segunda-feira, 10 de agosto de 1998

MONCORVO




MONCORVO


De uma vez, numa rua estreita bem esguia, onde havia lojas e uma barbearia… e no lado contrário mais acima uma escola, passando uma espécie de ponte à saída de Moncorvo, lá no fundo doutro lugar naquela terriola, ligação da estrada àquele troço…

Lembro desse arruamento, ténue pensamento da minha pequenina figura numa casa algures de uma senhoria, um almoço de bacalhau desfiado com tomate misturado… com um corte de cabelo à escovinha, e o cuidado do barbeiro com meu sinal no pescoço… para não gotejar sangue grosso e ficar inteiro, sem ferida. 

Penso que era a rua principal, a que tinha mais movimento de pessoas, mais comércio na loja comercial e sem vida mundana… e no seguimento dessa mesma rua, descendo um pouco mais abaixo, como uma partitura, com inclinação não musicada e pouco acentuada, virava à esquerda quem vinha do largo, e também ficava à direita da rua principal, a quem todas vinham desembocar no final. 

Recordo o largo da estrada redonda à volta, de uma parede muito alta e antiga meia-morta, parecida com o morro de um castelo, ou igreja a quem tinham batido com um martelo, e quem vinha de frente naquela vista… sentia sempre que na tal rua afluía, que eu só lembro da primeira vez… sem saber porquê, que nesta vila vivia... de quê, sem querer, não sabia.



















segunda-feira, 6 de julho de 1998

 






/POVOA DE LANHOSO/


AS MINHAS AMIGUINHAS





Eu tinha umas amiguinhas que visitava todas as tardinhas de verão… Com meus sete anos de alta impressão.
Ajudava a limpar as carreirinhas de areia, trazia migalhas de pão que eu espalhava de mão cheia como os pães e as sardinhas do mar, e elas puxavam no ar com unhas e dentes restos de alimentos para as suas tocas, sem pararem um segundo sequer às voltas. 

Todos os dias visitava aquelas criaturinhas, tinha fascínio no que faziam e praticavam, admirava a sua persistência, e elas o hábito da minha presença.
Eu comunicava e elas falavam todas aos milhares, parecia uma central de comunicações pela terra dentro, falando pelos corredores e todos os subterrâneos e altares, dizendo que tinham um amigo com mãos gigantes… e que também sabia fazer milagres dos tempos que eram… como dantes. 

Um dia, pararam.
Coisa que elas não faziam nem um segundo por nada deste mundo, e puseram-se a olhar lá de baixo cá para o alto com suas antenazinhas no ar, a enviar…
De princípio não entendi, mas depois, mentalmente traduzi pelo emissor a onda que saía sensivelmente, como se de um contacto em voz telegrafada, enviasse um pedido de ajuda em letra de carta… queriam que eu colocasse as migalhas nas tocas em vez de elas puxarem cansadas, quase mortas. E como nada custava a um gigante… já noutras alturas resultara, principalmente naquele inverno que mais cedo começara.

E assim, passava horas loucas a cuidar das minhas amigas, a vê-las passear em fila indiana, e eu sempre ali… e elas à espera de mim, todos os dias da semana. 
 Eu adorava o porte daquelas amigas cuidadas, na maneira como elas se movimentavam e me olhavam, e vivia no amor delas como um gigante de tal sorte, por serem as minhas pequeninas… amadas.
Por serem as minhas pequeninas… cuidadas e amadas… eu amava aqueles minúsculos bichinhos, que eram minhas amigas, e todas andavam de mão dada… as minhas bichinhas.

Eu tinha umas amiguinhas que visitava todas as tardinhas de verão… em fileirinha naquelas fininhas patinhas…

E eram as minhas formiguinhas… amadas do coração.


















segunda-feira, 8 de junho de 1998

A OUTRA PORTA




FOSSA DE ÁGUA

                   
A OUTRA PORTA



 
Difícil?
É criar no mundo
apetecido
o mundo de lá
fusível perdido…

Dificilmente fugindo
 do mundo de dentro,
acordando
no lado de cá...

Esbaforido correndo
 pela primeira porta…
seu nome é ir.

Um dia será voltar.

Depois… partir 
da chegada e viajar…
como se nada houvera
e de corda envolta
pel' outra porta

A outra porta fôra.










segunda-feira, 11 de maio de 1998

FOSSA DE ÁGUA




CONDEIXA
  
FOSSA DE ÁGUA


Caí lá dentro da fossa (4 anos) e quando estava prestes a desaparecer, fui salvo porque alguém tinha aberto a porta nesse exacto momento – a outra porta.

Dei uma espécie de andamento, senti o vácuo e um frio, e o outro pé ao mesmo tempo sem tino, caí direito em sentido, não esbocei nenhum movimento e se tinha senso não dei por nada, não sabia o que me tinha acontecido, não chorei e até achei graça por os olhos deixarem de ver, e o nariz achei tapado, a beber lodo e água choca da poça. 

Foram uns segundos sem respirar, pareceram-me uma eternidade… então vi trombetas que sobressaíam das conchas do mar como um milagre, vi anjos albinos tocar harpa num som celestial, peixes a dançar, um carro submarino sem rodas e a hélice a rodar, puxando um bando de anões que davam saltos engraçados com suas badanas coloridas, e a pequena sereia num trono a ouro dourados, à espera de ser humana um dia. 

Lembro-me que estava a sorrir por ver aqueles bonecos de cabelos bem penteados, rostos coloridos, bota de jogral e penacho de plumas… /estendi o braço, queria me juntar./

Puxaram-me, fiquei no ar cá fora, aborrecido por o meu espírito deserto… no sonho sem sentidos - acabar.











segunda-feira, 13 de abril de 1998

RECORDAÇÕES DAS COISAS







ALMEIRIM

RECORDAÇÕES DAS COISAS


 Pois se lá vivi… foi noutro tempo, de recordações que passaram e em nada de mim ficou gravado, ou porque as imagens não me deixaram impressões dos gostos do passado, ou porque minha memória em formação não tenha captado algo que fosse de meu agrado, a não ser a estrada principal, vislumbre quase imperceptível dum nevoeiro, a percepção da visão e via-se mal…

Movimento lado a lado, o andar sem comunicação, passos no passeio… passos no passa seguido, as costas e as pernas altas de um homem que levava debaixo do braço o jornal comprimido, braço com sacola de uma mulher perdida, a montra cheia de manequins com vestidos que a mulher queria, e o cruzar dos dois na passadeira, logo daquela maneira.

De um lado a volta, do outro a ida, troca de caminhos de ida e volta inteira. E no trajecto repetido, nas dobras as esquinas, as mesmas lojas e um café na avenida. 

Por não ser a estrada principal, a visão normal do pouco movimento, um carro de vez em quando, no outro sentido uma carroça e um cavalo e o condutor com um chicote e uma correia, uma bicicleta pasteleira da 2ª guerra mundial, e na ultrapassagem o tinir da buzina duma lambreta prateada, uma furgoneta descarregando material de caixa aberta para uma loja de electrodomésticos em segunda mão, e por fim... 

Uma criança com olhos de emoção… ao ver da janela da casa este movimento naquela rua, e que ainda não sabia os nomes que havia dar àquelas pessoas e veículos em circulação, a não ser, guardar no coração para poder contar um dia…













terça-feira, 17 de março de 1998

DE CONDEIXA A COIMBRA




DE CONDEIXA A COIMBRA




 
Imagine-se… até a mim, hoje, me parece quase impossível, fazer aquele trajecto inúmeras vezes, únicas no sentido, o custar acreditar, sozinho, despreocupado como sempre dentro do destino.
Agora, era viagem duma vila, directo à cidade, com quatro anos o revisor ao lado… apertando minha mão com cuidado, ajudando-me a descer o estrado… 
Como eu adorava andar de autocarro!  

Pela janelinha, olhando sempre para as árvores, as casas, os automóveis na estrada, alguém a passar… e eu a sonhar como se estivesse a ver um documentário, as imagens a passar a noventa ou mesmo a cem quilómetros por hora… num cinema moderno, daqueles dias coloridos com todas as cores da natureza sem preto nem branco.
Aquilo é que eu gostava de ir à janela!  
Depois, os olhos de tanto se focarem, ficavam hipnotizados, parecia um sonho em movimento, o que estava lá fora, e dava a sensação do quieto, teimosamente parado, e eu a sonhar que o meu corpo voava ao passar pelas coisas das imagens, entre a vidraça e a imaginação da velocidade… 
Era um filme real sem playbacks nem imagens gravadas, passado ao vivo.  
Aquilo era demasiado belo, para ser verdade.

Aquilo é que eu gostava de ir à janela!  
Ir à cidade… viajar de autocarro. Ver o meu mundo através da vidraça, em sonhos de asas...
mirando tantos corações, pulsando nas cores arco-íris tão bonitos… a inveja do voo das aves em pleno contraste das borboletas floridas, batendo em sintonia na beleza e no mistério da natureza.






















terça-feira, 17 de fevereiro de 1998

ENTRONCAMENTO



/ NO ENTRONCAMENTO /






ENTRONCAMENTO


É daquelas coisas…
Não há nada que me diga do Entroncamento, talvez por lá estar pouco tempo, e como é conhecida a “terra dos fenómenos” de acordo com relatos populares sobre eventos curiosos, extraordinários ou mesmo fantásticos, o meu fenómeno seja, não recordar nada daquelas coisaspor mais que sejam os episódios ou os factos vários.
A idade não ajuda nada, e os retratos envoltórios das trocas de lugares e outras terras constantemente em ensaios pelas mudanças, não ajuda nenhuma criança a querer recordar lembranças dos primeiros dois Maios. 

É daquelas coisas…  
Não há nada que me diga do Entroncamento… fraco o pensamento, e forte os reconhecimentos do som do vento, que me vai embalando por onde passo… e fica o retrato na memória do tempo, na janela que Deus guarda, para quando chegar o momento, saber que por aqui alguém passa… não ficará em esquecimento.
Deus me faz passar, não me esquece, sabe que tenho de sofrer e sufragar as almas e os seres, espalhar a palavra profetizar no acontecer, e quando acontecer… vem no dia que amanhece, um novo dia o sol aquece, no mar e na Terra ao vento e na sombra, onde quer me encontre tenho de dar, mais do que recebo entregar, dar a minha vida que não é precisa, só menos coisa importante derretida em colheres de pó ardente, servir para os tempos que se aproximam, entregar de bandeja o meu corpo sem que se queira pestanejar, e voltar quando a aurora chegar, renascer das cinzas, amar. 

É destas coisas…
O amor… uma vida inteira à espera de beber o cálice, o sangue que dá a vida, eterna substância mais que a morte, o segredo que não acorda nem a razão descura, nem deixa beber dele a irmandade obscura, ganância duma sequidão, que quer matar a sede à custa da dor alheia e ódio puro, louco incerto, à espera de carregar no botão impresso a loucura da implosão no Universo.
É daquelas coisas…
O Entroncamento, entre a fronteira do pólo norte amar e o pólo sul amor, a passagem pelo glaciar, o fundir eterno amor para nunca deixar de amar.
Mas o maior fenómeno, o calor e o oceano… ainda está para aparecer, tempos do tempo há-de chegar… inumano, quando o sol derreter e o mar passar no Entroncamento.