segunda-feira, 25 de novembro de 2013

CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO - VI ÚLTIMA PARTE






CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO


VI ÚLTIMA PARTE
Pág. 245 / 291













Quando acordo, e me ergo, sinto nos espinhaços o pesadelo do mundo. Não que o queira, tenha indispensabilidade, ou traga o desejo como sintoma do consentimento, transformando o interior na forma irreversível duma múmia, parecido na morte com os dias cinzentos e o tal mundo às costas… o abandono em que coloquei a mutilação do corpo, ou a coragem de não conseguir extinguir o sopro da existência debaixo do céu taciturno, com ar de modorra e corda com falta de ar.
Então, submeto-me ao sonho como único escape que tenho de não me perder em vida. E a realidade, de quem fujo, é algo demasiado cru que não revelo ao esconder dos outros uma dolência mecânica.
Uma disciplina que o cérebro escolhe ao acaso, à espera da apatia a insensibilidade que o impulso do nada atravessa… como um sonho cada vez mais distante, disfarçando os marasmos.
Que importância tem de saber se o sonho é a própria vida?
 Ou o que pensa quem me rodeia, se a vida é um torpor?
Ou quem ama tem temor mais da vida que da transição para o outro lado da morte? 








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Não penso, o interesse é nenhum, e outros querem pensar apenas que eu viva os seus sonhos nas partes que mais lhe agradam.
E o cansaço é de todos, a quem assisto como uma estátua de carne, o fastio dos gestos e o egoísmo da alma na obscuridade, que nem procuro entender nem atuar, ainda que pense que tudo isto faz parte dos agentes perspicazes e intelecção do poder.
… mas o mistério em que colocamos os nossos pensamentos, é um mundo surdo onde o silêncio contém toda a telepatia da verdade.
As ideias que temos de uns e outros, se fossem revelados no acto da reflexão /aquilo que pensamos sem voz corrente/, transformaria o mais incauto com cara de incrédulo, incapaz de acreditar nas palavras espinhosas que retratam a sua alma como um pobre diabo vencido, e jogando a vida fora como algo descartável e sem importância. Um pensamento fazendo autocrítica de alguém que passa e não ouve, tingindo a cara do inocente num julgamento insensível e prepotente. 
 O que se imagina de quem não gostamos, só é possível admirar no mal contido. A raiva que enviamos como um bruxedo de pacote inconsciente, quase raio se pudesse cair a qualquer momento, é um desejo pessoal de quem não consegue evitar a cólera de tais entendimentos. 







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Quem pensa, imagina que não existe no pensamento seu, o desejo de sentir no outro o mal da sua mente, à descoberta da sua má intenção. E oiço todo esse cacarejar no meu cérebro apenas com a visão dos meus olhos fazendo eco equidistante na minha mente.
Entalo a cabeça nas minhas mãos para afastar a voz desse demónio que tenta por todos os meios concretizar ideias em imagens de matéria que o ajudem a espalhar o desejo do mal.
Cúmplices da vida, somos todos desconhecedores da nossa identidade, e das esferas profundas em que está envolta a alma do cérebro, que são as trevas do nosso inconsciente adormecido.
Antes, fomos intitulados deuses cruéis da linguagem verbal, lendo os pensamentos comuns com a voz pessoal dos anjos numa comunicação por sinais ou sem escrita oral.
Depois, transgressores da privacidade alheia, tentando desvendar a razão proibida, sempre com o propósito sagaz e malfeitor…
E aqui estamos nós, sobrevivendo como abutres, à procura da nossa ganância numa pobreza espiritual que mete religiosidade, e nos transforma em ratos compadecidos de falsa piedade.
Somos obrigados a conviver com perfídias empoleiradas em sorrisos, avançando numa existência obrigatória de vícios e costumes naturais como um carrossel, ainda que o aborrecimento seja ultra forte numa vontade domesticada, à custa do stress da vida para tolerar o contínuo respirar que ainda nos resta saudável. 








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Estranhos…  que mais podemos ser?
Felizes, se na felicidade dessa condição, conseguirmos viver a ignorância como se fosse o acto mais natural de qualquer asno deste mundo, com um sorriso a toda a hora e uma estupidez extrema, que surpreende o ar do mais indiferente.
Querer ser ou parecer não chega, ainda que queiramos passar por quem não somos… mesmo que se mude de traje ou de operação plástica para quem nasceu saloio, pacóvio, ou virago, jamais conseguirá disfarçar o tom de voz ou mudar o gesto do corpo com afeições imitadas para viver boémia felicidade.
Certamente, quem é, querendo ser quem não foi, dá de caras com seu engano, porque tem fantasia de ser fulano… enquanto dura a ilusão. Depois, o fastio, o bater no fundo… o vazio, o estado normal do infeliz - a realidade.
Para voltar a ser ditoso, começa-se de novo mudando para ser, e enquanto dura a dose heroica da ideia, é seguir o delírio até apanhar o foguete da felicidade… /idem, bora lá… idem/.
Naturalmente, para esses, ser feliz é uma alucinação no tempo, esquecer quem é, metaforicamente.
Ao acordar no seu corpo, vestir a capa que o identifica como o homem que tem mesteres e poucos planos, vê o mundo como um lugar chato e sem atributos, procurando no sonho duas metas - a ventura algo efusiva e delirante, e a matéria para viver a utopia de ser afortunado como o rei da montanha. 







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Estranhos… que mais podemos ser?
Novos desconhecidos inventados do erro… da terra ou da costela de um asteróide, poisando aqui como um zigoto na palma de uma garra cabeluda, à espera de dar fruto alienado?
Só Eles sabem as causas dos porquês dos mundos… porque nos rodeiam mutuamente… amálgamas de rochas descomunais que nos dão a fraca ideia de um só Criador, quando a ilusão clonada que nos deram foi sempre preterida a poderosos deuses, que jogam aos ensaios abonecados da gente, junto com os mistérios estranhos das alucinações com injeções dos mundos Deles…
Nossos neurónios, absorvem como uma esponja mental, milenares imagens que nos são forçadas como supostas recordações de vidas anteriores, transformando em… episódios, ténues agitações.
Estranhos… que mais podemos ser?
Querendo ser um comum mortal em súbita distração, abstraindo-me de qualquer disformidade, tenho um refúgio especial que me dá necessidade das palavras, como um remédio clínico sem carga horária, mas tomado em doses precisas e controladas. 







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Os ritmos verbais são a forma de me apaixonar todos os dias por seres de linhas incontornáveis, amar paisagens longínquas como um mapa da mente em qualquer lugar da vontade… cá e lá, paixões humanas do coração, para me apartar do estranho que há nas minhas entranhas como um desconhecido.
Sem elas, minha forma corporal numa letargia nublada continuaria sem nenhum interesse da realidade, e até os sonhos viveriam em morte aparente como um Gangrel, à espera de acordar no seu deserto como um cigano excitado no seu ritual de caça.
Há muito que perdi minha humanidade, existindo um pouco na auscultação dos outros alguns gestos irrefletidos, que influenciam decisões e não deixam cair em esquecimento traços de mim.
Ainda que não queira, qualquer acto menos digno do ser humano, reacende uma indomável ira que domina minha vontade e me torna inconsequente da raiva sem medo.
Já poucas vezes consigo exercer influência sob o controle da minha vontade. São os anos que passam, e o fazer de conta da verdade… que faz o meu interior encher para rebentar no momento súbito e inoportuno, por não esconder e suportar a falsidade de quem é santo. 






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Fico inquieto ao pressentir vozes que falam da pessoa que existe na aparência, com atoardas indignas de quem é baixo e mesquinho, e que se esquecem por serem tão cínicos que é deles que falam… imitando o amor que nunca sentiram e que desprezam, com o veneno que lhes corre nas veias como sanguessugas d’aguas turvas e sanguinárias.
O mal, é opção dos corações que agem como demónios ao residirem na terra sob a forma orgulhosa de Lúcifer e desejo ardente de Satã.
E são muito poucos, confesso, porque têm de sentir que são especiais na forma extinta, para continuarem vivos na recordação de quem ama os amigos, e nunca se esquece, ainda que sejam almas perdidas.
Prefiro ignorar, como o acto repetido das escuridões banhadas no interior do raio solar, para continuar a dar existência à penumbra sem vida.
Assim, fitando o horizonte das marés na repetição das ondas descendentes na absorção da areia da praia, sombra molhada, que é engolida para o fundo do areal no vazio como as fraquezas que dominam a vontade da alma sobreposta ao meu corpo, são de quem abomino sua imperfeita composição, e subsistem como vis delírios. 





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Ao ultrapassar ascos daninhos, prefiro mudar os instintos à entrega da escrita, para esquecer ressentimentos que imitem ódios e possam alterar o que de bom sinto – a paixão com que me entrego à singela amizade, e amores que devoto à natureza dos mundos, de quem ama, sente e imortaliza a idade sem tempo nem antiguidade.
    

Não choro, porque não sinta,
ou lágrimas sem pranto existam…
vertam quando oro, a Deus ainda…
o coração sangre, e gotas mintam.


Sofrimento encarcerado, quando se julga à solta, leva na ilusão o alivio pelas dores do mundo, porque a cada segundo há um choro duma dor que morre… e o choro duma alegria que nasce.

Mas… envolvendo a inspiração na paixão da escrita com o poder de sentir, ao tocar o que leio, não consigo evitar o derrame despercebido, a quem o silêncio contagia lacrimal pântano invisível. Só depois dou conta, que meus olhos enxutos estão molhados por dentro, e espremendo tudo… sai uma lágrima na eternidade comigo.
A alegria que sinto ao descrever a emoção da vida, traz a comoção espontânea, que nestes momentos a sós não consigo evitar.







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Mas não consigo chorar como o comum mortal quando uma dor profunda dilacera… suporto tudo aqui dentro como uma estaca espetada no coração. E em vez do choro, a angústia.
Mas simplesmente, com as coisas simples, se me emociono?
Choro que nem um tolo de alegria, e deito no verter o mar sentido da comoção num pranto sem controle nem fingimentos impressionáveis.


Todo o homem chora.
Qualquer no seu lamento, se é homem
 sentimental, chora.
São momentos, não importa… se é macho?
É humano porque chora.
Todo o homem tem fraquezas.
chora sem vergonha das tristezas
ainda que morra a toda a hora.
Insensível humano às avessas...
embalsamado coração, desespera.
Se é de cera derrete,
se é de carne estremece,
mas lágrimas nem vê-las!
Um dia esperta.
E de coração estrangulado
soluça toda a hora...
e o que era de pedra
rebenta de dentro p'ra fora.
Quem não tiver soluço cede...
morre de pranto afogueado.
E porque é sensível…
temente a Deus humanamente
Todo o homem chora.



Sinto que convivo na ilusão aparente e distante da vida que é minha, na procura de algo que não sei definir, acabando por me perder. São os lados oprimidos nos intervalos.
Outras vezes encontro o conceito da felicidade e aproveito para desfrutar o que julgo certo, sem que isso me dê acerto, porque vivo insatisfeito o tempo todo com a riqueza que não encontro, coexistindo com a frustração e o marasmo.







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Por outro lado, os estilos comuns do viver, causam uma impressão que não compreendo, o modo como conseguem prosseguir nesse amanhã inconstante para todos nós, e do qual me incluo, apenas no espírito da incerteza.
Depois, com pouco tempo de comunhão e uma frieza indescritíveis, o amor que era dantes promessas e juras eternas, sofre a incómoda separação dos corações, ainda que ocupem o mesmo lugar, sem o reflexo suportar pés, mãos e cabeças… e o cruzamento do olhar cabisbaixo ao lado do pudor.
São figuras mundanas que passam invisíveis aos meus olhos como actores burlescos, embora sejam tremendamente reais.
A autenticidade reside no meu interior com os grandes autores de livros, vivendo de palavras e folhas, que não passam na rua ou conversam numa esquina, e dão vida a quem sente na sua leitura o prazer, sem a presença de carne e ossos que definem um homem a passear no Universo e a pensar no esquema do mistério como álibi do segredo.
Quem lê, reconhece que a insolvência desse enigma, está na admiração e arte de escrever como um invisível Deus, e que não é inclinação dum qualquer ou simples capricho.
A fórmula, contém uma doutrina que é a minha única religião – escrever. E o meu singular Deus, que é apanágio dos homens incrédulos - o poeta.






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Quem não gosta do amor que há na poesia?
Deus tem essa essência, e pensa exclusivamente como um poeta.
A sua filosofia, é a doação do amor a todo o ente na Terra e no Universo como um sonhador, seu único poder. De resto, todas as boas ou más acções são da responsabilidade dos homens, e Deus apenas um resistente observador.


Os homens morrem, mas também matam.
Sorriem felizes, mas perdidamente choram.
Com a realidade das ilusões, sonham.
Tudo o homem inventa, e a Deus pagam. 


* O cinismo do homem que mata premeditadamente, é um assassino disfarçado; igualmente o combatente que tira a vida ao seu semelhante com a desculpa da Pátria, não é impudor, mas calculadamente é um demónio que não interessa, e não é diferente de quem trucida porque também abate. Um, não tem princípios e usa o fim como um meio sem consciência. O outro, tem princípios e aplica o meio como um fim consciente.
Por mais que os homens errantes façam e aconteça… conservando a soberania dos seus instintos a seu belo prazer para domínio dos seus propósitos, o tempo mata.
Só a morte nos torna iguais, por enquanto… mas em 2050 com a velocidade e avanço da medicina, um ser humano poderá viver centenas de anos, e com mais tempo ser imortal, através de próteses substituindo neurónios, máquinas que fabricam DNA, coração,
 cérebro, e células germinativas que não envelhecem.  






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Há meses que não escrevo, talvez por não sentir a vida como eu imagino num existir sem pensamento, como se estivesse fora do corpo numa apatia opaca.
Descerrando os olhos, dou comigo sentado no meu cadeirão confortável com os cotovelos no descanso mirando o infinito, despertado pelo barulho dum motor que passa à minha janela da sala como um tremer da terra.
Acordo duplamente num vazio do sono e sem imagens que recordem o sonho de viver, saltando uma brecha desconhecida no tempo como uma mudança de dimensão.
Depois, calmamente, vejo passar tudo o que fui para chegar ao que sou, sem entusiasmo que me devolva a alegria por ser inútil o modo como vivo.
Não é que me preocupe desmesuradamente ao tomar conhecimento de mim mesmo, que não tenha em atenção todos aqueles com quem passo mais tempo no trabalho…

Que aparência tenho aos olhos de quem me vê?
Que timbre recordam na sonoridade da minha voz?
Que imagem gravam na mente a ideia que têm de mim? 
Apenas questiono, não tenho interesse em saber... porque a maioria trata com pouca simpatia a solidão e condena meu silencio com irresponsabilidade. 
Consideram-me um humano em três dimensões… com conotações de extraterrestre no plano aéreo sob o seu julgamento, no chão deles como um fantasma, e na minha privacidade com uma descrição crítica de quem podia ser melhor.
Aceito, porque tudo faz parte de quem vive e ninguém escapa à apreciação de quem nos rodeia, e temos de ter em conta as marés que as vozes trazem, pois, mesmo uma folha abana se o vento sacode, mas nunca cai se o seu interior for superior às forças alheias.






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Além da minha, tenho outra alma que me vê de fora… tal e qual como outros no mesmo plano introspetivo, embora seja difícil de aceitar para quem pense que é vulgar… e me veja como um enganador anómalo no interior da minha consciência.
Ignoro o que outros pensam, se não serão como eu distantes de si mesmos, andando distraídos do mundo que os cerca como um labirinto sem razão.
A dificuldade disto tudo, parece menos complicado se não penso, ou não me atrevo aprofundar o jogo de palavras no estilo que a minha mente compreende.


Será que outros não pensam?
E se imaginam imitando o bicho preguiça
devagarinho, lentamente subindo,
saindo a ideia em câmara lenta?
Uff!!!
Parou de repente o que iam engendrar
pairando no ar… e puf!!
O bichinho Preguiça coitadinho…
com tanto esforço escalando,
assustou-se com o esgotamento e
puff!!!
Meditando com um suspiro
guardam o que imaginam no sono,
matutando dormindo, devagarinho,
lentamente resmungando burrice
hufff!!!

Mas pensamentos, só de estrelas
com olhos vesgos
e sorriso espumando camelice,
puff???

Pufff!!!








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Mais mole que a Preguiça, 
no reino da calmaria, 
só o fraco fantasioso 
tem a pachorra do preguiçoso.

Ou sou eu uma imitação da loucura… quando outros vêem tanta complexidade, onde há só coisas elementares.
Chamando-me louco, sorrio.
Que melhor elogio pode receber o dom de se ter…?
E é comparado à loucura da inteligência por ser estapafúrdio pelos outros…



Saber donde venho
começar pelo louco?
Sei que não tenho…
de falar estou rouco.

Vim açafate como um Aiatola.
Sem gnose, sou eu, não importa!

Não sei nada do mundo…
Todos somos poucos…
mas então porque pergunto?
Porque somos todos,
todos temos um pouco…
semiloucos de louco.


O aspecto que dou aos olhares de quem fala ou vê nos meus gestos um tipo de comportamento habitual, é o prazer esforçado nas palavras, à procura de solidificar a amizade que faça embrião nos corpos… confortáveis na companhia da minha alma.
Todos são bem-vindos, se tratarem o amor como genuíno amigo.
Todos sem excepção, sem maltratarem quem dá o coração… na inocência do gesto em busca do amor que incendeie o espírito. 
Não é muito esclarecido, quem pensa de quem está a pensar, ponha o olhar nos galhos da crítica destrutiva, com argumentos absortos na inquietude do sono, como vivos no desejo da morte fingida.
Eu penso com a criação da ideia a invenção imaginativa do instinto. Vejo o milagre da natureza, por entre a observação dos seres em movimento, com o sonho dos mundos na análise dos pensamentos.






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Se gatafunho nada digo, porque o abafo das palavras escritas não tem reflexo de som no mundo das vozes humanas… mas de montes e paisagens agrestes no silêncio dos passos, que levam asas por entre planícies e lagos na noite das almas, e contos de viagens.
Fiz tantas viagens, vivendo em terras no período máximo de dois anos… e ausentei-me de tantos sítios que eram lugares mágicos, que ao partir, deixei meu corpo de borracha esticar até ao lugar que cheguei… mas nunca rebentei.
E como matéria de plástico repeti as recordações deste tormento, embora explodisse vezes sem conta, renovando sentimentos passados porque era de borracha… bolhas insufláveis de almas sem fim.
O coração de carne ficou, mas as saudades locais, eram dores de gentes perdidas no contacto, sabendo que o olhar trocado eram tristezas recônditas.
Nunca mais ver pessoas que se amam… como o odor da terra que se sente, se vive, e se quer morrer nela.

Assim, transcrevo aqui as minhas viagens lendo o que escrevo, porque lendo viajo, e me sinto peregrino como um Jesus do meu tempo.






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Viajar é um sonho de olhos belos, que vai das maravilhas do cérebro ao céu do coração mágico.
Sonho todo o tempo, e o que sou devo aos sonhos.
Ao ser, dou-me a conhecer ao mundo. E escrevo.
Se isso beneficiar o conhecimento a toda a gente, toda a gente é o que eu sonho. E juntos, viajamos sonhando com a realidade, e o sonho é de toda  a gente que sonha.
Se recordar o que sonhei, sei que não sou eu, porque toda a recordação é coisa que foi. 
E escrever o presente, que eu sou, é o meu verdadeiro sonho.
O que eu fui, sou a falsidade do tempo que não sonha, porque nada volta atrás que viva o mesmo lugar no tempo ao vivo, a não ser o testemunho que aqui registo.
Há um erro de concepção, não de metamorfose literária. Talvez seja da maternidade do coração que trai todos os sonhos, e apenas tenha desejos sem imaginação.
Todos estes pensamentos me brotam na hora como agua límpida de cascata no seu curso natural. Nem sequer me apercebo como são genuínos… mas depois quando releio, fico confuso; pergunto a mim mesmo se fui eu o autor de tão pastosas palavras…
Acho tudo tão estranho, que penso ser outro quando escrevo, e o que lê, sou eu, num cérebro com dois hóspedes na sua complexa actividade, desconhecendo esse outro que está dentro de mim, e se intromete sem que eu possa impedir.






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Sou um leitor de cabeceira, com o dorso apoiado na almofada, e a atração de histórias de ficção.
Meia-hora é o ritual que dedico à leitura todas as noites antes de dormir, dispensando a droga do comprimido…
Ler na cama, dá-me um sono que mal tenho tempo para poisar o livro, e desligar o interruptor do candeeiro florescente antes de adormecer, sonhando com querubins e Serafins de asas escarlates e olhos de fogo…
Tenho uma relação com os livros ajustada à ligação de amor. Para despertarem meus sentidos, devem estar correctamente legíveis, não precisando de floreados ou palavras bonitas…, mas apenas a naturalidade sui generis do talento.
E isso, facilmente… se me apaixonam e dão prazer?
É como admirar uma sexy estrela de cinema, de saia curta e boas pernas, alteando meu ego como um cavalo de crinas e baba no focinho…
O resto, é a forma do dito contextualmente querendo saltar para fora, dando ênfase à fervura da bolha com acento tónico da cor do leite e significado de sinónimo muito teso…
Mas este gosto pelos livros nada tem de didático pelas formas e perfeição da sintaxe, pois nunca acabo ou consigo ler uma obra na totalidade, porque só algumas partes me absorvem, e noutras perco o interesse. Talvez uma fração do defeito seja meu, e na outra, as sequelas de frases com lógicas imperfeitas me aborreçam por seguirem destinos contrários à inteligência.






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O meu manual inspirador são as histórias do Don Quixote de la Mancha que releio vezes sem conta como aprendiz da escrita. Todos os outros, são pura ficção e um passatempo para exercício da leitura, aliando a aventura e o romance como complementos, e a poesia como apaixonado que sou da beleza natural do Mundo.
No entanto, de tanto ler na minha adolescência, e estudar um pouco o teatro… /o qual fez parte na minha juventude em Lisboa / me deram o traquejo laboratorial da vida como uma fórmula pessoal de escrever, aliado ao dom inspirador e à razão sucessiva dos acontecimentos por obra passageira e experiência de minhas viagens.
Assim que vim ao mundo… comecei logo a viajar, vivendo nesses lugares por onde passei. Meu cérebro pequenino andou sempre deslumbrado, e tudo que via… delirava, vivendo mais como um sonhador do que um viajante da vida.

Via o anjo amigo
e o manso espírito,
o gémeo invicto
e o duo esquisito.


É-me difícil falar desses primeiros anos, do andar constante com o companheiro do meu espírito na sua jornada… viajando com ele no meu corpo de criança, numa vida tenra e pura.
Costumo dizer que meu coração fica sempre na teia do amor, nos momentos bons que partilha, mas os olhos do meu espírito viajam eternamente pelos espaços secretos, como um feiticeiro de pau vassoura espantando almas…
Há boas e más, mas tenho necessidade de estar com as almas sadias, para ser eu, e estar perto dos amigos de Deus. 







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Há coisas que não tem explicação, ou se tem, são proibidas. Não entram nas cabeças vazias, porque são ridículas de coração.
Há almas que são só almas, e por destino ou vontade hierárquica, não passam de pobres almas, mas felizes, porque não são invadidas na sua privacidade espiritual, e atormentadas…
Há almas que vivem excessivamente mais do que outras, e porque estão em contacto, são privilegiadas na sua diferença, escolhidas pelo espírito numa consequência de bons predicados de ser.



Ou se vê e sente…
ou se tem ou não.
Ou se vive então…
e se é um duende.


O desfecho, é a prova dos sentidos na sua vivência; sente-se porque se vive. Pensar é uma forma de falar com o espírito, e ver tudo que daqui não se consegue sem a vontade da alma.
Tudo que não é deste mundo é do outro, mas só vive neste. E quem vê este e o outro é parente do espírito, e vive tudo nos dois.
O contacto com o além… quem o viveu, sabe que subsiste, enquanto houver humanidade na Terra, sendo oca e vazia… fica o eco da natureza amorfa.
Quando criança tive vários encontros, e eram bons, porque os milagres aconteciam na ingenuidade espontânea, e qualquer anjo bom era um santo que influenciava o modo como me sentia, trazendo a sombra do meu espírito na companhia do meu gémeo corpo protegido, amado como Zeus no Olimpo. 






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Ser vidente é um acto natural tão evidente como respirar, e anda aqui às voltas para que se veja o impossível razoável; sente-se o provável desajustado, transparente nada, sem nenhuma prova… uma visão pessoal sem lentes de contacto.
Serpenteando por entre bosques pisando o matagal, voando com passos de asas, próximos e afastados soltando risos, ecoavam no silêncio cá e lá, como unissonante dimensão da parte de cada um…
Mas os mundos periclitantes embora diferentes, eram unos na sua médium humanidade, e ninguém era dissemelhante entre entes telepatas, porque havia o mudo falado e o idioma mouco da voz, ambos compreendidos na língua dos dois pensamentos que pisava o mesmo chão de folhas falsas, paralelo a este e parecido com outro mundo… açoitados pelo vento em terra mortiça, realidade e ilusão vivendo juntos finalmente.
Sendo viajantes na busca do que se ignora, paladinos de bastão e vontade de ser invencível, a razão do nosso incerto caminho indefinidamente ao nosso redor, sem horizontes, ao alcance das nossas almas, buscávamos a separação sem conseguir prosseguir um sem o outro.
Nossos passos açoitavam poeira no pisar das folhas secas, raiando grãos soltos no lento fixo do ar, não querendo saber se éramos dupla existência no crepúsculo da floresta sem lua incandescente.
Toda a vida era estática sem circulação, e o único movimento eram os mesmos passos infindáveis sobre formas de folhas espairecendo.
O sussurro perdido do vento oculto, a incerteza do desígnio de nós dois caminhantes, a ilusão da floresta, do sol, das folhas, de mim, tudo isto seria um pensamento, a primeira forma de coexistir em vida?
Ou seria o meu espírito, o meu espelho, na forma de ver dois mundos, a realidade da ilusão de existir… e o abutre do espectro à espreita…  






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Esqueço-me sempre do lado tridimensional donde o espectro me acompanha /despercebido/, à espera do seu acto diabólico como uma câmara fúnebre, porque o meu mundo coabita todos os dias em três dimensões.
Não sendo comum, aquele que mais identifica o meu modo de viver, é sem dúvida  o lado espiritual; depois a humanidade terrestre quase inexistente do meu dia-a-dia oco e desinteressante – o meu corpo como retrato, que evidencia àqueles que me conhecem como o velho solteirão de bigode; e por estar na hora da caminha, a alcunha do Vitinho… o contraste antagónico da coisa cómica, que provoca um sorriso e solicita descontração para quem aprecia o disfarce do meu propositado combinado como caricatura.
Guardei a parte mais dolorosa para dissertar nela com opulência e esquecimento, mas pondo de lado o título dum poema, a quem tece calamidades em conformidade com a dor.
Daqui advém o meu espantalho do ocaso, o disfarce da mágoa noutras dores encobertas pelos fracassos da minha vida.
Não chego a esta conclusão para fortalecer o lamento do choro piegas (não é meu hábito), mas para revelar o conhecimento das minhas imperfeições e dar consciência do lugar onde me encontro.
Que melhor perfeição é revelar minhas imperfeições… reconhecer meus erros e só relatar meus defeitos?
Não é isso que move a curiosidade de quem me segue?
Que seja. Se isso servir para penitenciar, já que não sobra algo com que tenha de pagar. Minha idade já vai avançada e daqui a nada… descanso, porque a vida é uma breve mudança de qualquer miragem que vá acumulando terra e calcário. 






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Atalho meus passos pelas avenidas que arranco da mente, sobrando o costumeiro arruamento da dor que vai na alma, com a obtusidade das habitações que pressionam a minha vontade, relembrando o meu caso como uma história lancinante sem solução.
E porque o tempo passa, é quase impossível viver da mesma forma igualmente há décadas atrás… as hipóteses vão diminuindo numa realidade que vai descambando num final conhecido.
E os movimentos esbatidos são de mil atos acabados e repetidos, perdendo a pouco e pouco vivacidade, não fossem os anos um mau companheiro do cansaço e ajudante aprendiz da vetustez.
A marcha dos meus episódios são uma interrogação constante, sem espaço que corrompa o objectivo, ou tenha um final feliz.
Mas resignado com o sítio predestinado a que estou a ser sujeito, nada faço para banir o inevitável, todo o tempo que desgastei minha imagem… e deixei de ser quem devia. Ao deixar de ser, mudei, e forçosamente sou quem não era… embora conserve a voz e a relembrança do que passou com tanta mágoa, se não sinto os embates do coração por algo que tem sofrer atroz e me causa o esquecimento da vida.






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A vida…
Esse quadro do quotidiano em tons de pinceladas cinzentas, que os humanos vão chorando sem verter uma lágrima, não passa do hábito de passar imensas distrações, porque é singular.
Vai dentro de nós como uma chama preciosa duma vela, evitando pensar no resplendor da sua luz, com receio do sopro trágico findar seu ardor, ou para não dispersar o pensamento no vácuo com tanta loucura da não existência, que é por afinidade o parentesco da morte…
A vida só é vida quando algo nasce. Depois vive a ilusão, e quando sonha vive, para ser um engano do corpo, e finalmente viver a luz imortal da vida que sustém a alma, porque só o espírito é vida.

Términos carinho, angústia no tempo.
Vim a este mundo com a missão de ser criança, para desempenhar um papel nas metades de dois mundos. Quando cresci, deixei de ter uso para Deus, sem servir, inútil para mais nada.
Deambulando por aí… nem me apercebo, que por aqui ando amorfo como um robô, ou professe um lugar na sociedade.
A vida, usa-me como adorno das sensações humanas.
Os trejeitos das faces feias, com o revirar dos olhos inundados de lágrimas reais, nas fraquezas da alma pagas com os erros do corpo, e as fugas da  alegria, extemporâneas aos dotes do coração, predominam como sentimentos terrestres adotados ao mistério da existência.






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Definir a minha vida agora… é um simples capricho do contemplar, mais calmo espiritualmente, e menos terreno.
Quando olho para o céu estrelado, e vejo às claras da minha consciência, todos os átomos do Universo como as fagulhas duma fogueira, é que dou conta do respirar tamborileiro que faz o meu coração, na amplitude do silêncio e da necessária solidão.
Por vezes, na vida, estar só entre os mundos, é um acto de magia.
É uma carência absoluta, meditar imerso, possuindo a noite com olhos sobressaindo fogo, sozinho, mergulhado nas estrelas com o cetro nas mãos, sentindo-me o rei do mundo, e o Deus aqui tão perto da moradia, de graça, à espera do dia que nunca esquece…
Depois, outro dia… afundo-me, enterro-me no caixão dos meus pensamentos, sem vontade, sem orgulho de viver… porque não sinto nada. Nem sei qual a razão deste estado soturno em que me encontro, e mesmo que soubesse… o que tem haver o brio humano com este dia, se não fui o inventor de mim mesmo… como eu gostaria que fosse… um ser sem matéria, sem sujidade orgânica, com todos os sentidos do corpo e de inteligência imortal, numa casa com um quarto, uma sala e um espelho para contacto entre os deuses humanos numa espécie de Olimpo. Nós temos tudo para ser entes… superiores com o tempo, inteligentes, puros inventos.

Um dia somos… outro dia não.
Antes fomos, doutra expansão.
As raças serão… de nós todos,
uma nação, de muitos, poucos.  







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Que interesse dou à vida, que não dêem outros à sua necessidade de viver, mesmo com objetivos discrepantes … se a diferença reside na existência mais importante para mim, continuar a sobreviver e resistir a todas as alegrias e sofrimentos inseparáveis da minha humanidade.
Não sei se tenho momentos mais alegres ou tristes, mas penso que a seguir a um, vem sempre o outro na mesma simetria.
Todo o ser tem um olhar interrogador de tanta coisa que desconhece, um sorriso de prazer quando alcança, mas um pensamento na lua quando a saudade mata.
Somos simples e complexos ao mesmo tempo. Nunca estamos satisfeitos com os abanões da vida, mesmo sendo ela boa e alegre. Da tristeza, amolecemos como minhocas, e hibernamos o tempo todo no estado de alma em segredo.
Magoa-me mais a indiferença da alegria dos ricos. O ruído que fazem, incomoda todos os pobres do planeta.
Pobres de espírito, seres insensíveis e egoístas na sua riqueza, são a maior miséria da pobreza.
De mim, sofro mais com a alegria barulhenta do mundo. É um bater de sons mais decadentes que naturais, que me coloca dentro um peso abismal, que nunca mais cai… puxa para baixo do silêncio, num aborrecimento total.
E é com a vida que falo, tentando todos os dias consertar o que erro constantemente. 
Ao errar, escrevo para não esquecer que errei, para me tentar salvar de coisas desprezíveis que fazem endurecer, ofendendo logicamente todo aquele que fere o engenho da minha razão, sendo obsceno e malcriado com o desabafo, se mentem e dizem descaradamente que falam verdade.






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Não escondo que sinto como ajo, ainda que sofra de dentro… todas as outras dores de pessoas amigas, me fazem sofrer duplamente, sem conseguir esconder o rosto de máscara aguada.
Assim, tudo o que me aflige, me põe cego com os sentidos em polvorosa como um vulcão.
O que me diverte, se é genuíno, é exterior à própria alegria, e se reflete no meu rosto com olhos de mero espectador. E todo o pensamento entra na tristeza, saindo com a alegria, que por ser extemporâneo nem pensa o que sente com júbilo.
Quando vim a este mundo… andei sempre em viagem como uma máquina do tempo. Chegava como um desconhecido do Sul, e os locais gostando de mim como amigo, nunca esqueciam o estranho de fora, ainda que no trato fosse usado uma controlada inclinação pela afeição dispensada.


Viajei como um estranho por onde andei.
Quem me viu não achou que fosse.
Foi como já tivessem visto não sei por onde…
Ao instalar-me em cada sítio, toda a gente me acenava como dali fora sempre. E verdade seja dito, tudo por mim passava, eram recordações repetidas das mesmas cenas noutro tempo.
Vivi nas lajes daqueles lugares, calcorreei aqueles montes cheios de árvores carregadas de amêndoas, seus corpos rudes abraçaram-me julgando que lá estava, e era outro que fora meu semelhante naquele corpo… e nunca deram por outros que todos juntos eram como eu… mesmo rosto de alma diferente… 






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Entrego-me com simples natureza aos outros, somando conhecimentos e simpatias, e semeando afeições naturais por tratar todos os espíritos com amor.
Para os que conviveram comigo intimamente, havia uma interligação pessoal e um contraste que tocava a amizade como uma paixão de feitios, consoante os sexos e as idades.
Enquanto jovem, os que faziam parte do meu círculo de amigos, quase ninguém ficava indiferente à minha presença… seria?
Talvez fosse da áurea que me rodeia invisível aos seus olhos, talvez devido à atuação das palavras ou da mímica teatral dos gestos,  e com toda a certeza, especialmente, fazendo-lhes sentir como eram todos importantes na minha vida.  Nas mulheres, os olhares eram desejos enamorados, algumas certezas e tantas interrogações no ar; e nos homens o companheirismo das noites e o prazer na convivência.
Hoje em dia, procuro mais a franqueza das pessoas com quem travo amizade, sendo algumas mulheres na empresa Incompol onde trabalho, e onde são a maioria desta fábrica.
Aquelas que conseguem entrar no meu coração são as minhas preferidas, e nem sequer precisam de conviver comigo, pois sei amar à distância e no silêncio da amizade, essas senhoras que admiro pela meiguice e simplicidade.






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Para mim, um sorriso, a simpatia dum olhar, o ser humilde que vive no coração, para mim, é tudo amor com educação.
Das outras… prefiro conter-me. Se são assim… assim serão.
Quase todos os colegas conhecem o meu lado brincalhão, mas evitam o sério alterado do meu estado por alguma razão que só eles sabem… por mim, ainda bem.
Nunca gostei de falar com gente malcriada, pela simples razão que sinto picante na língua quando sinto um ouriço merdeiro tocar-me na pele.
É essencial para o meu bom funcionamento do dia lidar com pessoas educadas, tão importante como o simples acto de respirar.
Não é da fobia do respeito, mas da síndroma da educação que sofro.
De tal ordem confesso que, respeito quem respeita com respeito, tão bem me sinto em tal estado, que não sei estar sem a educação. 
Vivo sempre nessa posição, por isso, exijo ser tratado dessa forma por toda a gente no mesmo acto de volta, senão… é uma guerra mundial e uma bomba à flor da pele.
Para ser obedecido, firme e correto, não é preciso utilizar a autoridade com gritos, praguejar, ou vocábulos mal intencionados que desconcerta os mais elementares princípios da revolta – basta ser educado, e falando no tom certo… ouvir-se em todo o lado.
Outros, mais inteligentes no cargo que detêm, deviam ser menos carroceiros e aprenderem com diplomacia o que é necessário para comandar homens. 







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No que se refere à maioria das chefias, ninguém conhece o que isso significa. Mandar é fácil, saber mandar é outra coisa… nem sequer é preciso frequentar a Universidade, fazer um estudo com formação de Humanidades, arranjar uma fórmula de Usos e Bons Costumes, ou a desculpa de ser analfabeto – basta ler o que significa a palavra “respeito” em todas as vertentes. Depois, ser humilde, paciente e construtivo na mesma linha de Deus, e não oscilar para fora como um trapezista dos céus cometendo erros.


Conheci um sargento que segundo parece foi das Forças Armadas e gostava de guerra. E apesar de usar tantos cadernos, costumava gritar com cara de mau quando a pessoa estava afastada uns bons pares de metros… a pessoa lá ia coitada… com um grito daqueles, pudera!
Acho que não era falta de educação… é mais qualquer coisa parecida com a banda desenhada.
Pus-me a pensar com o introito de descobrir tal razão de ser, e cheguei à conclusão que ele gostava de fazer de Tarzan... quando gritava como os macacos, batendo com a mão no peito… era cá um berro que se ouvia na Selva toda, depois de ter matado um mosquito.
O sonho dele era ser herói, mas acho que levou um pontapé no cu e foi viver para a Amazónia.

Ultimamente em 2012, os dias laborais são aborrecidos e desprovidos de interesse, provocando inaptidão pessoal, devido às tarefas pouco interessantes, e uma tristeza por sentir a minha inutilidade há mais de seis anos, depois de ter exercido as minhas funções com competência e sem nenhuma reclamação dos clientes após dez anos. Aliás, houve quem denegrisse a minha imagem com mentiras a quem de direito tem o poder, e como se dá mais importância às queixas e nem sequer se deixa defender quem é atacado, fica-se logo julgado como culpado. Não interessa quem é bom profissional, mas sim quem tem uma língua só para prejudicar quem não gosta. É uma tristeza permitir esta mentalidade, porque se perdem bons colaboradores e ficam com quem não sabe fazer nada. Na generalidade acaba por afetar a própria empresa e reflete-se a todos os níveis no desenvolvimento deste país.





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É assim em plena Assembleia da República, fazendo queixa uns dos outros, em vez de se unirem para servir a mesma causa e criar progresso em Portugal.
Não se investe para criar riqueza, poupa-se o Estado, despede-se quem trabalha, e quanto mais se queixa o Ministro das Finanças que precisa de sugar o sangue e o ar que respiramos, mais porrada levamos...
E assim, como pobres de espírito e invejosos, todos nós fazendo queixa uns dos outros para sobreviver estupidamente... só temos quem merecemos, este governo insensível e desumano.


É caso para dizer que todos nós somos um atraso... o atraso em que pusemos este cantinho plantado à beira-mar... porque só estamos unidos, quando queremos fazer queixa e espalhar o mal como um Oceano. Nós, populaça ignorante, somos nós que podemos levantar este país... mas como somos burros como os grandes querem... caímos todos como tolos, e assim, nunca mais lá vamos passar a perna ao esperto. Isto é apenas um desabafo de quem sabe como estas merdas são... porque a política a mim, sinceramente, já não me interessa, e votar ainda menos. Só o farei, quando houver homens honestos... com ideologias de esquerda ou direita tanto faz, mas que sejam capazes de construir para todos sem excepção, e não destruir.


É evidente que tenho necessidade de trabalhar o maior número de anos, fazendo descontos até à idade estabelecida para suster uma reforma de miséria.
Passar fome não vou, mas neste tempo de grande crise, vem aí um 2013 ainda pior, e uma anarquia incontrolável... e a desgraça de quem é pobre, de quem não tem mesmo nada... não é uma tristeza este mundo?





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Andamos por aí como figuras ilustradas fazendo de conta que nada é vento, descambando mágoas numa montanha de suspiros, camuflados de espinhos em partes incertas. E não damos por nada habituados que estamos do embalar das cascatas… caímos tão fundo que parece o nosso habitat natural.
Passamos pelo dia como quem passa pelos séculos… falamos, sorrimos, choramos, e é apenas o quotidiano rotineiro que se mete na pele humana, fraca existência numa forte necessidade – sobreviver, ou tentando viver, imitando a vida para não cairmos de vez num aborrecimento invicto.
Neste momento, agora mesmo, porque posso não ter outro… pergunto a mim mesmo: 

Donde vim?
Eu quem sou?
O que faço aqui?
Para onde vou?

Assim de repente, parece estranho… sem cabimento, e talvez seja.
Se recuar para lá… antes do nascimento, de certeza que havia uma cópia de meus genes nos arquivos seculares.
E para lá desses arquivos… que formas tinha? 






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Pelo contacto do nenhures além antes… /seja onde isso for/ toda a minha identidade foi materializada muito antes de vir ao mundo… e tudo é composto assim que é submetido o espírito ao corpo.
Então, a minha semelhança está no espírito, advém dele, e ele é praticamente tudo o que sou. É a partir daqui que me interrogo como ser espiritual, onde reside o dom da vida, já que a matéria é a capa com que me sirvo do corpo enquanto estou vivo.


E tudo era negro e sem visão. Ainda não eram pedaços faiscantes... apenas escuridão. Todas as formas eram redondas, somente rochas de fogo em fusão.

  
Entrando no meu transe pessoal, e para quem já viveu a experiência do contacto dos dois mundos ao mesmo tempo – ver esses inquietos esquisitos ou anjos de asas voando numa paz dos sentidos, e ouvir essas vozes com o seu dialeto do tempo primitivo no portal dos espíritos, não é para quem acredite, é para quem tem esse dom sobrenatural da vida.

Minha alma é um espírito encarnado, que viveu no meu Ex corpo como seu envoltório semi-material, um ser real concebido pelo tacto do pensamento com sua própria linguagem, atingindo absoluta perfeição moral através da encarnação, sofrida repetidamente em varias vidas materiais como missão.
 A morte do meu ser corpóreo restituiu a liberdade do meu espírito, antes revestindo um invólucro material perecível. Vi meu ser imaterial no mundo invisível, mundo normal do tempo medievo, sobrevivendo a tudo na sua eternidade.  Assim, deixei várias vezes meu corpo, vivendo novas existências materiais em séculos diferentes, para regressar ao mundo dos espíritos num estado errante.  






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A minha pouca compreensão destes mundos vividos com a adoração da idade, se tornou mais intenso enquanto criança inocente, estado essencial para o chamamento, com o poder que nos absorve no reino dos deuses, ou do inferno.
E porque não tive tempo para vacilar, hoje, sou um espiritista da cabeça aos pés, um profundo aderente.
   
A formação dos mundos foi pela condensação da matéria disseminada no espaço. 
No princípio tudo era caos… e confusão de todos os elementos orgânicos em estado fluido no espaço no meio dos espíritos, tomando cada coisa no devido tempo o seu lugar à espera da criação da Terra, com os seus germes em estado latente de inércia, surgindo os primeiros seres vivos…


Dos unicelulares surdiram os Procariontes.
Mais complicados de núcleo e organelas, os Eucariontes.
Dos vermes e invertebrados mais complexos ainda, os Trilobitas.
Dos seres Conodontes vieram os peixes e os mares que havia.
Da água do mar para a terra dentro dos pântanos se ajeitaram os Anfíbios.  
Depois os Répteis que originaram os Sinapsídeos, antepassados dos mamíferos 
que ficaram escusos no tempo dos Dinossauros 
até serem os senhores dos mundos malvados.






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Então, muito antes de Adão ter aqui passado há quatro mil anos antes de Cristo… e não sendo o primeiro nem o único a povoar a terra, já antes dele, existira o homem há três milhões de anos.
Logo, isto do Adão, ser apóstolo significa… para primeiro homem ainda… ser uma grande bibliomania.


Sou Adão adormecido.
Sou Adão nu em pelo, tremendo que nem borbulhar fervendo, sendo um misto de frio e medo que enregela os ossos…
Sou Adão solitário, abaixado na posição inútil, sem conhecer a nudez da morte, a sós na sua perpetuidade humana.
Sou Adão, apesar de conhecer só a vida, choro nos intervalos das trevas de solidão inútil, por falta de companhia sanguínea e privação de colo.
Sou Adão, a vida que não tem idade, abraçado por quem não me cinge, prostrado por terra ao abandono debaixo da cotovia.
Sou Adão… tudo cai em mim numa ferida aberta ao fim do dia, abrasando meus pensamentos numa mescla de escuridões traduzidos em pesadelos, onde os passos tombam no Éden, num ponto que é a luz e outro… que foi a vida.
Sou Adão adormecido.
Abre-se uma porta no coração. Cabelos louros esvoaçando em cachoeira tentam abraçar meu sonho…
Estendo os braços à procura do céu, e quando estou quase lá… o mundo cai a meus pés estilhaçando poeira na terra, e sou o Adão de barro acabado de sair do paraíso, de olhos despertos ao vicio mundano, antes vivo, e imortal na cegueira da minha fraqueza.






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Sou Adão feliz, livre para viver, e morrer quando a minha vontade quiser, sem a prepotência de Deus e a raiva humana.
Acto contínuo, sonho com a minha morte, despojando meu corpo hirto das vestes que me agasalha na cama da eternidade.
Desperto.
E voo ao encontro da minha alma para viver como um Adão de asas o meu sonho angélico.
Hoje, sinto uma tristeza lancinante numa cegueira que ofusca, até o horizonte que a minha vista não alcança e a minha mente não imagina. Tudo é triste, ainda que disfarçado com o invento da alegria, e não há nada que seja tão triste como a claridade deste dia, que por ser dia, é tão triste que nem a claridade ilumina.
Tudo isto vem interiormente, ainda que sinta de fora numa impressão angustiante, sem conseguir explicar o que experimento quando alguém sente, e fique paralisado de tristeza só porque vejo e me pertence num sentir estranho que não analiso.
Numa confusão que não procuro, busco a necessidade do isolamento para obter a tranquilidade que não tenho, no abandono do mundo que não encontro… a melancolia que norteia o momento vagamente triste do meu estado inconstante sem tenção de renúncia. 





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Tenho horas afortunadas em que desligo todo o meu contacto do mundo, paralisando o cérebro de toda a actividade do pensamento, hibernando como um feto vegetativo sem cogitar a vida no sonho.
Este afastamento é apenas a imposição da minha alma acordando o intelecto da substância desnecessária ao corpo, procurando que o mundo rode em sentido contrário da circulação da vida, onde tudo existe, tenha um valor contrário ao poder do humano sem coração.
Dou por mim no final deste isolamento, contendo o interior triste que me atormenta, a procura da fuga que deseja a inconsciência da alma dominando a minha vontade de ser.
Eu não queria nascer, e era contrário a todos os movimentos da vida, sabendo que o meu modo de coexistir, era um choque espinhoso que me faria sofrer no meio dos humanos adaptados à escravidão de quem domina, e conformados à rotina do dia-a-dia.
Ao afastar-me dessa ligação, tentei apartar-me sem solução do lugar onde vivo, agravando a minha condição de classe sensível à minha espécie. 





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Mas não quero desaparecer, encurtando a vida ao propósito duma fraqueza que me faça desistir de viver como um frouxo. Não tenho a mínima inclinação para o suicídio…

... embora tenha no meu avô paternal um pequeno rastilho - pesar na sua consciência a vergonha e não ter ânimo para enfrentar os vizinhos do seu Bairro de Marvila, onde era muito estimado, por cometer um erro e comprometer a sua honra, pôs termo à vida na linha dum comboio.
Nunca fui capaz de relatar este episódio, e não sei porquê, sempre me arrepia quando penso nele. Não sinto vergonha, nem acho meu avô um cobarde por tratar a dignidade em plano de igualdade só com a cura da morte. Experimento antes uma grande admiração, e uma pena enorme de não o conhecer em vida.
Só o amor que devoto a este livro, me deu a força e a hora no tempo certo… a persuadir o coração na confissão pessoal dum desprazer.
Confidencias De Um Livro serve para isto mesmo, e este, o motivo dum relato familiar que matou a vontade dum punhal enterrado no meu segredo, agora solto para viver na redenção do alívio. 






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Os dias passam e nem dou por isso.
Todos semelhantes deveriam parecer diferentes, mas são dias parados no tempo, difusamente iguais, estupidamente aborrecidos.

Os gestos vêm na mesma modorra com a chateza dos rostos nas costumeiras posições, poses que se repetem no ofício ou nos intervalos das refeições, não disfarçando o stress numa boca mais aberta ou num acto de menos realidade.
Os outros, aqueles que me olham no silêncio com um mistério arrepiante, nem dão pelos seus parentes, atormentados espíritos a seu lado querendo romper a teia onde se encontram…
O sol espanta os espectros da sombra, deixando a minha consciência em paz, animando um pouco a vida que não é nossa no mundo deles…
E pelo escurecer me perco, sem visão da realidade na companhia de quem não quero, estando distraído neste mundo para me afastar de outros… procurando o aconchego do isolamento para entrar no calor da vida, sentindo tudo que bate na Terra como um tremor de medo.
Pressinto as vozes que falam de mim… e ainda que as palavras ininteligíveis entrem nos tímpanos sem coreografias do meu dialeto, eu entendo objetivamente se vem explícito o mal ou bem da mensagem contida nas almas desinquietas e despropositadas. 





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Não vou ser o sonho dos outros… nem quero pensar em imagens que contêm falsos sonhos, nem em visões delirantes diferentes.
Deixo ir a vida nos dois lados… acompanhada do oculto e do vivo imiscuído de corpos transparentes, e do esqueleto de carne num convívio de necessidade para ambas as partes.
Corre uma leve aragem de quem é lençol de vento, na perseguição da ideia de luz à procura de voltar a viver, e não se dá como espírito na sombra das estrelas, fundo inconsciente das sensações angustiadas, chorando pelo vácuo fora querendo ser.
Eu vou a seu lado, e mesmo afastado à velocidade da luz indo dum polo ao outro, eu fecho os olhos, e vejo a sua mente como uma voz da minha alma falando ao meu coração como um pedinte.
Dou-lhe uma sopa e um pão espiritual comungado como aconchego dum bom samaritano, e sinto toda a vida morta pesar-me no corpo, albergando todas as outras almas perdidas como um ninho de coisas aberrantes que arrepiam…
Por fim, descanso.
Todos os indícios se afastam de mim com esbanjamento da alma, como se nunca tivessem ocupado o universo da minha matéria carnal. Fico numa paz solitária em jeito de confissão, um perdido eremita pairando no ar seu pensamento como mensagem do vento, livre da sua hora de existir atrás da sua meditação. 






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Espaços intermitentes entre oca... /e é quase sós da vida…/ não sei que paços são aqueles, que historias contam eles… mas sinto o sossego, o vazio de não pensar em nada, coisas paradas no inconsciente ainda que se movam externamente, são nada no meu tempo insípido, lânguido crescente da penumbra, inútil silêncio, almas perdidas em tons discordantes… estado em que se encontra meu entendimento atípico sem coração que sente… aborrecimento de espírito caído.
Pondero tudo que me acontece como irreal, brotando um desinteresse ténue com todos acontecimentos desastrosos que prevalecem tristes, e às vezes nem sequer sei se é sonho ou coisa fingida enquanto dormia, ou paralisia do olhar no cérebro, não querendo enfrentar as folhas de Outono sem vida…
A morte paira em cada esquina e tem asas de vento que arrepiam.

Os que morrem, habitam paragens longínquas, e nunca mais ninguém vê para onde vão; se sonham, se gritam, se querem voltar à primitiva forma, ainda que não sejam quem são, não saem donde estão… não acreditam que são esse aspecto gasoso, até ao momento que atravessam a matéria como um choque, na ausência de carne e ossos.
Que coisas há para além da morte que ninguém quer?
É mais o temor do desconhecido, o hábito e a falta dos entes queridos, mas depois de ter experimentado tantas vidas… no fim da sua missão, a paz e o conhecimento da sabedoria divina como meta espiritual, até ao estado da perfeição no reino dos anjos, será uma coisa do outro mundo... que nos espera quando alcança por quem vive...
Não há que ter receio da outra vida, por ser mais bela e segura, inundada de sabedoria sem imperfeições humanas. Apenas tem como vícios a imortalidade e a natureza mágica, de quem habita o paraíso como fórmula natural e de quem sabe ser eterno.






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Os que cometem suicídio porque não faz mais sentido subsistir, esses são os que conhecem a dor da tortura, e julgam assim parar o sofrimento, quando vão ficar em agonia eternamente num espírito com letargos de extinção, a toda a hora doente, num manicômio de terror ardente com olhos saindo da orbita…muito dificilmente sairão do poço do inferno das suas mentes… por sobressalto de tiro, corda de enforcamento ou pulmões estoirados de afogadela, tudo isto recordação de pesadelos e repetição dos tais falecimentos. 

Nada mais acontece, mais nada… ou tudo pode ser... depende do lugar onde nosso coração amanhece, a alma possa beber quando o sol raia.

Cada dia que passa, a substância que em mim existe é sobremodo prejudicada pela matéria buliçosa de quem circula, sem sentir, nem modo próprio de gente que seja capaz de reagir.
Uma pessoa que passa, é uma rua apinhada de escondidos fantasmas, num mundo que desafia a minha gravidade por serem contrários à minha desconhecida companhia.
Os rostos demonstram expressões de quem leva no pensamento, um fim determinado de quem quer chegar à gare do seu destino, transparecendo nos seus gestos um irrequieto estar de quem está preocupado. Vão em sentido contrário, e se não olham, demonstram ausência de estado, e nem se apercebem que ali estão, porque atravessam uma terceira dimensão em três mundos tridimensionais – o eco de seus passos, a inexistência no seu lugar, e a gémea realidade da sua sombra.
Se um ser me desperta curiosidade, paro no meio da rua, procuro o interior do seu mundo, sinto uma atração da sua alma em busca da minha, sem que o seu corpo experimente o desvendar da consciência amorfa que desperte a realidade. 







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O vicio de me pôr no corpo dos outros, para saber que imagem têm de mim, me faz invadir suas almas proibidas, tentando ler nas entrelinhas o segredo de ver pelos seus olhos os mundos cinzentos que não me atrevo a revelar.
Como será que me vêem?
Caótico, arcaico, ou jovem de espírito?
Se eu sentisse o que eles sentem, ficaria a conhecer a verdadeira fisionomia de quem me vê e de quem eu vejo numa visão de Aladino. Todos os que me cercam sou o mundo seu, e eles estão em mim porque não consigo fugir deles…
Fugir de mim, seria destruir minha sombra, ainda que meu corpo exista na mente de quem não me olvida, e desses se esquecerão também o tempo… e não restará recordações porque as memórias se apagarão.



Se Nada pode ser Tudo,
Tudo, será o total de Nada.
Poderá existir Tudo, se não é Nada?
Aqui… o acaso é o Nada que impera
e Tudo que é Tudo está na Terra.

Que há no alto do céu
não haja no fundo do mar?
Que luz é essa de véu?
Todo Terra, mundo, ar
que há nisto tudo…
Senão eu, e o mundo?

O resto, quem socializa
não pode demonstrar
o certo e o errado,
não pode provar nada
... e é quase tudo...
... e é quase nada.






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A minha vida tem sido uma adaptação às circunstâncias dos momentos vividos, muitas das vezes improvisados pela força do destino, e o hábito de sonhar.
Tudo isto eu sou, impróprio para cardíacos, sonhador quanto baste, a introspeção que a mim devoto em palavras com ginástica da mente, pondo em franjas um doente de grinaldas e véu.
Calcorreando fora, saindo dentro… eu vou lá onde seja o fim do mundo, e volto cá como se não fôra nada na Terra… vendo-me dos pés à cabeça, como se tivesse um contorcionista dentro da alma.
    
Toda a minha visão interna me é dada pelo invulgar sonho, que me possui como um valdevinos de meias rotas e calças cheias de remendos, na impressão com que domina a minha atitude, toda a sensibilidade espontânea e natural dos sentimentos humanos.
Para além de conhecer-me a mim próprio, reconheço cada um de nós que esteja em mim presente. Basta ver e sentir o espírito correr pelos olhos como um demente ou anjo. Tudo depende de quem se aproxime, e transmita o que não sabe nem perturbe sua mente, estando eu apenas consciente nos gestos que cada um apresenta.
Assim, toda a gente que visiono, enxergo melhor que eles a si próprios. 





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Tudo que é forte sinto como um mensageiro que vem em paz, ou instável, detém o impulso quando não se consegue libertar da sua alcateia prisional, que é a passagem do outro para este mundo através de ajuda humana habilitada aos segredos da alma.
Por estradas, vales e ruas cheguei onde me encontro sem fugir de nada. Mas sou um fracasso, reconheço. Por não ter um estatuto mais adequado à profissão e ambiente familiar, e apenas por viver em desistência proporcional à ambição pretendida. Andei perdido durante anos num tédio aborrecido por fazer de conta que o cansaço da vida era um incómodo de viver, chegando à conclusão que o tédio personifica meu rosto na falta de vontade que não demonstro, mas que existe dentro como um narcótico temporal.
Todos nós estamos submetidos a um mecanismo, para nos comportarmos como cordeiros, construindo uma bandeira na base do chavão “família.”
É a única defesa que os humanos têm para valer a pena viver a vida, mas não a única razão… todos nós andamos cegos.
Temos que fazer valer os tais princípios, dominando os que estão ao nosso lado para subirmos mais um lugar, ainda que esteja ou não conspurcado – a isso chama-se afirmação.
Sou completamente indiferente.





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No meu estado normal não entra a realidade nem a loucura dos homens. Ignoro-a para me proteger da minha irreverência, e das formas de tocar no meu espírito livre e intocável, apesar de ser mais uma ovelha tresmalhada para quem manda… depois ao sabor do vento, sigo a vida para onde ela me leva, deixo o olhar amar todas as coisas por onde passa… e esqueço-me das tristezas do mundo, para não afligir o coração no descendente declínio da minha estrela fulgente.
Às coisas dos homens comuns não perco tempo. Só aos que agem livremente sem preconceitos, e amam as coisas naturais do mundo.
Ser natural, é ser livre em igualdade de circunstâncias com a natureza, tão verdadeira como a liberdade, e a coisa mais importante sobre todas as outras coisas - amar.
O acto mais carnal é o amor, nem o sexual se lhe compara.
Um poderá ser imortal, o outro um momento monumental. 








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