quinta-feira, 12 de abril de 2001

DEUS, SOMOS TODOS NÓS




EM RIO MAIOR/



DEUS, SOMOS TODOS NÓS




Ao Amor eu chamo Deus,
a Deus eu chamo Amor.
Quando eu deixar de existir?
Deus também morre…

 
Quem falará em Amor
se em vez de humanos vazio ou morte…
está nos nossos corações,
a criação é nossa
e o pecado nossa dor.


Diz-se: Deus não é mau,
não criou o mal…
também não criou tudo que é abismal.
Apenas o que não tem explicação,
porque o amor é universal.


A Deus eu chamo Amor,
ao Amor eu chamo Deus,
Deus somos todos nós,
enquanto houver Amor.




















segunda-feira, 12 de março de 2001

ACREDITE QUEM QUISER VER E OUVIR SE SOUBER







Baixa da Banheira, verão do ano 1980.


ACREDITE QUEM QUISER
VER E OUVIR SE SOUBER
 
 “O que mantemos oculto é responsável por atrair os outros até nós”
Hospedado na Baixa da Banheira, morava num 1º andar.
Dormia num quartinho, tapado apenas por uma cortina branca transparente que dava para a sala de estar. 
A única porta, ficava ao meio do recinto a cinco metros da minha cama e dava para a varanda, iluminada por um candeeiro de rua. 
Naquelas noites de verão, bem quentes, era costume deitar-me às duas horas da madrugada. 

O calor era muito e o andar muito quente. 
Subi as escadas, abri a porta sem fazer barulho, e no corredor passei pelo quarto da senhoria que dormia. No dia seguinte, de comboio para Palmela, começaria mais um dia como escriturário-dactilógrafo no Estaleiro da Subestação, EDP. 
Ao deitar-me, tapado com um lençol branco, virei-me para o meu lado direito e quando me preparava para adormecer – ouvi uns murmúrios esquisitos por cima de meu rosto, e ao mesmo tempo indescritíveis, porque não os consigo descrever com exactidão por palavras. 
Só ouvindo e vendo como eu presenciei naquela noite, sente-se sem saber como, que estamos perante um mundo dentro de outro mundo, que há vida para além de outras vidas, que há um lugar melhor e outros piores - bem negros.
Olhei para o alto, e dezenas de vultos fantasmagóricos todos de negro, esvoaçavam por cima de minha cabeça andando às voltas uns dos outros, delgados e ondulantes como se estivessem dentro de um tecido preto, virando e revirando de direcção com uns olhitos esquisitos, única prova do que parecia ser humano errantes de um andar perdidos, tal e qual como se imita o terror.


Não se calavam… e se aquilo era falar, tinha qualquer coisa de sinistro, pareciam murmúrios em tom de protesto mas não entendi nada. 
Que arrepio… mesmo que falassem um de cada vez, com o susto que eu estava, parecia-me diferente das chinesices… e se vozes não eram, além… eram sílabas com espinhos e silvas, esquisitices… perplexo com o que se estava a passar, belisquei-me. 
Estava mesmo acordado. 
Ao olhar para a sala, vi também toda de preto, sentada de frente, olhando para mim, um corpo forte e um rosto vazio… sem olhos, uma cavidade profunda, a boca do inferno… talvez, donde saíam por certo aqueles espíritos inquietos.
Era exactamente os contornos e a figura da senhora (médium) que dormia num quarto ao lado do corredor. 
Fiquei ainda mais arrepiado, e acho, que naquele momento me podia ter caído qualquer coisa ao chão da cama, se não estivesse pendurado o meu medo interior…
Tapei-me com o lençol e adormeci lá não sei quando... com um zumbido no ouvido, tal e qual um barulho dum insecto vivo rondando, maior que um gigante moscardo negro, menor que o espírito preto.












segunda-feira, 12 de fevereiro de 2001

A BUSCA DA ETERNIDADE





/EM SANTARÉM/


A BUSCA DA ETERNIDADE





"Sentindo o vermelho viscoso queimado, um calor no corpo todo, foi como se tivesse atirado, deitado a alma fora no ar solto. Caí em cima da cama, adormeci num ápice tal e qual, perdi os sentidos e vi uma iguana… 


Senti uma chama como fogo devorando meu espírito, voltando à minha posição fetal, todo encolhido, sob o olhar do camaleão... lambendo minha mão.
Sonhando, ou vivi, dei de caras com a minha personagem, com o rosto de mim.
Estava ali à minha frente na imagem…e então vi… éramos dois iguaizinhos a um, se tirasse o real por entre o sonho, ficava a realidade a sonhar e um de nós não via outro nenhum, a não ser fantasia no olhar sem rosto clivado como um ombro, com olheiras negras… de meter medo ao espelho das incertezas – um monstro.
Viajando dentro do corpo, o sangue correndo de artérias viscoso assisti quase morto à seiva subindo e descendo naqueles vasos esponjosos, de tanto encarnado porosos inundando toda existente ramificação, pulando vivo cem por cento no ribombar ensurdecedor do coração batendo na sombra… como o tambor da bateria no som “baixo” nada “grave” e violento, como uma bomba.
Viajando fora do corpo, elevando minha alma lá no alto, via-me deitado na companhia de mais corpos, todos cheios de estrelícias dourados, da família dos musáceos como cachos soltos.
Meu espírito observando também sonhava, estava sob efeito na forma de anestesia, e nunca pensou que algum dia sua espiritualidade se embriagava, mesmo apartado da matéria viva.
Vivi sonhando, morri vivendo de vez em quando…"


«««


Acordei pensando no sofrimento voltando aos meus sonhos vivendo. Vivo o anormal, e não consigo estar acordado se fujo do que não gosto… o mundo é demasiado evidente, tosco e pachorrento.
Quero dormir o sono eterno da saudade, tudo o que eu vivi quando fui amado.
Sonho que estou a ser embalado pela espuma doce do mar, morro nascendo no passado insano…
Com o sangue fervendo - não quero acordar, mas o choque da fatalidade que me cerca, e o que sendo não sou, é uma verdade insofismável, e desperto como um amofinado da morfina para voltar desinteressadamente à minha forma rotineira... 


O que me mantém vivo nem eu sei porquê, senão a espera contínua do desconhecido aventureiro suicida. A  minha salvação se é que ela existe, reside apenas num principio comun e banal - ser compreendido. Parece ridícula esta palavra como ridícula é a minha vida aos dezanove anos, depois de sair da terra e das pessoas que mais amei, substituídas por outras que possuí e deitei fora sem me aperceber da indiferença dos meus actos.



A mudança que eu tanto anseio, a compreensão que espero de Deus, será o descanso da minha alma junto dos seres que se encontram no abraço da sua eternidade... o desejo e o encontro onde reside a minha felicidade.



















sexta-feira, 12 de janeiro de 2001

CIGARRO, REFLEXÃO E CATARRO






CIGARRO, REFLEXÃO E CATARRO



Quantas dessas vezes as saudades matavam e a solidão feria, ainda que esse amigo por entre os dedos, de coração vazio, quisesse substituir a necessidade de um beijo ou um carinho de um abraço materno, no meio de pensamentos e nostalgia de afectos. 
Ao começar a fumar, mostra-se aos outros que temos um cigarro e somos homens ao soprar fumo pró ar. 
Depois cigarro atrás de cigarro, já não importa o que se fuma nem a arte de se mostrar, porque o vício a nós, está agarrado.
Por fim, fumar é um vício danado, é um prazer ao começar e um inferno para largar. Todo o mundo sabe fumar.
Mais depressa se está perto de falecer de que o tempo que se vive não ter.
È como no último acto de amor, ter prazer para não mais viver… aproveitar o último suspiro do dia, e coabitar tudo que nele contém vida antes de morrer.
Comecei aos 12, e aos 35 anos tive juízo, e deixei de fumar.
Costumo dizer, que este, foi o acto mais inteligente que alguma vez resolvi tomar e porque em vez de fumar, resolvi pensar.










domingo, 24 de dezembro de 2000

RITUAL





/EM VILA FRANCA DE XIRA/
RITUAL


Por vezes, sentia-me dividido, partes confusas, tudo andava depressa no meu espaço, as horas do dia eram escassas e as da noite diminutas, insensatas, para o ritmo que levava.
Pisava o chão como se estivesse minado de agulhas, nunca fui capaz de permanecer na duração do sítio inventado…

E as horas passavam nos segundos, como a máquina do tempo à volta do mundo…
Eu não tinha paz no minuto, e os anos da juventude eram sempre frescos, irresistíveis para quem se aproximasse, rostos que eu amava com a entrega do ser, passavam como o vento, não davam descanso para ver a idade.

Um dia seriam a desgraça, quando quisesse parar… onde devia estar e a quem tinha feito a promessa de encontrar a verdade no amor.

O sol era o meu relógio e a lua o esquecimento dos bafos quentes, dos panos amarrotados no chão da cama, dos gemidos profundos em intermináveis paredes desconhecidas, dos corpos reunidos em braços e pernas encolhidos, das vozes que faziam promessas sem sentido, na podridão do sentimento vivido depressa.

Não tinha pressa de viver, mas momentos vividos valiam uma vida sem nada ter pedido, não tinha hora de chegada nem de partida, andava um pouco à revelia da liberdade, sem sentido, meus passos não tinham contrato efectivo, era abstracto e desconhecido e o mundo demasiado fácil, e a minha vontade fraca no querer parar, e forte no dominar.











domingo, 12 de novembro de 2000

SUBESTAÇÃO DO PORTO ALTO


/ANO DE 1977 - PORTO ALTO/




SUBESTAÇÃO DO PORTO ALTO










Cheguei a este Bairro, vindo de Santarém, e apesar de ser uma mini aldeia com jardins, árvores de fruto e nove famílias… um mini paraíso naquele silencioso Verão de Agosto… o vazio angustiante que já existia originário algures na partida de Foz Côa, nesse dia dessa nova chegada, senti dentro de mim esse espectro que eram aquelas montanhas e amendoeiras floridas, o leito do rio Côa, cama eterna da minha alma, e o perfume da terra que tantas vezes deixei cair por entre os dedos, sentindo-a na pele como o sal da vida, que dava existência aos batimentos do meu coração. 

Cada chegada é o novo começo de uma nova partida, o sentimento de uma nova paixão, a saudade no olhar de um novo apartar, amar com a mesma vontade as ondas do mar em cultos do amor em prazeres sem fim, porque a chegada e a partida são os lugares da minha terra, é a minha vida.

E eu continuava a viver de recordações, de pesadelos no sono, de paragens existenciais vivendo e morrendo vezes sem conta…


E eu vivo porque tenho a esperança de um dia regressar à minha casa em forma de cruz e soltar meu corpo pregado naquelas tábuas, acabar com as saudades ao voltar à terra onde estão as gentes do presente e as vozes dos que já são passado, poder falar em silêncio com as almas e recordar com os vivos o amor que nunca nos tem abandonado, e poder gritar a Deus que nesse dia estarei em paz e preparado para partir, que me encontro no lugar donde nunca devia ter saído.

*




Eram dez famílias e os mais novos eram levados na carrinha para o liceu de Vila Franca de Xira e as senhoras iam às compras conduzidas pelo meu pai que era o motorista.
Todos os funcionários tinham lá casa, uma horta com cebolas, batatas, alhos, alfaces, morangos, couves, uvas, etc, todo o ano, e um recinto para criação de frangos, patos, coelhos, pombos, uma cantina com bens essenciais, um bar, uma sala de jogos (ping-pong, matraquilhos, damas, xadrez, cartas etc), e ainda uma biblioteca e uma piscina. Dentro do próprio bairro tinha dezenas de laranjeiras (baía), limoeiros, maçãs reinetas, e um damasqueiro gigante.











quinta-feira, 12 de outubro de 2000

SAUDADES DA MINHA VILA





Vila Nova de Foz Côa


 
SAUDADES DA MINHA VILA




Rodeavam sorrisos de lábios afilados descarnados, outros grossos de sangue encarnados como pétalas bordados viçosos, semeados abraços de contornos apertados juntos ao peito de ternos impulsos que um dia se haviam acabado… 

Substituindo o riso do povo, pela cascata de água em queda livre num mero ímpeto de saltar o morro, aquando da minha saída… não quero lembrar esse dia.
Beiços de sorrisos que eu recordo com saudades, onde não vejo em mais nenhum lado do planeta, misturados em flores agreste ou vales de amêndoa florida alva sem idades, da mulher de vestidos preto na originalidade da terra, ou o homem transmontano de varias classes que vem da serra…
Sorrisos que me vão na alma, como colheres de mel tonificando minha calma, no silêncio do meu sentir, que me dão vida para continuar minha caminhada e sorrir… sorrisos dos meus sentidos, da paixão gravados e impressos como cachos de uva tinta, substituindo o sangue… colheita da minha vida, quase extinta.
Não importa se as estações do ano mudam, se o século vira e se o milénio é outro, se dificuldades surgem, se a idade avança; em lugar algum se chega, sem conservar a vontade de viver.