covil da experiência ativa destituído de ideias, aqueles cuja actividade são os protagonistas das suas atuações, e servos inconscientes dos que mandam na sua inteligência.
Há só uma coisa que me causa mais assombro que a estagnação imbecil onde as pessoas vivem… é a esperteza que há nessa estupidez, e a vida sem interesse horrorosamente chata na busca das coisas mundanas.
Há, contudo, mentes que sem sair da sua janela, consigam viver tudo que há no mundo só com a inteligência da sua imaginação, e a viagem turística do espírito reconhecida intelectualmente por leitores que têm alma de poetas – esses são Os Simples. 





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Eu imagino que sou tudo… porque amo o mundo, aquela parte onde existe o bom… e o silêncio do tempo tem som.
Não me imagino como quem é, repudio meu rosto, amo meu avô, não gosto de mim, de todo… até, porque sou.


 Hoje, é um dia insípido que me põe num aborrecimento intemporal, sem acordo de lugar nem reconhecimento do vácuo produtivo, amofinado que estou… e é tudo dentro do cérebro. Mas é hoje, embora outros dias fossem como este, a mesma hora e a mesma monotonia, serão sempre diferentes… só as sensações da minha alma são imutáveis, quer estejam dentro ou fora do tempo, serão imprevisíveis. Se Deus na sua vontade, fizer a escolha da minha solidão, sem uma simples companhia que me reste…tenho ânsia de partir para lugares onde ninguém pergunte quem sou.
Sonhar com a fuga do mundo, começa a desenhar no meu coração o mapa da realidade, com contornos místicos e transcendentes à causa de uma fé segura.
Viver na montanha e banhar-me nas águas dum rio, é um sonho acumulado pelos anos… um sonho aqui na Terra, um abrigo com mundo de livros, colhendo a sua sabedoria numa medicina prática e contemplativa, onde a magia da meditação seja a oração de todos dias, dependendo do Deus.  






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Querer é desejo, porque de todas as certezas, esta é única e inconscientemente sonhadora, que me chama sem parar ao seio da sua voz, num altar transbordando luz, que não engana se é um milagre, nos põe sós, na sua frente… de repente - Jesus.
Quero deixar de fingir quem sou, libertar tudo que é material de meu corpo, purificar minha alma no jejum das coisas terrenas, descansar no sono que me dê vida, quero ser um eremita das almas necessitadas, deixar de pensar em mim… ser mais feliz, deixando a escravatura dos homens insensíveis, para servir todos os humildes que precisarem da minha entrega.
Mesmo que seja um sonho, há o pressentimento de quem nunca sabe… o mistério deste sufoco pode desvendar caminhos, tomar decisões que possam mudar o rumo do meu destino.
Como o nascer e o suspiro no morrer, a vida também pode acontecer… ao pegar na minha pessoa, sentir no ar o bafo da minha respiração, tenho náuseas de mim… porque tenho ódio à vida que levo com indiferença, embora o receio de sofrer antes da morte, seja mais arrepiante do que morrer.   





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Num momento somos, logo noutro nada… foi. Então, se formos em beleza, parar o tic-tac da máquina, ou um fusível da massa encefálica estourar… partir de repente, é viajar em primeira classe no terra-a-terra, sem paragem no inferno com destino ao céu numa suíte de sonho. Pior seria esmagado por um autocarro caindo numa linha férrea, com ossos triturados por um comboio, feito pó ao pé duma cancela.
Hoje em dia, falar do stress das grandes cidades que é o rodopio da pressa nas chegadas em corridas nevrálgicas, se cruzarmos com o vizinho do lado tantos anos desconhecidos, só paramos a nossa ignorância quando somos interrompidos pela morte.
Apáticos, a nossa presença mais assídua perante os vivos, é dormir e vivendo em vida como verdadeiros defuntos que somos.
Pensamos viver e vencer a batalha do dia-a-dia, quando andamos sonâmbulos e agonizantes como vivos que são mortos.
Depois centralizamos a mente por entre a multidão… o corpo e o sentido da audição desaparece, fica a visão dos espíritos, a aparição de rostos cadavéricos, e acabamos por descobrir a morte em todos os mortos que estão vivos.   





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Toda a humanidade, homens, mulheres, crianças, todos os seres, embora tenham movimentos articulados, imitam a vida como se existissem vivos na sua transparência, de esqueletos torcidos.
A vida, é o caminho em linha reta mais direto, que o destino nos reserva para a morte.


Quanto mais tempo vivemos?
Nos cansamos...
menos anos de vida temos.
De respirar, paramos.


Com aborrecimento abundante numa incongruência fora de comum, se caio no sono sem dar por isso, e não é uma coisa nem outra, sinto enjoo claustrofóbico deitado nas tábuas do meu caixão, e uma aflição como se estivesse debaixo do mar sem aragem.
Tantas vezes me vem este sonho, que já deixei inscrito em câmara ardente, todo o meu corpo derretido com cinzas espalhadas ao vento, percorrendo o planeta com destino à minha estrela, lá longe num pontinho gémeo do meu Universo, e eu nela.  





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Sou do Universo. Não era da Terra.
Caí duma estrela do ventre disperso.
Vim doutra célula como alomorfia duma carioteca gene da biologia.
Um anjo golfinho trouxe-me a chorar.
Era do céu o espírito, minha matéria do mar.
Hoje sou um adaptado. Tenho ancestral dupla vida.
Vivo do poeta enraizado… e dos clones duma diva.
Mas serei sempre “alienígena” e um homem disfarçado.


/Parodia ao próximo/
Tenho horror à morte desavinda, não de morrer… porque sei que vou ressuscitar como alma, embora desconheça esse desconhecido, se é cinza, se é colorido, desde que seja algo infinito… de certeza que deve ser bonito, como o paraíso.
Como sei?
Como tenho a certeza?
Se meditar, possuir fé, e dizer:
- Médium, acredito!
- Pum! E ressuscito.  





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É tal e qual como ter vontade, desejo da outra vida.
Se tiver faz tudo… de contrário, à parte, não há desilusão que ajude. A coisa aumenta e é só entulho. Assim vou no trilho.
Não viro para lado nenhum, nem tem nada que enganar, lá… tudo é impermeável, basta ser o homem invisível.
Para vencer, como tudo na vida e na morte… acredito.
E já está.

Qual coisa só por ela, ainda que nasça horror, mingue para abate, deixe de ser morte. 
Anjo dela seja amor, do outro lado passe quem não deseja tal sorte.
Que o dia reluza, que a coberta não jaza quem nela permaneça, e que a minha cama abra e nunca esteja feita. Ainda que a noite pura meu olhar enterneça, ela está à espreita… é treva alma impura em busca da minha sombra, à espera que eu morra.

 Sonhando, ausento-me da sombra, gémea figura de rasto indelével. Um acto nada perspicaz em sórdida alma… só porque o pavor vegeta na influência da penumbra, juiz da morte.   
    
Descerrando a minha entrada pelo juízo final, brota paraíso perdido, violácea figura do espírito, à espera do seu lugar.  






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Antes, a recatada presença duma voz feminil, o cheiro dum lírio acompanhando o som duma viola, a preparação da alma em carne viva nas memorias da vida, o choro da partida noutras tantas mudanças comovidas - as pessoas… a parte mais importante de mim…
 O amor que lhes tive, enlaçados ao coração numa chama forte que nunca mais teve encontro, esse passado que me tornou no que sou hoje… comoções coloridas lacrimais como nascentes da juventude, /se recordo cada um/ pela perdida escolha da amizade e do destino na mudança do poiso e de novos amigos…
Eles são desde que nasci minha companhia.
Primeiro a corporação dos anjos numa guarda espiritual viva separada dos espíritos mortais… depois a consciência dos espaços naturais, a beleza das flores e dos animais, a paixão doutras crianças como eu, a adolescência quase finita no Rio Côa e o começo da vida carnal Africana…
Os vivos hoje mortos, de quem nunca me despedi, estão à espera do meu eterno abraço…    






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Os mortos que eu amei, o aperto da angústia de ambos os corações, o ficar sozinhos separados pelos mundos… a tristeza disto tudo e da noite abandonada, tudo isto é nada se no final persistir a morte dos chegados e das almas contrárias…
Os mortos é tudo que me resta… e choro a perda dos vivos.


E todos nós, somos defuntos
em cima de pernas e cabeças,
como esqueleto da alma.
Encoberto o terror juntos…
Somos mecânicos, tripeças,
fios, carbono e chapa.


Meu corpo são pedaços ao vento, encoberto pelas nuvens humanas, derramados na terra e rejuvenescidos do barro.
Todos aqueles que passaram… reconhecem apenas meus olhos, fragmentos da alma, que é um Deus viajante com outras almas, aquelas cuja entrada permaneci no seu coração, embalsamado como um duende.   






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Meu corpo tem asas espirituais… saio vapor esbranquiçado ao encontro do ente psíquico para onde me levam, e nunca sei para onde, impróprio e desnecessário se é o meu corpo.
Vêm-me impressões várias daquilo que fui, coisas distorcidas da minha humanidade, mas nunca sei onde me descubro ou quem me busca, porque sinto o que não sei se não desejo.
Meu corpo tem marcas naturais dos anos na pele, e das rugas do aborrecimento, como a lassidão dos séculos contados pelos dedos. Tudo me causa um fastio, até a impressão que tenho de mim – sinto-me o maior chato do mundo, depressivo e inútil.
Sou oco por fora, uma raiz podre, uma erva daninha numa rocha de musgo, sou todos os calhaus da terra no seu tédio inerte e vazio. A realidade é o meu aborrecimento da cabeça aos pés.
Consigo sonhar com a vida, o que me mantém vivo.
Sinto-me um cobarde por ter desistido da minha carreira há tantos anos, por um episódio triste enterrado na minha alma. Como não tive coragem para nada, deixei passar os anos e renunciei a ser o que sempre quis, um homem comum como todos os mortais.





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Aniquilei-me de tanto não querer viver, deixei de pensar, torturei-me… morri no dia em que perdi o sorriso do meu ser cintilante, o arco-íris que faz vibrar meu coração, e brilha de vez em quando.
Hoje, sinto o coração cansado com os tiques do gostar… mas que tudo resolve, sem empregar o ódio que não cabe no meu dicionário.
Todas as esperanças caíram em cima de mim, e a única convicção que tenho, é viver o próximo segundo que agora respiro.
Os caminhos pelos quais cheguei até aqui, talvez não tenham nada a ver com destinos, desejos ou desilusões da vida, pois os fins direcionados em que me encontro, apenas se deve à falta de sorte ou porque era fraca convicção da fé a que me submeti.
Talvez não tenha sido ajudado pelo Deus que não sinto. Talvez só tenda a acreditar quando estou necessitadamente aflito. Fora disso, se não tivesse o Amor como meu Deus, talvez fosse ateu.
Não sei quem fui, nem se outrora tive outra forma, se os animais eram inteligentes e eu descendente dos humanos bichos sem vozes, talvez fosse uma bactéria caída das estrelas no Oceano ou primo do rato da montanha…  





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No princípio… só havia animais.
Os gigantes de instinto assassino, selvagens perdidamente carnívoros davam urros, mesmo assim mais miúdos que os mansos herbívoros, pacíficos de alma, que por serem colossais viviam em paz no Oceano da sua natureza, e possuíam o dom da telepatia.
Já os pequenos, fracos em tamanho, tinham um segredo que os distinguia da maioria: eram brancos, amarelos, encarnados e assustadoramente pretos, e conseguiam andar em duas patas, usando a voz com sons distintos. Cada voz representava um timbre na sua comunicação e uma raça do país de origem.
E foi assim, durante milénios… alguns eram carnívoros e herbívoros, outros só assassinos e cruelmente inteligentes, insensíveis e monstruosos.
Algumas centenas de milhares depois, Deus tomou a si o arrependimento e criou o homem à sua imagem, votando os animais ao ostracismo do seu rosnar próprio, nunca mais querendo ouvir suas vozes.

Pelas veredas com passos sensaborões, deixando pegadas sombreadas no rasto dos meus entes imortais, desejo o encontro com saudades doridas nos pesadelos dos sonhos, quase tocando suas sombras com o amor que lhes tenho… 







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Quando parti, perseguiram-me como espíritos inquietos, tocando o meu pensamento com recordações reais, para que o esquecimento não repousasse dentro da minha alma.
É-me permitido adormecer em vida, vivendo nos sonhos permanentes sonambulismos sem que se cansem da minha companhia, tal é o apego que me têm… e eu, a vontade inconsciente de abraçar neles o coração eternamente, pois aqui na Terra falhei qualquer acto que não decifro.
Serenamente espero a minha chamada, pois o meu nome já tem hora marcada… quando chegar à minha eterna morada, deixarei de seguir minha sombra, e a minha luz será só uma.
Por caminhos que não consigo desvendar, tudo o que sou surgiu de frente, voltou atrás, e veio novamente ao lugar de antes… que sinto já ter vivido como “déjà vu” as mesmas situações na minha vida. Só não consigo parar no passado, embora me seja permitido relembrar ideias de sítios e pessoas de experiências transatas, cuja memória não atraiçoa sensações em catadupa, daquilo que realmente era. Noutro tempo fui diferente, e agora volto a ser o mesmo de antigamente. 






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Que mistério é este, que me aprisiona no labirinto onde me encontro?
E novamente pergunto, que faço aqui?
Ocorre-me a sensação de agora, que foi de uma vida anterior vivida noutro corpo com semelhança material da mente, ocupada noutro tempo, e hoje recordando os mesmos momentos, porque o ser “sete vidas como os gatos” é nada menos nada mais que o meu espírito, alma de mim. Nele está a memória de todos os filmes das minhas vidas, o déjà vu.
Nunca encarei de ânimo leve a existência em que me encontro, por isso não penso, ou melhor, quem pensa é o modo natural do meu sonho, a parte real do meu existir, porque a realidade amorfa são os meus tempos mortos, aqueles passos de qualquer lugar em nus dedos, fantasmas de algodões em visíveis pés…
Se busco quando procuro, não encontro o que já esqueci. É a busca em pleno delírio de algo que se quer em breves instantes e se escapa num segundo com distracção. Ou comentando de forma apática:
- Ia a dizer qualquer coisa, mas… 





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Naturalmente por ser uma qualquer, a coisa não tem significado e o, “mas” passa a ser um invento. Se é um invento ainda não nasceu, não foi descoberto, a coisa não existe, e dizer não se pode.
Tenho tendência para viver cá dentro de mim, na minha distração a vida livre do homem como o dono do mundo em desordem. 
Se tenho uma preocupação, o meu sossego interior é um tumulto propriamente inquieto que não pára, enquanto o nervo da mente não relaxa.
Uma preocupação no meu estado de fogo é como uma constipação.
Os sintomas psicológicos diferem apenas nos saltos da tosse e no pingar constante da cabeça ensopando os neurónios, enquanto o descanso não se assemelhar à indiferença, e as tonturas intelectuais não passarem com a paz do espírito.
Qualquer preocupação me perturba, sem conseguir fazer nada, perdido no espaço e no tempo sem produtividade que se aproveite, de tal forma, que me é impossível escrever.
É uma arrelia causando a disseminação no vácuo, enquanto não conseguir capturar o vírus que transforma o roer das unhas, de dentro para fora como o estado catatónico da alma. 





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Dou por mim na criação do mundo, como o Deus que sou da minha mente, na força do meu encantamento, com toda a energia que inunda meu coração segundo minha vontade.
Ao passear à beira-mar numa noite de verão, invento as ondas com o meu interior poético, coloco a lua como um chapéu de luz no mar, semeio as estrelas como pontos equidistantes do lugar em que me encontro, e como sou mais antigo que o Universo… recuo na idade o tempo do espaço, limpo o negro opaco, e planto o Sol Amarelo como a iluminação da Terra.
Tudo isto existe na minha consciência, mas ao deitar-me cerro os olhos, apago todas as criações com o poder do meu desejo, e ao adormecer desaparecem todas as estrelas do Cosmos, para reaparecerem nos meus sonhos. E como a minha magia se estende para lá do querer noutro plano dimensional, planto uma flor no meio do Oceano sem nenhum esforço, e no seu lugar um cuidado jardim cheio de amor, em vez dum ilhéu.
Impossível não… as ilhas também ficam no meio do mar, e existem, mesmo acusando quem as desenhou de utopia, ninguém se queixa, e todos anseiam pelo lado paradisíaco da sua alma. 





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O ar lá fora, anuncia algo de estranho… passando a cor de ouro a um cinzento repentino, para uma violência explosiva do vento virado a norte com mistura de chuva, como se o mundo estivesse zangado com cara de trovão… num estrondo precedido de ecos arrepiantes, e do clima triste que influencia o medo com partes desacertadas. O terror é outra parte do interior, sem saber o que aí vem a seguir… a tremedeira do inconsequente desconhecido.
Na sala, sentado na minha cadeira de sonho, invade-me uma certa tristeza ouvir o borbulhar da chuva no alcatrão da estrada, mesmo em frente à janela… de costas para mim.
Os pingos vão diminuindo com menos batimentos, e a azáfama costumeira da tarde vai se atenuando numa tormenta que mortifica, sem peões nem tubos de escape fumarentos…provocados pelo carburador ou baixa temperatura da época.
 De repente, uma chuveirada de água começa a cair depois dum clarão intenso proveniente da trovoada, num ribombar que fez parar meu coração nos breves segundos da morte… para ressuscitar do silencio, o estado arrepiante em que me encontrava.
Em vez de ouvir o som da chuva, senti as lágrimas do choro correr, vertidas pela tristeza que havia no mundo.    





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Experimento o abandono de tudo aquilo que fui, no mais recôndito d’alma, um ser com saudade doutros seres que conquistaram a minha felicidade numa base aparente duma colher, limão e pó.
Saudade do bem-estar que provocava excitação, causando euforia pela doação do prazer que o ópio da vida me causava.
Tantas emoções vividas com alguém insubstituível, menos o olhar perdido da insígnia nostálgica, esgotaram todo o jorro que existia dentro do meu peito, e do mundo que eram montes, amêndoas floridas e rios de meus antepassados.
Na busca do rasto que fosse ao encontro do meu caminho, sinto a perda dos seres a quem entreguei a minha alma, e a angústia da separação deles por compartilharem da mesma tristeza, do desassossego pelo local onde me encontro, e o desejo da aproximação e devolução da minha vida.
Terá escape a minha esperança?
É a ansiedade espiritual que perturba meu corpo, inquieto neste fundo do mundo, numa ferida que não cicatriza se não achar seu lugar de destino. Fora dele, morre… deambula pela neblina, errante na sua partida. 




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Agora que os anos passaram, a esta distância, consigo analisar com total frieza, que em tempos fui amado por alguém da minha idade adolescente, com aquela intensidade onde os amantes sentem a vida para além da morte.
Mas o amor, não é algo de quem sente, que o sinta apenas para agradar. Ou se tem e se ama, ou se mente.
No auge da minha juventude, tive afeições várias, mas nenhuma como oito anos de intimidade pura, e afecto sincero, não fora a descoberta do engano inconsciente e o sexo oferecido pela atração da juventude. Foram apenas diversão de vida local temporária, pelos sítios onde trabalhei, convivi e amei. E um preço demasiado alto como paga dos meus erros… e a perda irreversível.
Todas elas fizeram da minha força fraquezas… e o meu sangue quente abusava das minhas intenções como um libertino à solta, sem vontade própria e com sede de conquistas passageiras assinados pela indiferença da memoria como se fossem cataventos.
O sangue novo, não me deixou ver com clareza a questão do meu corpo, alvo das sensações absortas numa teia de amor sem finalidade digna de compromisso. 






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Quando se é jovem, desejado, imaturo, tenta-se viver tudo como se fosse nada… é que o mundo anda pelas esquinas, e ainda hoje, eu, ando perdido nas sombras…
As emoções que me restam, foi a estupidez dos meus atos, e a burrice da minha humanidade.
De mim, o traço pessoal, sofreu alteração genética de tal ordem na idade adulta, como se fora a descoberta da ciência, e eu, o laureado do Prémio Nobel, depois de morto… como o herói desconhecido.
O sinal da feição encapotado, é demasiado evidente aos olhos perspicazes dos astutos, decifradores mágicos dos segredos da carne e da tristeza do espírito. Eles sabem do que falo, porque vivem do mistério… e não conhecem outro mundo da razão que não seja o engenho da consciência.
Gostava de agraciar a quem me amou, e não prestei atenção. Talvez o momento, noutro lugar, estivesse o sentido ocupado com outro coração, coisas do sentimento. /Às vezes não está nas nossas mãos. /
O mundo é estranho… quando queremos ir por um caminho, e nos surpreende outro destino que não fazia parte dos planos.
O mundo tem destas coisas… e outras coisas que não são …





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Algo vem das trevas e nos leva sem darmos por isso, numa armadilha… e lá vamos. Se não tem volta, tombamos, e caímos numa posição que é parecida com a morte… apenas fica a impressão na pele, os ossos, e a vida viaja sem decote…
Só peço a quem me conheceu, não tenha tristeza da minha imagem, porque vivo da alegria, e não tenho dor da pena, mas da melancolia que não se vê, como a chama que se apaga no último suspiro, e tentamos reter para não quebrar o sopro da vida.
Ao observar as pessoas nas horas de ida e chegada, seus rostos demonstram ansiedade hipnotizante em cima de passos mecânicos, mais semelhantes ao adormecer de olhos dormentes, como se fossem mortos-vivos à chegada antes da partida…
Se falarmos na noite, embora servindo para muitas coisas, o essencial é o dormir de corpos na insónia dos sonhos, e até parecem quietos numa azáfama de passos na mente, tal é a morte aparente do sono, em contraste com a vida dos pensamentos.

A chegada da noite, antecipa a antevisão do descanso numa rotina de hora lunar como antídoto ao sono. A noite dá alento à inspiração de tudo… e se a insónia dá sinal de si, então depois, é um tédio de não fazer nada.  





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Quando adormeço, é como se estivesse acordado no sonho. E vejo o que faço de dia… o preto é a realidade da minha vida, e o branco a fantasia dos meus sonhos, porque neles não entram as cores.
As variantes são o negro do terror, o escuro do medo… a transparência do invisível e o desbotado das minhas aparições.
Ocorre um aborrecimento que não tem repouso nem ânimo, sobre quem acorda e que nunca chegou a adormecer, eu mesmo no meu torpor. Dormir para mim, equivale a uma prisão de pesadelos, onde a vida se repete só no passado… tentando mudar a ilusão no fingimento do acordar.
Sonhar, ou mesmo dormitar, consigo conviver o presente da noite, adivinhando o futuro como se fosse a realidade do dia, e antecipando os acontecimentos com os anseios do espírito, sempre a preto e branco, os dois lados da monotonia.
Sonhar, embora seja fadiga, não paro de viver, nunca me canso, tal é o desejo da alegria e a vontade da vida, mesmo se vier a morrer.

Os meus espíritos têm olhos de abismos, os corpos são de anjos bonitos; uns perseguem-me em desalinho… os outros protegem-me com carinho. Por isso, tenho muitos inimigos… que são amigos.








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