quinta-feira, 9 de dezembro de 1999

RECREIO


/Cinco anos passados no Colégio Nun'Àlvares, Tomar, dos 11 aos 16 anos/




RECREIO














Um cantinho… um encanto de lugar, um agasalho do vento não menos que um abrigo, um retiro com olhar para o céu, o cantinho do nosso refúgio…
As recordações…
Por ser o nosso convento, esconderijo das nossas memórias, das saudades do nosso tempo, das tristezas e alegrias… o cantinho do nosso lugar.
Por ser a protecção dos nossos pensamentos, sem leis que nos prendam ou impeçam de sonhar, por ser um cantinho tão pequeno onde cabem todas as estrelas e água do mar.
Porque não somos fugitivos de nada, precisamos do nosso espaço, pensar nos dias que passam, recolher ao nosso mundo para nos sentirmos livres como o oceano e a Terra no ar.





sexta-feira, 5 de novembro de 1999

COLÉGIO INTERNO


/Cinco anos passados como Interno no Colégio Nun'Àlvares/


COLÉGIO INTERNO
Se transformarmos cinco anos em 60 meses, 1825 dias, 43 mil e 800 horas, 2 milhões e 628 mil minutos, 157 milhões e 680 mil segundos… o nosso tempo tem milhões e embora dele faça parte o milésimo, ocorrem milhentas coisas no segundo do mundo.
Cerca de mil alunos…
Era um mar de espécies e raças vividos com o contacto do dia-a-dia, experiências, histórias, vidas de África e outras ilhas, uma humanidade tão rica e diversificada dentro de uma prisão planetária, com a finalidade de aprenderem a ser homenzinhos num mundo melhor e se tornarem livres.
Mas como era isso possível na actualidade, se no tempo era ditadura, não havia liberdade e o futuro era um facho, uma mão no alto e uma falsa pintura…
Nunca me adaptei, e saudade é coisa que não sei, nem tão pouco repetir se voltasse atrás, renovar a idade, ninguém me convence, mesmo que prometessem que eu ia viver em paz, e voltaria a liberdade de quem sente, como Fernão Mentes Minto.















quinta-feira, 7 de outubro de 1999

LEITÃO






/NA MEALHADA/
LEITÃO


Casa na estrada, estrada nas casas...
Aqui, também morava na via pública, tal e qual a rua de um bairro com casas do lado e outro lado das casas, com uma pequena relva entre elas, e o movimento de carros e motas…
Algumas camionetas não ofereciam perigo, havia o jardim… e a rua era larga dos lados, embora um pouco tortas.
Havia o restaurante do mesmo lado, quando escapava de casa e seguia os carreiros do relvado, ia ver o dono à tardinha, cá fora, assar no espeto o leitãozinho de leite, rodando devagarinho o bichinho com todos os condimentos… besuntado de molhos até ficar tostadinho, deixando o gosto tremendo, do crescer água na boca.
Era muito amigo de meu pai, todos os fins-de-semana lhe dava um bom pedaço de leitão, e à mesa nunca comi coisa tão boa, tão gostosa, com todos os paladares do céu e da Terra, o verdadeiro manjar dos “Neves”, a companhia na família dos leitões.






sexta-feira, 3 de setembro de 1999

OUVIA AS ÁRVORES FALAR





/NA VILA DE TÁBUA/

OUVIA AS ÁRVORES FALAR






Esse pinhal era extenso, alto e denso, misterioso… 
Todo vedado com arame farpado, parecia um mundo novo ali ao lado.
Quando passava, pelo canto do olho procurava não olhar, mas era impossível resistir. Já antes ouvira as árvores falar e nos meus cinco anos de idade, com quatro e até com três, sempre andei comigo mesmo por sítios que era impossível imaginar…
Sentia protecção de algo que me guardava como anjo de asa.
Não sei se era da minha tenra idade ou da inocência da alma, eu tinha uma vontade para além dos olhos da humanidade, que me faziam caminhar ao encontro de lugares misteriosos e mundos naquele flanco, como esse pinhal.
Tudo me parecia normal, não sendo não era natural… mas eu gostava de ouvir as árvores falar, por isso, entrei… um portãozinho à medida do meu corpo, com a lista do coração e que nunca dera entrada a ninguém, nem presença de existir. 
Aquele lugar já não era um pinhal.
Olhei antes de entrar, para me situar da entrada daquele caminho, entre a minha casa e o interior daquela terra firme, ainda não explorada…
Então embrenhei-me floresta adentro com pouca claridade, raios de sol por entre as folhas, borboletas a esvoaçar reluzindo luz nos meus passos.
E então as árvores continuaram a falar…
Os ramos a dançar e as folhas brincavam ao vento e eu contente com tanta alegria, corria atrás das folhas que voavam, os galhos que me abraçavam rodeado de feixes de flores, os troncos que me transportavam com mil cuidados para não cair… e se aquilo era a beleza, o paraíso, o além do bosque… eu gostava do sítio, era tão divertido. 
E sempre que ali passava, ouvia as árvores falar…
Estavam a chamar uma voz que compreendiam.

Ali existia a eternidade, a perfeição, não havia o morrer nem a mudança de outra árvore, o cair da folha, o raiar de novo dia, mas precisavam de outra árvore para falar… para copiarem os sons da vida, criar ao nascer e sorrir no sonhar para haver mudança na criação, e o tempo não ficar parado. 













sexta-feira, 13 de agosto de 1999

RIO TINTO


/EM ERMESINDE/
RIO TINTO
  


Aquele riacho corria para baixo, era estreito dum lado a outro. O seguimento do leito desaguava a direito, não era torto… pouco largo - não minguava.

Aquele riacho ia por ali abaixo, ninguém o parava, corrente noutro, e doutro lado descendo, para onde? Pensei...
Mas logo soube que não sabia donde, correndo naquele sentido apertado, sei… logo vi que não se atrasava, não se perdia todo, nem era louco.
Aquele riacho fingido, tinha fama de histórico…
Reza a lenda, numa batalha sangrenta, entre o califa e um heróico conde… tingiu de sangue o rio, por saber quem era a falange, corria tingido… mas o nome…?
Emitiu um sapão com voz de maricão timidamente, e logo disse num tom fininho, rápido, delicado instinto – Riooo Tintooo!
Mandei um salto e assustei o sapo que deu um saltinho sem jeito… e fugiu.
Aquele riacho de Ermesinde, conhecido por Rio Tinto, era muito antigo… do tempo do Afonso Henriques que deu foro de couto a mil cento e quarenta e um, aquando da criação do reino com toda a protecção do mundo… 
E não é, que aquele nome do Rio Tinto de Ermesinde...!
Por ser elemento protegido do rei, extinto, quando o sol ali bate a uma certa hora do tempo, o Henriques que é do sul e sua a data da lei, a cor do rio passa a ter sangue azul…   



quinta-feira, 8 de julho de 1999

O JARDIM

 


/EM SEIA com 7 anos de idade/


O JARDIM





A casa onde vivia… modestamente inclinada numa via secundária, recebia em frente a estrada principal que seguia atravessada…
Para a direita a saída, na esquerda a entrada para a vila.
Ao virar da casa pela esquina, no lado direito havia um largo grande de terra direita, ao meio a rosas-dos-ventos indicando os pontos cardeais com a figura de um galo, e no final um muro esguio da minha altura que dava para o estradeiro, e de lá de baixo parecia muito alto. 
No lado direito, também era cercado por um tapamento de pedra e cimento que dava para me sentar.
Ao canto, uma entrada, com uma escadaria pegada ao muro, isolada do lado contrário para se pôr as mãos ao descer…
Dali se avistava um pequeno jardim rodeado de  árvores majestosas com vários caminhos cruzados entre si, como um labirinto, e ao centro uma estátua da cor do marfim.
Estava quase sempre vazio e no Outono completamente deserto…
Únicos indícios de vida, folhas caídas, e as minhas corridas cheias de alegria por ter aquele mundo só para mim.
Era só no Outono à tardinha quando vinha da escola que eu me sentia bem ali…
Ouvia risos como o meu e vozes cheios de segredos juvenis, escondendo-se nos cantos do jardim, enquanto ouviam a contagem dos números num cântico celestial até cem, e eu via tantos meninos como eu sorrindo e brincando comigo também; eram dois mundos, o meu e o deles juntos num só…
De repente, ao parar ofegante no centro do jardim, o menino de pedra naquela estátua, olhava de frente para mim, com umas asas que não voava, olhos tão tristes que até magoava, um jorro de água fina que pela boca ia, uma perna encolhida e outra pousada como se tivesse acabado de chegar, uma mão estendida e outra no descanso do ar…
E as outras crianças que vinham atrás de mim, também pararam, e ao seguir o meu olhar num silêncio profundo bafejando, sentiram a angústia daquele lugar… daquela estátua e daquele garoto, que era rapaz moço… Arcanjo.
Então, um deu a mão, outro pegou, automaticamente outro imitou, eu juntei meu coração, e todos juntos num círculo, fechámos nossa visão, concentrámos nossas mãos naquela estendida que há tanto tempo esperava outra mão amiga.
Quando descerrei minhas pálpebras, meus olhos viram o menino de asas pequeninas ser abraçado por outros meninos… com um sorriso de amor beijando meu sorriso de mão estendida.
Feliz, veio me abraçar, puxando-me na sua corrida para brincarmos à escondidas na companhia de outros meninos, fantasmas... e anjinhos de asas branquinhas.








terça-feira, 1 de junho de 1999

MANTEIGAS



/DE SEIA A MANTEIGAS/


MANTEIGAS


 
Em Manteigas, na janela do meu castelo cercado de montanhas mágicas, príncipe do reino encantado no mais lindo sonho de criança,  sonhava que o infinito cujo teto o meu dedo alcança, vivia na poesia da noite em versos de fantasia eternamente prisioneiro do olhar, o Universo de pernas pró ar, brincando com as estrelas na palma da minha mão.
Quando regressava ao entardecer de volta a Seia, atravessando a Serra, murmúrios de alma voavam através do vento, de encontro ao chamamento pelas vozes do firmamento, profundo reino do meu ser… mundo oco adormecido.





quinta-feira, 13 de maio de 1999

SERRA DA ESTRELA



/DE SEIA A MANTEIGAS/



SERRA DA ESTRELA




Me dava a sensação de um pequeno planeta dentro de outro, como se tivesse embatido na Terra, espalhando as enormes rochas e cavando fundos vales por entre montanhas majestosas e imponentes, e vertentes com alturas incomensuráveis…
Seres que ali viveram enormes, gigantes daqueles planaltos, destruídos pelo desgaste que os mundos atingem, aquando fora de órbita saem do seu próprio sistema.
Ao nosso planeta acontecerá o mesmo fenómeno, ao dar a volta anual sobre si mesmo, saindo a pouco e pouco do nosso sistema solar, a gravidade será sugada e será grave para todos nós…
Até lá, que outros planetas sejam descobertos e povoados no universo de raça humana.

Outras raças se fundam para a inteligência renascer no cosmos como ciência da vida, e a sobrevivência dos seres no mundo ainda que não seja posta em causa, a energia que há na Terra seja uma fonte de novas esperanças.
Uma imitação de novos mundos que hão-de vir, gerar novos filhos e misturar novas raças, para Deus prevalecer e o amor não conhecer fronteiras que o impeçam de habitar novas alamedas e esquinas do futuro traídos pela fé.














sexta-feira, 9 de abril de 1999

A SERPENTE







(DE SEIA  À SERRA DA ESTRELA ATÉ MANTEIGAS)

A SERPENTE



Descia o vale da serra naquela tarde calma de verão, em pressa moderada. 
Minhas imagens velejando ao vento na velocidade da luz… iam e vinham, voltavam atrás, e chegavam antes de lá chegar, pelo meio paravam... retrocediam ao começo da viagem, mal podia esperar, e já antes a tinha inventado nas fantasias de Manteigas com algumas inclinadas beiras, e eu vinha sempre de Seia. 

Fazia o percurso em dúzias de viagens pelas mais variadas curvas, pelo caminho da estrada, e de repente – atravessada no pavimento alcatroado, com mais de três metros de dimensão, passámos por cima do gigante bicho, que sem querer não era esperado, ficou com a cabeça esmagada, pelas rodas do camião.
Parámos mais à frente, recuámos, fomos ver o animal, mas nada havia a fazer, devia estar a morrer com falta de água, e por estar a delirar nada fez para se desviar… 

Devia estar a sonhar com o mais belo lago, que havia na sua miragem, nos pensamentos de olhos turvos, do calor imenso daquela tarde que criava espelhos no asfalto com imagens mirabolantes, e a temperatura elevada levantava através da estrada de alcatrão, as figuras e histórias que eu sonhava.
Fiquei triste com o acontecimento daquela serpente… 
Era como se faltasse qualquer coisa nas paisagens daquela serra, e tudo que lá estava, eu amava como se fizesse parte da inóspita e acidentada terra… 
Como alguém de família desamparada nos deixasse pelo viver destas silvas, o dia que não pode passar sem a hora marcada, para além da vida e da morte… o destino.















sexta-feira, 5 de março de 1999

REVISTA “AOS QUADRADINHOS”



/EM LEIRIA/

REVISTA “AOS QUADRADINHOS”



Era uma tarde de verão… de calções e sandálias, caminhava com um chupa-chupa na mão com sabor a limões, fazendo sempre o mesmo trajecto, ficando à porta da mesma loja com a intenção de ganhar coragem para surrupiar uma revista do Pato Donald... já que não tinha cinco paus para a comprar. E assim andava há uns dias perdendo essa mesma coragem na hora de agir, adiando... adiando... mas não sei porquê algo me dizia que era hoje... com a idade de cinco anos, iria perpetuar a minha aventura e o meu maior atrevimento para sacar o meu primeiro amor aos quadradinhos.


À porta duma papelaria (sempre a mesma), olhava maravilhado para os livros de banda desenhada pendurados, e como de costume não tinha uma moeda sequer de entrada para levar o que eu tanto consumia com os olhos e a alma para sonhar em cima da cama com os meus  herois da Disney que eu tanto amava e vivia como se fossem reais.


Peguei num, desfolhando as folhas, espreitando o empregado pelo canto do olho, com o balcão cheio de pessoas.
Todo eu tremia por dentro, com um fogo que me consumia.
Não sabia se tinha coragem e talento para fugir… o desejo era tanto ir, mas os pés colados ao chão não queriam seguir viagem, e meu olhar febril, disfarçado dum lado para um e outro, seguiam o funcionário e o livro…

Estava prestes a correr, quando de repente... seu olhar entrou no meu de frente. Senti um tiro cá dentro da fronha e pensei que ia morrer de vergonha… 
Todo a tremer, coloquei a brochura aos quadradinhos no sítio sem ver, de pernas para o ar sob olhar do indivíduo furioso; senti um ardor no miolo e um pingo de mijo saindo pelo escroto. 

Abanou a cabeça, com as mãos nas ancas me desafiando…
Eu entendi com tristeza, sem tirar os olhinhos das bancas e do dono da loja, endireitando os “quadradinhos” colocando no lugar a que eles pertenciam com o pretexto de ganhar tempo e fôlego...
Desta vez mexeu o rosto de cima para baixo, como a dizer que desta vez escapo; e já mais descontraído com outro cliente e um sorriso, convencido do meu arrependimento e da minha cara de anjo...


Foi uma fracção de segundo… ele ficou distraído, e eu arranquei amarrotando o rosto do Tio Patinhas naquele ouro todo a toda a velocidade tal era a força dos meus dedos, que os calcanhares me batiam no rabo e me faziam soltar gazes no meio daquela adrenalina toda.
Como uma seta fui parar à esplanada do jardim, misturando a minha magra figura no meio da multidão que passeavam à sombra das árvores para fugirem do calor que abrasava na cidade de Leiria.
Ainda o ouvi a gritar muito ao longe repetindo "agarra que é ladrão!!!..."mas nunca mais me pôs a vista em cima...
Nem a mim, nem à revista, porque eu já ia em sentido contrário chegando perto de minha casa e ele meio perdido no jardim à minha procura.

É verdade que nunca mais lá passei com medo do dono da loja, e também não tinha necessidade porque havia mais livrarias e mais revistas aos quadradinhos noutros lugares, felizmente...











quarta-feira, 17 de fevereiro de 1999

A MÃO DE DEUS






/EM POVOA DE LANHOSO/
A MÃO DE DEUS



 
Finalmente o sol de verão.
No alto da vila, vivia na quinta de uma senhora “beata” e de uma gata falsa de estimação, que de tempos a tempos ficava estranhamente assanhada, o pêlo eriçado como um ouriço-cacheiro e umas garras de unhas curvas como ameaça, dando saltos e gritos estridentes mal me viam passar à sua caça.
Tinha um curral com porcos, capoeira com galos e galinhas, uma casa de rede com frangos e patos soltos, perus e pombas cheia de aves pequeninas, que mais parecia um zoológico cheio de cabras e borregos e ovelhas pisando a caca, e até um saguim - macaquinho de África e todos os animais domésticos que havia… parecia que vinham desembarcados da arca de Noé.
Eu acompanhava e ajudava maravilhado à alimentação daqueles animais e seguia a senhora para todo o lado… e para a igreja do senhor padre em oração.
À tarde, com outros miúdos da minha idade, me levou um dia à casa do Senhor para aprender todos os actos, rezas e contrições do pastor.
E não é que eu me pus a dizer e a cantar padre nossos, ave-marias e todas as rezas da missa sem ver… nem ninguém me ensinar...?
As pessoas exactas daquele meio, o senhor prior e as senhoras beatas que nos contavam histórias de amar, entre si olhavam com grande admiração e uma adoração de para mim olharem.
Como era possível acontecer?
Alguém tão pequeno e que nem sequer ainda sabia ler, saber todas as palavras de amor do homem que andava em cima do mar…?
A verdade, é que sentia algo meu, belo e inocente como se tivesse Deus dentro do “eu”, da minha mente. Olhava para a natureza como se visse a primeira maravilha do mundo, adorava o entardecer das tardes pelo ouro do sol amarelo e amava a incandescente luz do sol poente raiar, o momento do dia em que a estrela de calor se põe no horizonte e a luz do sol na meia-noite me punha a sonhar…
Eu, adorava aquela terra, e os milagres sonhavam e aconteciam dentro do meu ser como se fora abençoado… o mundo era o meu amor de criança, amar e ser amado.


domingo, 17 de janeiro de 1999

GARRAFA DE CHOCOLATE




/EM OLIVEIRA DE AZEMEIS/
GARRAFA DE CHOCOLATE



Não sei porquê… guardo na memória a imagem duma torre com um relógio que me faz lembrar o “Clock Tower” presente, torre com uma parede amarela de cimento e areia, pintada de fresco recentemente, fazendo lembrar um edifício alto, estreito e fortificado como uma fortaleza, embora tantos anos passados não saiba se foi sonho ou realidade ou sonho na realidade… /castelos, damas e cavaleiros de armas./

Ruas largas onde se podia andar à vontade cheia de árvores, porque passava um motor com rodas pesadas, uma pasteleira ou uma carroça de carga atulhada, numa outra dimensão numa rua fantasma com um banco sozinho.
Não sei porquê… talvez, porque no sítio onde morava, descia umas escadas de pedra com degraus certos e os muros de lados coloridos bonitos, descendo direitos em ziguezagues na vertical, e ao fundo virando para o passeio da esquerda, eu seguia em frente de mão dada à leitaria da esquina, para beber minha garrafa de chocolate que eu tanto gostava e da impaciência que levava, mal podia esperar o momento.
Não sei porquê… ao sair, lembro-me apenas da rua larga, as mãos quentes de minha mãe, o sol e o sabor fresco do chocolate…
E isto foi realidade, por minha única vontade alterada no tempo, porque agora ao beber outra garrafa de chocolate, recordo o tempo certo na leitaria da rua larga, do tempo antigo que eram tempos do tempo agora moderno, do último dia sempre o primeiro.
Não sei porquê… foram poucos meses passados com a minha idade pequena, muita coisa não deu para recordar, talvez se um dia lá voltar…

Por enquanto, metade é sonhar na realidade doutros sonhos, outra metade é viver no âmago da minha essência, da pureza de meus sentimentos, e outros são inteiros fora de alma, partes incertas de fracas paragens quando me vou daqui embora, e regresso a mim, àquilo que sou, ao meu íntimo como um feto em gestação, ao lugar que mais gosto, à minha posição… ao bater do sentir meu coração.