quinta-feira, 12 de outubro de 2000

SAUDADES DA MINHA VILA





Vila Nova de Foz Côa


 
SAUDADES DA MINHA VILA




Rodeavam sorrisos de lábios afilados descarnados, outros grossos de sangue encarnados como pétalas bordados viçosos, semeados abraços de contornos apertados juntos ao peito de ternos impulsos que um dia se haviam acabado… 

Substituindo o riso do povo, pela cascata de água em queda livre num mero ímpeto de saltar o morro, aquando da minha saída… não quero lembrar esse dia.
Beiços de sorrisos que eu recordo com saudades, onde não vejo em mais nenhum lado do planeta, misturados em flores agreste ou vales de amêndoa florida alva sem idades, da mulher de vestidos preto na originalidade da terra, ou o homem transmontano de varias classes que vem da serra…
Sorrisos que me vão na alma, como colheres de mel tonificando minha calma, no silêncio do meu sentir, que me dão vida para continuar minha caminhada e sorrir… sorrisos dos meus sentidos, da paixão gravados e impressos como cachos de uva tinta, substituindo o sangue… colheita da minha vida, quase extinta.
Não importa se as estações do ano mudam, se o século vira e se o milénio é outro, se dificuldades surgem, se a idade avança; em lugar algum se chega, sem conservar a vontade de viver.













terça-feira, 12 de setembro de 2000

DAR E RECEBER



/EM VILA NOVA DE FOZ CÔA/





DAR E RECEBER



 
Nunca na minha vida tive tantos amigos queridos de Trás-os-Montes, e vi tão colossal desejo de viver, partilhar o meu interior, bombear o meu coração, distribuir amor, dar e receber, extinto sofrer de quem sabe amar. 
Quando sentimos na adolescência o despertar das atenções, que somos o amor centrado do sexo oposto contados pelos dedos da mão, que deixamos paixões por onde passamos, sentimos essas pessoas no coração. Embora sejam uma pequena vila no nosso mundo, elas são para sempre o infinito Universo de mim em tudo. 
Temos o coração quente inundado de calor, derretemos nuvens com nossos passos caminhantes de amor, voamos como angelicais seres da paz, transmitimos deslumbrantes sabores do sentimento voraz; caminhamos espalhando abraços e beijos de chocolate quente, saboreados como cacau doce que nos vão pedindo, apenas com a carícia do olhar. 
Somos abençoados, por termos a sorte de sermos amados apenas nas palavras e no contacto espiritualmente, onde nossos corpos se fundem na procura da eternidade em laços de amizade pura e áurea consistente, em sinal dos tempos que hão-de vir, não saber de tormentos, banir pensamentos… arrancar, permanecer entrelaçados viventes amantes de apaixonados paraísos - por saberem amar.







domingo, 6 de agosto de 2000

MORRER CORPO, VIVER NO OLHAR NASCER OUTRO



 /Vila Nova de Foz Côa, verão do ano de 1974, depois da Revolução do 25 de Abril./


Fui tomar banho na Ribeira com meus amigos da escola, e ao tentar atravessar para outra margem do Rio, me deu uma cãibra e fui ao fundo e me afoguei. Quando acordei me disseram que fui salvo por um moço que ali passara na Vila de Foz Côa e que nunca cheguei a conhecer. Coisa estranha... por isso deixo estas palavras em memorias desse tempo.





MORRER CORPO, VIVER NO OLHAR
NASCER OUTRO


I


Tentei mexer os pés, sacudindo as pernas, sentir os dedos como clichés aliviando os músculos sem sequelas, mas era impossível continuar ficando à tona da água a respirar… ainda tentei dar aos braços, mas uma cãibra e a corrente com seus tentáculos… parecia um polvo gigante com suas garras de peixe musgoso, arrastando-me para baixo como uma âncora de peso tortuoso, esgotando o tempo de respirar, alienando o cérebro… sonhador quanto baste, expulsando os bofes dos pulmões como um traste. Ao deslizar para o fundo do rio… vi-me a mim ir de olhos despertos, soltando bolhas de ar fino, antevendo no meu sonho antecipadamente inquieto o sonhar do meu afogamento…
… e paraísos de mil e um pensamentos repassaram do meu passado, mostrando imagens de vindouro transacto, fugazes dentre asas voadoras no interior duma bola de cristal, passando como um condor num raio futuro.


II


Ainda hoje penso que sonhei tanta realidade, e ao acordar do devaneio minha alma reencarnou… não sei se era realidade ou ficção, a ribeira corria livre mas sentia-me cativo como um sonâmbulo…
Ao desaparecer daquele lugar na minha inconsciência, senti-me calmo numa paz que não existia. Por um lado os seres sem sorrisos eram diferentes, estranhamente desconhecidos, ou tudo aquilo não existia; noutro quadro temporal eram todos amigos… sentados a conversar, como se o meu afogamento fosse a coisa mais natural naquela tarde. Que estranha forma de estar… apenas os olhares pareciam disfarçadamente indiferentes, embora naquela encosta de céu cinzento, tudo apontasse para ser um dia bem negro, de sol e nuvens num clima inexistente.

Um novo recomeço estaria em curso, sabiam daquela outra vida?
Ou aliviados por eu e eles estar de frente num olhar mudo, aliviados por de novo estar palpitante com tanta vontade de ressuscitar ou seria eu apenas espírito? 

Estava rodeado de amigos e namorada do liceu que ali foram tomar banho na ribeira em Agosto, mas a maneira como se comportavam pareciam coexistir noutra dimensão… como se minha alma tivesse duas vidas, uma que ficara no Côa para sempre e outra que retomava o caminho de regresso como se nada houvera acontecido. Nos dois revezes da moeda sentia-me um predestinado para qualquer desígnio que um dia se iria revelar, e o meu afogamento não teria sido obra do acaso porque o meu corpo fôra reclamado nas entranhas daquele Rio como se ali pertencera sempre a minha alma. A próxima vez sei que não morrerei de alucinação… e a sepultura não será uma ilusão, quando meu segundo espírito sair deste mesmo corpo embalsamado, e descansar num palmo de chão depois de cumprir minha missão ainda desconhecida nas terras provenientes do passado.


III


Que seres eram aqueles olhos de mistérios silenciosos, e a dor no peito… porque falaram do peregrino francês, buscar-me ao fundo do leito uma única vez?
Porque acordei sozinho na outra margem do rio a sonhar, ao sentir asas dentro do olhar, um vento fresco no rosto, que se esvaeceu de repente em Agosto… e a dor no peito que voltava sempre que o coração batia sem jeito?
Seria um anjo… que nome daria a um invisível asas de olhar manso?
Sonhei que em tempos fui um ser alado, de majestosa aparência, muito antes de se inventar o humano criado; a minha real descendência tinha como poder o fogo do dragão, que meus olhos brotavam como chispas de carvão, contra os inimigos de Deus, os demos belzebus e danados ateus.

Havia um olhar de uma criatura veloz que me amava como a vida e a morte juntos num só, possuída duma tal fragrância amorosa com olhos de arcanjo mágico protector, dentro de mim fixados na órbita, recordando gomos firmes de amar eterno…
A narração do Romeu e Julieta é um simples conto sem fama, duma história passada no planeta, ultrapassada e sem chama, comparada ao meu tempo de boreal aurora…



IV


Aquele romeiro invisível… foi sempre um estranho na vila, porque quem era ninguém sabia… e sempre que alguém ali passava de novo, o inventar daquele francês, de quem não era sapiente o povo, iam dizer o quê?
Então quem era, quem foi que me salvara o corpo?
Alguém com o rigor da ciência de um morto, que do fundo das águas me tirou do lodo, com uma precisão de eternos conhecimentos, como o sábio protector, guardando com fervor o viver do meu coração em movimento. Debruçado sobre meu corpo, alguém de forma transacta, humana, deitado vi um rosto e depois… nada. Caramba!
Aquele peregrino… e logo havia de ser francês, com tanto portuga em Portugal, naquele sítio onde tudo era português, ainda que aparecesse um chinês… não poderia ser um animal, uma estátua de cimento de Lisboa ou um homem com cornos ao vento em Foz Côa… eu que vivia ali há algum tempo, nunca vira se não gente de momento, a não ser Transmontanos… raios partam o francês! 



V


Com tanto mês nos anos… só queria saber quem era ele outra vez… gostava de o conhecer, ter a certeza que os ossos eram revestidos de carne, poder agradecer, encontrá-lo em qualquer parte, acreditar que aquele ser tinha alma e não passava como passará a ser para sempre… um fantasma.
Sou o mesmo corpo mas de alma diferente… ou a mesma mente e desigual tronco numa renovada corporação, sem que se meneie o olhar do coração. Que quantidade de espíritos tenho eu?
Se é só este que sobeja indiferente, então estou pronto meu Deus… ou viverei outras existências como um bronco, na sombra dum Golias, sem um pingo de sangue num ser imorredouro, quem serei eu noutras vidas?

Um vampiro que suga o sangue das suas vítimas?
Um mafarrico de tridente e rabo de diabo…
Um Frankenstein formado às tiras…
Ou um Cristo numa cruz pregado?


VI


Melhor seria ser eu, assim não sou mais nada mesmo, para além do ser dentro de mim, o fora aquele que também queria ser… e o nada eu da minha sombra.
Que caminhos ainda me quedam, que lugar me está reservado?
Sejam eles quais forem… que me restam, espero ter uma cruz onde possa repousar descansado, como um súbito alado de asas que não prestam, e consiga ficar deitado em paz,  donde estar, não ir no voltar novamente e adormecer minhas cinzas no leito das ondas do mar.
É de lá que brota toda a matéria, e é para lá o meu testemunho a quem eu quero retornar, porque se Deus quiser que eu volte... ainda que seja noutro corpo, tudo o que eu sou será mais perfeito através dos séculos.

Não escondo o desejo de ser um anjo na Terra com a missão Divina de cuidar, aperfeiçoando toda a raça que deixe de ser mortal para amar toda a vida humana.
 
Vive-se onde o sangue tem o cheiro da terra, perfume da vida eterno que me chama e me quer no seu leito.
Ao pensar… sou dali, quero voltar, e dali partir, deixei lá minha alma ao vento, mas quero ir com calma ao encontro do meu destino tenho o tempo todo do Mundo.
















quinta-feira, 6 de julho de 2000

SORRISOS




/Em Vila Nova de Foz Côa /
 
SORRISOS


Rodeavam sorrisos de lábios afilados e meios descarnados, outros grossos de sangue encarnados como pétalas bordados e viçosos, semeando abraços de contornos apertados, juntos ao peito de ternos impulsos que um dia se haviam acabado… 

Substituindo o riso do povo, pela cascata de água em queda livre num mero ímpeto de saltar o morro aquando da minha saída… não quero lembrar esse dia angustiante...
Beiços de sorrisos que eu recordo com saudades, onde não vejo em mais nenhum lado do planeta, misturados em flores agreste ou vales de amêndoa florida alva sem idades, da mulher de vestidos preto na originalidade da terra, ou o homem transmontano de varias classes que vem da serra…
Sorrisos que me vão na alma, como colheres de mel tonificando minha calma, no silêncio do meu sentir, que me dão vida para continuar minha caminhada e sorrir… sorrisos dos meus sentidos, da paixão gravados e impressos como cachos de uva tinta, substituindo o sangue… colheita da minha vida, quase extinta.
Não importa se as estações do ano mudam, se o século vira e se o milénio é outro, se dificuldades surgem, se a idade avança; em lugar algum se chega sem conservar a vontade de viver... eu amo estas gentes do Côa, e um dia quero ficar por lá adormecendo entre o sorriso deles...












terça-feira, 6 de junho de 2000

ENCONTREI O TEU CAMINHO







VILA NOVA DE FOZ CÔA


Esta chegada aos 16 anos seria uma partida, 
reencontro por intervalos de vida, encontro 
da minha chegada, reencontros da minha 
alma mais apaixonada – o meu caminho.


ENCONTREI O TEU CAMINHO




Encontrei o teu caminho…
Seguindo o asfalto negro por entre nuvens espessas, senti a cumplicidade da terra como se fora nascido dela… noutras direcções apaixonadas, cruzei-me com a lenda das sombras, passei muralhas de castelos, fiz o sinal da cruz ao passar igrejas em recônditos lugares, senti calafrios ao ver montes e vales rodeados de montanhas, algo familiar nada estranho às entranhas de mim no teu lugar.

Encontrei o teu caminho…
Eras tu que eu queria no meu sentimento mais puro, como um mistério belo e profundo de encantos fascinantes, cheio de amêndoas em flor, além do horizonte luzente.
Por isso te amo, como outro algures nenhum existido, ventre terra pó da minha vida.

Encontrei o teu caminho…
A tua escuridão me fazia parar junto da mulher que passava, mas o cheiro da terra dos montes e o orvalho perfumado, logo me fazia continuar na minha estrada à procura do teu coração conquistado. 
Outro encontro seria a razão do teu amor.
 
Encontrei o teu caminho…
Sozinho como uma estrela, no meio de nenhures na direcção do nosso sistema quente e alaranjado, encontrei o teu caminho, porque era vontade minha encontrar-te seguindo a tua sorte.
Sabia que a tua existência encontrou o meu caminho, e desconhecia se eras uma rosa ou uma nascente, uma lua cheia de luz, uma melodia, uma imagem e um silêncio numa ilusão…

Encontrei o teu caminho...
Sabia que fazias parte de mim, que sempre estivemos juntos, fazias parte de meu sonho, tinhas lugar no universo como uma estrela sozinha, única no mundo…
No palpitar, o sentir do coração ao olhar para o mar, recordar a razão de eu existir, viver no fundo do meu oceano por não te poder amar, as saudades do teu lugar vividos na ausência ao encontro do teu caminho.


Espera por mim.

Quero ir ao teu encontro, poder abraçar a terra que irá colher em seus braços meu corpo.
Não tenho hora marcada, mas meu destino é certo, vagueando meu espírito por vales e montes, encontrando teu caminho como um jazigo do céu sem contagem do tempo...




 











sábado, 6 de maio de 2000

ORIGENS DE TRÁS-OS-MONTES






ORIGENS DE TRÁS-OS-MONTES
     


Lá dos lados de Trás-os-Montes… será que o sol de outrora nasce todos os dias?

Dentre as montanhas que protegem esta Foz,  donde passa o Côa?

Será que foi o ninho das antigas origens, do elixir da longa vida?

Viajante das fórmulas do tempo, das raízes mágicas mescladas de espíritos ancestrais,
nossos antepassados?

Algo me diz que sim… viajante alma de mim.

















quinta-feira, 6 de abril de 2000

ALFERRAREDE



 
/Em Alferrarede/

ALFERRAREDE




Em plenas férias grandes… subia e descia aquela rua sem saída. Não era muito inclinada quem vinha da rua principal, era atravessada naquela direcção… pela estrada de alcatrão.
Subia e descia aquela rua passando pela porta de minha casa. Sem saída tornava-se  isolada. Passava ali as minhas tardes.
Brincava com uma miúda dessas idades, namorando com a inocência do olhar, correspondido na maneira meiga de falar.
E quando estava sozinho… sentado nas escadinhas do meu cubículo, olhava as estrelas, esses pequeninos emergentes pontinhos embrenhando meu delírio noturno. 
Passava um meteorito do outro lado da Terra e eu sonhava que era uma fada que vinha doutro mundo e me levava, voando junto com ela.
Esvoaçava, e eu sonhava olhar perdido, apenas um… à porta e à janela…  ali ficava perdido sem jeito nenhum.