quinta-feira, 6 de julho de 2000

SORRISOS




/Em Vila Nova de Foz Côa /
 
SORRISOS


Rodeavam sorrisos de lábios afilados e meios descarnados, outros grossos de sangue encarnados como pétalas bordados e viçosos, semeando abraços de contornos apertados, juntos ao peito de ternos impulsos que um dia se haviam acabado… 

Substituindo o riso do povo, pela cascata de água em queda livre num mero ímpeto de saltar o morro aquando da minha saída… não quero lembrar esse dia angustiante...
Beiços de sorrisos que eu recordo com saudades, onde não vejo em mais nenhum lado do planeta, misturados em flores agreste ou vales de amêndoa florida alva sem idades, da mulher de vestidos preto na originalidade da terra, ou o homem transmontano de varias classes que vem da serra…
Sorrisos que me vão na alma, como colheres de mel tonificando minha calma, no silêncio do meu sentir, que me dão vida para continuar minha caminhada e sorrir… sorrisos dos meus sentidos, da paixão gravados e impressos como cachos de uva tinta, substituindo o sangue… colheita da minha vida, quase extinta.
Não importa se as estações do ano mudam, se o século vira e se o milénio é outro, se dificuldades surgem, se a idade avança; em lugar algum se chega sem conservar a vontade de viver... eu amo estas gentes do Côa, e um dia quero ficar por lá adormecendo entre o sorriso deles...












terça-feira, 6 de junho de 2000

ENCONTREI O TEU CAMINHO







VILA NOVA DE FOZ CÔA


Esta chegada aos 16 anos seria uma partida, 
reencontro por intervalos de vida, encontro 
da minha chegada, reencontros da minha 
alma mais apaixonada – o meu caminho.


ENCONTREI O TEU CAMINHO




Encontrei o teu caminho…
Seguindo o asfalto negro por entre nuvens espessas, senti a cumplicidade da terra como se fora nascido dela… noutras direcções apaixonadas, cruzei-me com a lenda das sombras, passei muralhas de castelos, fiz o sinal da cruz ao passar igrejas em recônditos lugares, senti calafrios ao ver montes e vales rodeados de montanhas, algo familiar nada estranho às entranhas de mim no teu lugar.

Encontrei o teu caminho…
Eras tu que eu queria no meu sentimento mais puro, como um mistério belo e profundo de encantos fascinantes, cheio de amêndoas em flor, além do horizonte luzente.
Por isso te amo, como outro algures nenhum existido, ventre terra pó da minha vida.

Encontrei o teu caminho…
A tua escuridão me fazia parar junto da mulher que passava, mas o cheiro da terra dos montes e o orvalho perfumado, logo me fazia continuar na minha estrada à procura do teu coração conquistado. 
Outro encontro seria a razão do teu amor.
 
Encontrei o teu caminho…
Sozinho como uma estrela, no meio de nenhures na direcção do nosso sistema quente e alaranjado, encontrei o teu caminho, porque era vontade minha encontrar-te seguindo a tua sorte.
Sabia que a tua existência encontrou o meu caminho, e desconhecia se eras uma rosa ou uma nascente, uma lua cheia de luz, uma melodia, uma imagem e um silêncio numa ilusão…

Encontrei o teu caminho...
Sabia que fazias parte de mim, que sempre estivemos juntos, fazias parte de meu sonho, tinhas lugar no universo como uma estrela sozinha, única no mundo…
No palpitar, o sentir do coração ao olhar para o mar, recordar a razão de eu existir, viver no fundo do meu oceano por não te poder amar, as saudades do teu lugar vividos na ausência ao encontro do teu caminho.


Espera por mim.

Quero ir ao teu encontro, poder abraçar a terra que irá colher em seus braços meu corpo.
Não tenho hora marcada, mas meu destino é certo, vagueando meu espírito por vales e montes, encontrando teu caminho como um jazigo do céu sem contagem do tempo...




 











sábado, 6 de maio de 2000

ORIGENS DE TRÁS-OS-MONTES






ORIGENS DE TRÁS-OS-MONTES
     


Lá dos lados de Trás-os-Montes… será que o sol de outrora nasce todos os dias?

Dentre as montanhas que protegem esta Foz,  donde passa o Côa?

Será que foi o ninho das antigas origens, do elixir da longa vida?

Viajante das fórmulas do tempo, das raízes mágicas mescladas de espíritos ancestrais,
nossos antepassados?

Algo me diz que sim… viajante alma de mim.

















quinta-feira, 6 de abril de 2000

ALFERRAREDE



 
/Em Alferrarede/

ALFERRAREDE




Em plenas férias grandes… subia e descia aquela rua sem saída. Não era muito inclinada quem vinha da rua principal, era atravessada naquela direcção… pela estrada de alcatrão.
Subia e descia aquela rua passando pela porta de minha casa. Sem saída tornava-se  isolada. Passava ali as minhas tardes.
Brincava com uma miúda dessas idades, namorando com a inocência do olhar, correspondido na maneira meiga de falar.
E quando estava sozinho… sentado nas escadinhas do meu cubículo, olhava as estrelas, esses pequeninos emergentes pontinhos embrenhando meu delírio noturno. 
Passava um meteorito do outro lado da Terra e eu sonhava que era uma fada que vinha doutro mundo e me levava, voando junto com ela.
Esvoaçava, e eu sonhava olhar perdido, apenas um… à porta e à janela…  ali ficava perdido sem jeito nenhum.


















segunda-feira, 6 de março de 2000

SOZINHO







/Em Tomar, Colégio Nun'Àlvares/





SOZINHO





Aos 11 anos de idade, no Colégio de Tomar, ouvia os risos que enchiam o pátio de recreio e sofria dessa dor sem nome de sentir a vida muito mais cedo do que os outros sentem.
É certo que lutava para compreender o menino triste, insensível à agitação em torno. Sabia que tinha medo do rumor que ouvia, mas também tinha medo do silêncio que devora.
As árvores dormiam como ilhas perdidas na sombra, e os minutos a passar como asas lançadas no espaço febril da minha insónia.
A solidão acorda tão fundo em meu espírito, que a certeza do vazio que demora, preenchida traz minha tristeza, e logo vem ao meu pensamento que minha liberdade está perdida.






















domingo, 13 de fevereiro de 2000

ALMOÇO NA SERRA




/ EM CASTELO DE PAIVA/

ALMOÇO NA SERRA




Num dos dias na Serra da Freita, para os lados de Castelo de Paiva, acompanhei meu pai na montagem de uma linha, era difícil e perigosa a subida, e a profissão de guarda-fios os heróis daquele dia, numa altura que fazia tremer o interior de qualquer coração. 
O dia continuou, e chegando a hora do almoço, com lenha apanhada no monte, pau grosso, se fez uma bela fogueira, e numa panela preta de ferro ferreira, se fez o melhor cozido da minha vida na Terra. Comeram várias pessoas, e se não era dos ares da serra, era da panela que ainda serviu para além das carnes de porco, boas sopas…

Um dos ajudantes do motorista (meu pai), lhe deu a vontade, e atrás de umas silvas se foi aliviar. E pegando numa pedra parideira para se tentar limpar, eis que manda um grito que fez assustar a serra inteira… 
Meu pai teve de o conduzir ao hospital, porque um lacrau que estava debaixo da pedra de granito lhe fez um “pico”, mesmo no centro do refugo… e o coitado não parava com tanta dor no cujo…

Ele bem sabe que a culpa não foi do cozido, nem do belo apetite, nem sequer do alívio… mas sim da falta de papel e daquela pedra que tinha um doloroso espinho.

Dissera ele mais tarde:

- Maldita a hora que lhe dera ali a vontade de repente!
E
stivera quase a fazê-lo de um penhasco… mas como era muito o frio do vento, receou ficar constipado.
Às pedras nunca mais vai voltar, e muito menos as calças arriar… porque isto de ser picado, ninguém gosta, e muito menos naquelas partes onde ninguém se pode descuidar.




Nunca gostei tanto de sorrir ao comer boa comida, e deitar mão à barriga como uma criança de pião, perdida de tanto rir com o pico do escorpião.














segunda-feira, 17 de janeiro de 2000

A ESPERA


/ Colégio Nun'Àlvares em Tomar/


A ESPERA



 
Alguém sabe o que é sair de casa com 11 primaveras para ir estudar num colégio interno, vivendo mil esperas, ficar enclausurado durante outros cinco anos, viver numa prisão que é o inferno? 

Vivemos o tempo como se fora dos moiros fechados num castelo, alimentados com arroz e porrada… tendo a espada como martelo e a dureza de ser caloiro, andando com uma coroa e os espinhos de um judas mal amado.
Ficamos por nossa conta… sobreviver à sombra de quem é mais forte, sonhamos vir embora a toda a hora à espera de uma qualquer sorte, que nos batam à porta… caramba!
Como uma espécie de lotaria sem engano, noite e dia durante a semana, todo o ano. 

Somos possuídos de uma tal coragem que nós próprios ficamos admirados com tanto sangue frio, uma revolta interior que parece adormecida… produto da violência que nos moldou, um coração gélido e duro mas não insensível, se a parte intocável que há dentro de nós não se quebrar…

Espero a hora do recreio, o fim da aula, a hora de jantar, horas incontáveis, esperas intermináveis, a hora de dormir, sonhar… acordar em casa.