quarta-feira, 14 de agosto de 2013

CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO - III PARTE







CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO


III PARTE

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«Diz-me quem eu sou, dir-te-ei quem tu és.»


Ao reler com a rapidez do olhar, sei de cor e salteado a que frase corresponde um pensamento, o motivo casual da inspiração a que dedico todos os sentidos como fuga dum desabafo ou talvez lamento.
A minha pequenez como erudito daquilo que sinto, não tem a ver com fama, ou grandeza relacionada com falsidade, mas a dimensão notória da alma, com privacidade da reputação, ignorando o tamanho da existência.
Já “sentir” de forma intacta, aquele que é puritano, poderá ascender ao Olimpo, se o talento possuir a arte de estremecer o mais apocalíptico ser.
Será um dom, um engenho amaldiçoado, uma fórmula do diabo… seja o que for, os homens não querem saber de factos, mas de obras feitas com provas dadas.  





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 (Feitos com o significado destas letras, têm importância.) 

/Se conseguirem pôr em pé os pêlos da calvície, verão não uma farta gadelha, mas o milagre do término dos carecas… usando o pente como arte do risco ao meio/. 


Sentir acanhamento porque receamos o que outros cogitam… são um desperdício tímido que nos restringe o pensamento, submetendo o medo ao desejo alheio da vergonha… quando devíamos ser o que não somos, senhores dos nossos atos, nós mesmos pensadores, impolutos, criaturas como deuses – Se nós somos tudo.
Às vezes, temos admiração por alguém que é genuíno, mas como é nosso igual ou inferior na condição intelectual, temos vergonha de evidenciar o carinho ou toque pessoal, com o temor que olhos vejam o outro… porque nos achamos superiores e damos importância à opinião nossa dos outros.
Então, escondemos o amor, prisioneiro da nossa vontade como um animal selvagem, sufocando o desejo de ser livre, na única forma de amar a vida.  





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Não devemos ter vergonha de demonstrar o que sentimos… senão definhamos tristes e arrependidos, secos e insensíveis, depois de termos perdido a chama que incendeia o coração, tornando uma relação pessoal sem alma nem paixão por influência de atos sonâmbulos, e estranhos paradoxos.
Devemos cair em nós, numa queda que estremeça e limpe a memória. Devemos ser humanos sonhadores, sorridentes existencialistas, demonstrando amor como a fonte da vida, e acima de tudo, sermos o que somos e não o que outros pensam do nosso pudor, ou são, e querem que outros sejam.



Como uma nesga microscópica do mundo,
no desatavio desconsolado das minhas comoções revoltas…
uma dolência ao entardecer rodeada em lassidão de resignações adulteradas…
um costume do enfado ao acaso errante…
o padecimento de um gemido estrangulado, ao dar na dor um segredo perdido…





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Este é o quadro da minha alma distraída, errante peregrino de emoções, em horizontes de renúncias sonhadas, alamedas de carinhos desamparados por onde andam momentos vagos, como uma pintura triste tristemente esquecida.  
Para tentar entender o que me rodeia, acabei por apagar a personagem que sou, aniquilando o eu que há em mim, destruindo o que sou… salvo que fui por um triz.
Andei perdido na sombra, de silhueta nas trevas, confundindo a ténue luz da escuridão com a obscuridade da minha alma, pensando até vendê-la ao diabo… desiludido que estava com a morte da vida, procurando morrer como um suicida na estrada e na bebida, desafiando todas as leis da gravidade…
Acolhendo o amor como algo insignificante, esquecido no oásis do tempo, à espera de retornar em carne e sangue… depois que enxerguei o ódio ou percebi o amar como sensações, compreendi melhor a razão destes sentimentos, o que eles desencadeiam, quando atraiam simultaneamente desejos carnais ou raiva dos ossos nossos.





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A solidão incide em mim o vazio dos lugares, por mais ocupados que estejam os corpos numa angústia interior, que me faz calar a alma num silêncio indolor.  
Já não é o espectro ou visão do fantasma que habita à minha beira, que ocupa minha companhia; é o medo de estar sozinho, ainda que algo se movimente num voo profectício… é esse mesmo silêncio que me arrepia, ouvindo o chilrear esquisito em vão dos chegado espíritos.
Embora goste de conversar e esteja quase sempre alegre, a minha verdadeira imagem, é a que me abstrai do mundo em pleno sótão do inconsciente, como um transe interior ou a sociedade do eu introvertido.
Se me sento ao pé de alguém, afasto-me de mim e sou o outro moldado à sua maneira de estar, não sou eu, quando estou ausente numa companhia só.





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É uma necessidade que suscita a minha representação em ideais que elevam o espírito para expressões e contactos com a intelectualidade, levando o pensamento a viajar com as verdadeiras palavras, usando uma linguagem capaz que a mim próprio se admira e apraz.  
Por outro lado, se alguém ocupa minha parceria, ao fim de algum tempo perco discernimento, o olhar desvia-se, e o corpo fica dormente por ausência da inteligência que é a preguiça humana - e o diálogo descamba em sono.
Aí, vem o reflexo de abrir a boca como consequência do enfado e o enjoo da pobreza sintética que é a morfologia das palavras e a tristeza das ideias.
Só os meus amigáveis imaginários põem as minhas conversas em dia, bradando aos céus a eloquência do espírito e a ordem natural das coisas, onde a realidade cria na prosa a evidência habitual e familiar do sonho, que é essa costumeira origem da inseparável solidão.





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Estamos sós… longe da vida como nós.
A distância é o infinito e o tempo reduzido, tanto na idade do ser como na do desconhecido.
Este estar não é saber?
É sentir a realidade, sentindo que os nossos olhos vêem verdade, um olhar à nossa volta… os estranhos que somos além fora de nós… numa esquiva mentira.
Ninguém nos acode do vento, a poeira nos sacode… se interiormente somos o vómito vazio das estrelas?
Poeira cósmica de nossos corpos, à descoberta, o mistério de todas as células, o derradeiro isolamento.
Sobre-Humanos estarão perto.
Virão ao encontro, outros, numa perpétua luz radiante.
Mundos mirabolantes nascerão… na rota do arco-íris em florescentes pontifícios.
Erguer-se-ão estradas imponentes… por entre portais do tempo se edificarão.
E os únicos parecidos connosco em todo o Universo, serão Corpus Memoriem… e nós sobreviventes espirituais, robôs de nossos atos, automaticamente perdidos mortais.




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Na minha tridimensional janela volvida para o campo, esqueço as cidades de ruídos ensurdecedores, e junto as estrelas à noite colorida e obscuramente cheirosa. Sinto ao redor uma pacificação interior que magoa o silêncio de tanta calma, e um enjoo disforme inunda-me nesta paisagem fictícia, vivida, e novamente repetida na memória, em curto circuitos repentinos, num vai e vem que deslumbra e se perde na sombra do pensamento.   
 O meu quarto imaginário, de outros tantos quartos onde vivi, nesses lugares de verões por terras onde passei, incendeiam uma angústia de sabor nostálgico.
Através da janela, transponho a porta dimensional directamente voltada para o campo, onde o mundo é só natureza verde e irrequieta vida animal; a planície é aleatória, formada doutros campos numa mistura de noite vaga como a eternidade da escuridão estrelada, de brisa suave intransponível que não se escuta, mas se pressente como aparição.






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Sentado, com o palpitar do coração, entreaberto à observação de todas as coisas que pulam a cerca da vida num fascínio total, que é nada e é tudo na actividade dos seres que vivem, procuro lá fora o sítio que condiga com a impressão e a sensibilidade que estorva, numa visibilidade ampla onde se apoia meu rosto junto à mão em cima do cotovelo.

Anseios constantes tentam a fuga dos silêncios por onde andam rastos perdidos nos tempos em busca de sons etéreos, sós inventos.  

Épocas estão, em que a paz dos lugares pelo qual obtive incomportáveis estados do aborrecer e anelos de afastamento, me saibam agora pela força das circunstâncias uma apetecida forma de estar e um desejo de viver, habituado que estou ao isolamento e àquela mancha das pessoas que dizem ser humanas. 
Esta calma que sinto quando estou comigo mesmo, é aquela parte do mundo em que a paz se reflete nos seres com as mesmas características, através da natureza das coisas e dos sentimentos que nos apaixonam pela vida do campo.






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Não há nada mais saudável para o corpo da mente, que o recolher do sol-pôr numa tarde de verão, com a brisa do ar quente no nosso coração, do contacto com o coaxar das rãs no seu dialeto de acasalamento, o passar do lagarto esverdeado como forma de aviso, do rastejar inoportuno da cobra sub-reptícia, a chegada das aves aos seus ninhos ou poisos dormitórios, o pular da vida nocturna na procura da sobrevivência… e a sinfonia dos grilos embalando as estrelas da noite.
Toda esta companhia vive no meu sangue efervescente como o gene do ADN contendo toda a informação genética campesina.
É quase impossível dissociar-me deste estado catatónico que tenho com as naturezas verdes e azuis celestes, como se a mordidela do morcego-vampiro incrustasse na minha memória, a beleza selvagem que existe na natureza; e a existência real mais próxima da minha vida espiritual, fosse a troca da contemplação, em lugar da meditação, incompatível com a matéria do sangue.
Sei que aqui é o meu lugar, o único onde a fadiga me sabe bem, inquieto na procura que faço quando me rodeia, à volta das almas que se encontram no paraíso natural, que é toda esta natureza dos seres, que se amam na paz do amor, quer estejam presos à saudade do campo ou dos céus desertos de azul.





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Que amor tenho no coração?
O desejo das minhas folhas
todas as folhas com paixão.
Folhas do amor, são outras. 


Sem as minhas folhas, sinto-me um drogado em fase terminal, sob natureza da cocaína cujo alcaloide me torna dependente…  do vício da escrita.
Depois, a paixão do campo, a inspiração das noites perdidas sob o destino da jovem mulher (Nonô - diminutivo de Leonor), que se apoderou do êxtase vital que em mim havia, e por eu nunca querer falar, se tornou um segredo doloroso inconscientemente sofrido.
 Talvez um dia… conte a história intacta da jovem Nonô… se não abrir muito a chaga do coração, como a corrente sanguínea das quedas do leito fatal, que a pressão precipita em inesperados ataques mortais, como uma síncope.





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Tudo se arredondou no meu ar cansado, embora ainda me considere útil, tranquilo como um caxinguelê, roendo as sementes da saudade.  
O Apocalipse do vento… 
Nos arredores daquela cercania voavam coisas… e eram folhas soltas andando pelo chão, desperdícios tapando o alcatrão, um rolo de arame rodando como a criação da roda… e os ramos das árvores fustigados pelo maior invento de todos os séculos – a natureza do vento.
O sussurrar do vento também é uma forma de murmurar, como a linguagem do vazio sem tradução, um jactar da área entrando pelo orifício da comunicação, no sossego da aragem como um sopro.





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Uma voz do fim profundo fez tremer a Terra em toda a sua extensão do lamento.
Um acréscimo do som trovejou no seu acto contínuo…
Que bramido fez carpir todo o sofrimento dos seres?
O chiar de toda a matéria fez tombar um sem número de coisas…
O Apocalipse do vento… fustiga como um louco.
E eram torres de mármore, pedaços gigantes, caindo do céu em fragmentos inteiriços; um troar abismal trazia o terror dos confins, numa destruição que mais parecia a profecia da desgraça… eram vários ventos em tempestade como um ciclone, que levaram cidades e pessoas, e eram florestas e animais sugados pelo tempo dos tempos… tudo causado com a ajuda do vento.
E eram vários… tantos casos no mesmo suceder, espontâneos sem perdão, que os pecados eram o máximo que se podia temer.
Não quiseram saber os humanos, dos ventos que trouxeram as ondas celestiais do mar, que afundaram um terço da terra derretido em água, o resto consumido pelo fogo do mesmo vento, profetizando o fim do mundo escrito em sangue e nada… 
Todos os fins são iguais… sejam de astrólogos ou profetas loucos, com datas ou falsos dias exatos… fazem parte de cálculos errados, e dos homens que morrem de tédio à espera do fim do mundo, e findam antes de acabar…
E o Apocalipse do vento… é transparente como o sonho. 


  

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Nem todo o ser sonha, qualquer mãe perdoa…
aparte sua mão terna quando o homem chora…
é uma criança completa no colo duma mulher morta.


A história dá exemplos de civilizações e de antepassados, a que os nossos olhos saúdam com ares estereotipado. Admiram com o coração, no destino doutras épocas, e criticam por serem velhas pilecas...
Há no sujeito o predicado de uma certa ambiguidade que gera propensas nuvens.
São modos remanescentes da feição dos feitios, numa hipérbole caracterizada pela forma dos jeitos, detonando numa atitude insegura, talvez de possessão a que se acostumou sua fraca índole de macho, impondo sua querença dominadora às criaturas sensíveis por serem dóceis e corretas. 
Não sabendo sonhar, sente um vazio impotente das injustiças que pratica, e não consegue evitar o sorriso rude ao ver tanta beleza. Desconhecendo a pureza do sonho, não soube fazer outra coisa sempre… a vida toda sem justeza, ignorando o fundamento do sonhador.  






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A exaltação dos seus quixotescos atos num teatro de gestos emocionantes e de sedução, a arte graciosa, mas não menos falsa no anfiteatro da corte mascarada, onde a alma vestida de rendas e bordados com requintes efeminados não lhes passa despercebida.
É mais despropositada aos fantasmas de pedra que ficaram naquela pose… devido à fama ou celebridade da infâmia.

Consiga eu ser na vasta escuridão do abismo a que a minha alma se adapta, a celebridade póstuma da decepção em que me coloco, o fulgor de não tombar como algo perdido, forçado à injúria no lamaçal entre o lodo e o visco dos fracos.

Soerguido à minha cruz nas areias do meu deserto, irrompe meu espírito como protesto, ao abandono dos braços da ciência escrita encobrindo minhas palavras no granito da terra, como um desconhecido poeta para o mundo da minha pobre existência terrena.




 
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Quem sou eu, senão mais um eco de esperança perdida nas estrelas que habitam o meu mundo?   
À espera do contacto do amor… de viver e morrer com ele, numa partida sem medo, porque tenho recordação do carinho dela no meu corpo…
Inspecionando a sensibilidade que me afoga, inundando o coração de horizontes do entardecer, a Confidencia emoldurada de segredos nas minhas veias em explosões atómicas, rebentando intocáveis desejos de meus queridos pensamentos.
Tudo que me rodeia é excessivo vulgarmente conhecido, embora de família quase extinta, nada me dá que eu não sinta notícia, pura mansidão e descanso.
Parece mentira, se entender que experimento o que sofro sentindo, desejando sentir outra coisa que não esta linhagem de grupo, ou outra qualquer sensação.
… Excertos que almejam o sentido doutros caminhos, chegando ao cruzamento do tutano como sintéticos resumos de gritos, parecem o verbo na forma que eu penso, deduções e terminologias que trepam a toda a hora no pensamento, ou não fosse eu tudo o que sou, na maneira que sinto. 





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Escrevo com a minha tinta de água salgada em folhas de ondas coloridas, e sinto-me livre como um homem contemplando a beleza do mar, dono de paraísos que o meu coração ama como um eterno apaixonado da liberdade que experimento. 
Apanhando todos os bocadinhos da minha saudade espalhada, formo a alma de barro na matéria que sou, e deixo de ser eu disperso na rosa-dos-ventos, nos quatro cantos do meu corpo que suportam a vontade do mundo.
Escrevo com quantas forças sinto!
Porque ponho em tudo que faço, mesmo sentindo um peso daquilo que vejo - descrevo com esforço na claridade do mundo etéreo, o significado que dou ao sol a visão de todos, e a lua manchada de mistérios ensombrando o mar… me dão mais ânimo para prosseguir… e nem a tristeza me impede.
Escrevo na Terra, o mapa das minhas letras, e até fora dela, falo das estrelas, dos cometas e doutros planetas… que estão fora do meu chão e até do alcance da minha visão. 






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Estes mundos servem quando garatujo, para enfeitar as palavras e até servirem de assunto – o que é no diálogo de quem compõe, matéria que nunca mais acaba, até ao fim.
Até escrevo este texto… até com uma certa reserva, mas depressa vejo que o “até” é - o desejo que a forma tem de explicar resumidamente o que escrevo, e até ainda penso mais uma vez, mais até rapidamente se não é. 
Estivar um estilo pouco agradável, uma coisa sem graça se comparado com os da minha espécie… porque chegando a este ponto /tantos anos passados?/ nada me desperta no ser humano, a vontade perdida de amar os outros, e a tolerância embora tonificada, se mantiver uma dolência chata numa convivência quase inútil, ganho impaciência e um “anciã” solitário por resignação.
Há coisas… por mais reais que sejam, mesmo que estejam à frente dos olhos, não têm explicação – salvo o encantamento da arte e uma penetrante mente com seus desígnios ocultos.






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Nós, humanos sonhadores, dominamos o sonho… e a imortalidade.
Logo, não somos produto da ilusão. Pode-se dissertar sobre os espíritos nada palpáveis… na dor da alma, mas com a matéria da nossa carne só quando sangra? Não há dúvida que ela sofre a incerteza da aflição. 
Ou há uma entidade Inteligente e Superior cujos intentos atribuímos a palavra Deus, ou há fortuitos corpos Celestes que transformaram a Natureza numa Deusa, donde descendem todos os milagres dos seres vivos e das coisas…
Destino… muitas vezes associado a fatalidade, não tem nada de difícil, mas antes a causa que o acaso transformou em escuridão numa luz divinamente humana.
E então, somos uma casualidade do acaso, que um certo choque estelar num determinado espaço gravítico… deu origem à vida - misteriosa causa.
Mareei a realidade afastando-a de mim /como as marés de espuma ao vento/, sobressaindo e dobrando num ciclo repetido à demanda do rigor, com o subterfúgio do lugar rebuscado, ainda sapiente do coincidido não ser exequível descobrir – círculo íntimo corrompido.





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Tentei iludir a imagem sem rosto, de contornos semelhantes aos meus, aos poucos dissipando o nevoeiro de meus olhos, buscando incessantemente o eu que estava ali anónimo… ensaiando imiscuir-se no sonho imaterial despercebidamente.
Revejo-me vezes sem conta, e aquele sendo na forma, desconheço, nem sei em que corpo me encanaram… sei apenas que este físico é emprestado, e nem sequer é cognato na maneira de ser - sou um estranho pessoalmente andante. 
… Só os olhos e a alma concernem. Sinto-o, não sei definir a privacidade do espírito, mas como amigo, respeito.
Se me enleio na multidão, sinto-me estranho por entre essa massa taciturna, quase um paladino comandante duma orbe empírica… conquistando o som dos passos no silêncio dos movimentos.
Perceptível apenas o vento, sacudindo os cabelos fartos embatendo nas petrificadas faces… são esqueletos de cabeças distintas parados no templo do meu poder, e o único rosto movendo-se parecido com o meu, é de o singular ser vivo existente no pensamento.





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Saindo do acostumado torpor existencial, dou comigo a pensar no que é este meu estado latente em forma de vida, sem sabor nem o sal que dá o equilíbrio básico e fundamental para subsistir, ninguém que diga…  


Hoje, 17 de abril de 2011, Domingo de Ramos /aniversário de minha mãe/, entrada de Jesus em Jerusalém sentado num jumento para celebrar a Páscoa Judaica.


Caricato ou não, sinto-me sentado num jumento toda a minha vida absurda.
Dou um ar tolo, intermitente, de quem está habituado à troça, mas indiferente. Não é a chacota que me aflige, ou as pessoas, essas estremecem porque não vêem em mim receio do termo, a dor que sinto no vazio da alma – essa outra porta.
Vivi muitos ambientes em diferentes lugares, tenho conhecimento das atmosferas e experiência dos meios, vilas e cidades, e conheço o ser humano como a palma da minha mão. Bastam dois dedos de conversa… e olhos denunciantes nada escapam ao sinal figurado das pálpebras trémulas e agitadas como ciganos vivos.
Tudo tem um significado próprio - a visão da substância, o jeito de decifrar, e o espaço em que se encontra, todos são coisas integrantes de um corpo genético.  






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O interior da alma, a qual herdamos antes de nascer… é o carácter pessoal e intransmissível no mesmo ser, e não um aglomerado metafísico de genes.
Não há engano possível em imputar ao espírito todas as coisas estéticas e sentidas que mereçam viver, e que se tornem belas aos olhos do mundo. Ao não ser, seríamos os Parkinson do planeta, de matéria eunuca e insensível, com a única espiritualidade existente na Terra – a água, vida do corpo.


Todas as assimetrias têm equidade.
Todas as dores assimilam o poeta.
Quem delira também sonha.
Significa viver Eternidade…
não há necessidade na espera,
porque quem ama, não sai do coma.


 
Ao cruzar-me nas ruas com o comércio dos olhares vagos, questiono que ideias travam no trajeto das suas guerras diárias?
Não sou diferente destas almas fogosas, embora as conheça a todas como meus iguais, nas mesmas lutas de propósitos renovados e igualitários gestos. 







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E todos eles são como eu… na vivência dos problemas que afligem, na procura estável e emocional do quotidiano laboral e familiar, do futuro incerto, da vida deles e minha, desta crise geral que afeta psicologicamente todos os encéfalos resistentes desta patologia anormal… viver.
Sofredores de corações dilacerados, chorando como crianças por verem os seus sonhos destruídos… da miséria que grassa nas gentes, contaminando o mundo como uma doença, o sofrimento do grito universal com o lamento ruidoso de todos os seres no inferno das suas dores, e o eco das suas mentes alterando o padecimento de toda a humanidade – transformados em gémeos poetas.
Quer queiramos, não aceitando, não quero o lá vai… mas o dia de amanhã tem pouco futuro, e se não houver outra coisa para sobreviver e depender do passado, é melhor a vida agora… que nada.
Ir ou viver… antes resistir que morrer, ou ficar embalsamado.






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Meio cem… metade ego,
pouco usado na idade…
Sem muito para dar,
ainda tem novo aspecto
e muita vontade de amar.
Se houver felicidade,
muita vida além… 
Quem sabe… ninguém…


Se bem que, falar da metade do “século” na vida dum ser humano, não seja pouca monta, mesmo tendo em conta a forma e a aparência, vê-se o que se quer.
O espelho tem essa forma encantadora ou desagradável de descobrir o que se enxerga, e ver o jovem eterno que lá vive no sonho ou o pesadelo branqueado.
Hoje, aqui ao escrever, vejo nas faces um rubor e uma duração do corpo, que nada tem a ver com o de agora, e o que vejo não tem a feitura como estou, nem sou.
Quando me encontro só com a minha imagem, na companhia do “outro” meu, os meus olhos têm séculos e o meu semblante é velho, enrugado na pele centenária e invisível no espelho deste lado… 






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A verdadeira forma da realidade, seria por estar avançado no tempo, o respeito dum ancião, e no sentido figurado, a representação da máscara encobrindo um monstro, quando se fala da imaginação e dos pavores que nos assolam como pesadelos, ou temores dos ventos correndo como anunciação do assombrado… 
Não – É uma negação que não deixa margem para a dúvida.
Não é que tenha idade /sendo jovem/,, mas a velhice chegou demasiado cedo, e a fatalidade envelheceu, definhando aquele corpo e a dor daquela mente.
Esta é uma história entre tantas outras, mas angustiante para quem passou por ela com demasiado desgosto.
Mais do que o sofrimento, a razão de existir torna-se um tormento, e é preciso uma vontade maior que Deus, continuar vivo.
O interregno que ocorreu nesta divagação, fez-me esquecer o velho dos meus sentidos. Mas o repentino dever da visão, trouxe-me à memória o caso malfadado da sua crónica, a cujos anais lhe deram o título… 
/O Velho Sem Cabelo/




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/O Velho Sem Cabelo/
Os íngremes degraus da escadaria torturando a sua existência, numa contrariedade do destino, tantas vezes entalando as mãos na cabeça, puxando os cabelos num acto de desespero… 
O sangue da família e as raízes da hereditariedade fazendo perder a razão e o pelo… todas as mazelas que não o pouparam ao esgotamento derradeiro, quase louco perto do suicídio.
A perda da mulher e da filha, deixaram cicatrizes como uma coroa de espinhos atravessada no coração doente e quase extinto.
Tentou cortar o fio indelével que o prendia ao seu comportamento, mas não era preciso – já sentia morte na vida. 
O acidente de automóvel e a sua culpa no sinistro, sem saber o que fazia… arrancou os cabelos da cabeça com as mãos ensopadas de sangue, e uns guinchos que acordaram todas as almas do purgatório… e o transformaram no velho sem cabelo. 





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Faço uma reflexão seguida de uma pausa gestual.
Abro a boca para deixar entrar o sono muito mal.
Pronto a enfrentar o términus da noite…
ao aconchegar a cortina solta, donde hoje,
dou por mim numa sonolência,
a pensar donde me vem estas coisas por excelência… 


Se alguém inquirir a minha felicidade, direi que não sinto tal paraíso. Talvez uma aproximação da consciência, o quase raiar dessa luz como um espelho transparente, ali tão perto… inconsequente, mas intransponível por não merecer todos estes anos adquiridos, mesmo transportando a infeliz face do destino.
Ainda não perdi a esperança de entender a razão dela ter tanta procura, porque a felicidade não é uma coisa que se invente ou se compre numa loja.
Mas penso que até uma formiga quer ser feliz… ainda que ande quilómetros em busca das migalhas que lhe matem a fome e engula a felicidade.
Quem não quer?
Para uns será o amor, a família, a velhice e depois…
Para a formiga será a sobrevivência. 



 
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E ninguém me tinha dito… que a felicidade tem vários gostos, e para cada um a especificidade dum modo, o lugar de ser, a maneira como se sente, o segredo.
Se um amor encontrar alguém perdido no silêncio, falar com os olhos e o coração, não vou acreditar, mas terei marcado encontro com a felicidade.
Senão, em vez do sossego, o contínuo diálogo na sociedade do isolamento, a velha forma de não ter modos de viver, e ser indiferente no separar do tédio, por não querer atuar e deixar correr o tempo como se estivesse parado.
Ainda que o colorido fogo fantasma rebente com a podridão geral e traga luz às minhas sombras, só a infelicidade essencial colocará minha vida no esquecimento.
Sou um abismo de semblantes indefinidos, por localizações de sinais em caminhos parecidos com mímicas, imitando trejeitos e locuções mundanas por ter abandonado o sonho, e deixado a mente em ruínas.
Tudo o que se diz de nós é confuso… não tenho certezas, nunca estamos contentes com o que somos ou o que entendemos do ser felicíssimo.
Mas todas as vidas que fervilham nesta febre inquieta do mundo, não passam de almas humanas enlatadas, vivendo na penumbra, para distracção do inferno. 






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Dou por mim, passeando nas ruas com o meu olhar solitário nas lojas de pouco movimento, tentando evitar a futilidade da manhã com o ar mais ocupado que consigo usar, quando me sinto acometido de enjoo natural pela humanidade vulgar do meu corpo, ao encontrar no diálogo das pessoas nada que me surpreenda, aquele aborrecimento do “déjà vu”, sondando esse enjoo como para descarregar a intenção imaginada de confessar.
Há os que passam por mim, e não falam, mas oiço como uma intuição o murmúrio das suas vozes na minha cabeça, ainda que os olhares esporádicos me dêem a visão da sua inclinação pouco clara nos cruzamentos traiçoeiros.
E desses, não preciso saber nem sentir, que os ódios que transmitem me provocam sem o menor esforço, o vómito.
A calúnia, o enredo, a vaidade tantas vezes incendiada por aqueles que falam com rancor nas palavras, dos sons enlouquecidos da raiva, as chalaças com propósitos da fama maledicente, e a medonha agnosia daquilo que são… tudo junto numa complexa máquina destruidora das almas, inventam a monstruosidade do ser que não sabe o que é a inocência do desejo, dos piores restos dos sentimentos e das sensações inexistentes dos sonhos… são os monstros dos nossos pesadelos e a missão para que foram criados. 






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Não são os outros que no seu quotidiano normal me afligem:
Não consigam despertar pensamentos estáveis donde a vida existe, ou sorrisos inventados tentando imitar o mínimo de felicidade, corrigindo a pose teatral como se o gesto fosse mais importante que a alma… e não esta pasmaceira sem animação que sinto dentro de mim. 
E dou comigo, sabendo antecipadamente por onde anda alegria e coração batendo, embora sejam momentos que valem a pena viver… são apenas a absolvição para a infelicidade quando tudo acaba. A felicidade está na boa vontade do nosso coração, e verdadeiramente quando se sente amor, por mais inferior que seja o ser, ou sofra de dor.
Quantas vezes andamos esquecidos de nós, tão desaparecidos nos labirintos de mil e um espíritos, que desejamos submergir do fundo do nosso mar em busca da nossa razão, encontrar a nossa alma e abraçá-la com todas as nossas forças, com medo da fuga, nos leve também o coração.
No sentir reside tudo aquilo que somos, a sensibilidade da nossa alegria e a emoção, tudo o que dá sentido à vida com amor. Sem ele, poderíamos ser uma coisa qualquer – mas não humanos. 






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Todos os outros pontos da consciência humanitária, são escadas íngremes para se obter a mesma fórmula da humilde simplicidade, que é amar e ser amado.

Apesar da vaidade ser excêntrica, a vida não teria graça nenhuma…
Não haveria história nem teatro, sem a tal parte efeminada da vida gestual com humor e requinte.
A vaidade também poderá ser sinónimo de asseio intelectual, artístico e humanamente saudável, se for usado pelos sábios com inteligência e os feitos dos homens for merecido ainda que sejam incultos e pobres.
Todos nós padecemos desta enfermidade, mas foram sempre os poetas, prosadores entusiastas pela fama, os historiadores que narraram a celebridade da vaidade desta, chegando à fixa ideia que nela estão adaptados todos os princípios que nos regem, ainda que à consciência a possamos batizar como a vaidade interna. 






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Há uma história menos conhecida de Narciso e sua irmã gémea.
Vestiam-se da mesma forma e caçavam juntos.
Narciso apaixonou-se por ela.
Quando ela morreu, Narciso consumiu-se de desgosto por ela,
e fingiu que o reflexo que via na água era a sua irmã.
Onde o seu corpo se encontrava, apenas restou uma flor: - O narciso.
Não são precisos caminhos entrelaçados e desvarios intelectuais… a soberba desmedida da nossa cegueira, quando a vaidade do próximo vai contra a nossa própria, embora não apague, baralha todos os outros valores da nossa figura.
Resta a consolação a quem é imodesto, o orgulho de agradar a si mesmo, e vaidoso, se encantar todos os que admiram a beleza da sua obra.  








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Muitas vezes, nem se apercebe que vive na pele doutro personagem, que lhe irá causar problemas sérios na sociedade, por sentir necessidade na sua duplicidade, de se encontrar a si mesmo, despertando para a realidade do seu próprio interior, se não for orgulhoso ou ficar afetuosamente bloqueado pelo excesso teatral.  
Há um aspecto que julgo não sendo contraditório, onde os outros absorvem suscetibilidades causam na sua imitação sensações desmaiadas, e eu justifico sentimentos /onde o coração é dono de uma pequena parte/ com a atitude do meu senhor a quem devo ponderação - o pensamento.  

Se pudéssemos ter pensamentos fora do contexto das palavras, 
seríamos comunicadores dotados, superinteligentes... 
nem precisávamos falar que somos o futuro.





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O pensamento mantém seu corpo espiritual, enquanto termo final característico do significado das palavras; esgota-se na admiração de uma tela pela beleza dos nossos olhos, e dura o tempo que os nossos neurónios acompanham a ideia da reflexão, depois acaba… quando começa a subsistir para os outros, e deixa de viver em nós, mas nunca finda na nossa recordação.
Para todo o ser comum, no seu floreado de amar, aquele sentido que tem de exprimir é viver, e aquela introspeção na maneira de cogitar é aprender para conhecimento do viver. Já para mim, toda a forma de cuidar é um bálsamo constante para viver, e usufruir de uma certa sensibilidade não é mais que a substância de pensar. 

Um simples pensamento não pode fazer bem
ou mal que sofra, ou padeça, a ninguém.
Mas o esgotamento até à exaustão do bem pensar 
pode uma pessoa, outra pessoa impressionar,
até decidir o seu modo de viver, pelos outros,
 como um lunático que os seus modos são loucos.






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Ao rever todo o percurso da minha forma de estar, ultrapassei todos os impedimentos das minhas crenças, que julguei ver nos rostos que me rodeiam na sua forma de ser; transpus todas essas contrariedades no interior da minha razão, deixei de ligar às más influências como uma doença, resisti ao muro das lamentações evitando comoções violentas, buscando o bem que se aloja dentro e nunca parando sempre de o analisar como uma estrela no firmamento.
É estranho que nesta fase da vida, tenha pouca aptidão para habilitar meu orgulho, se bem que ele seja mais reclamado pelos que são mais contrários à minha natureza, do que pelos que são do meu género contemplativo.
Sou apologista da diferença, e estou convicto dessa razão, quanto maior a distância e a dissemelhança de mim, maior a autenticidade de alguém. 

A fantasia é uma fonte que nunca seca.

A inapetência da fantasia, a necessidade de a ter ou a privação dela, a tristeza de não a ter tido, são bloqueios do sonho ou a ilusão de a ter perdido.
Todas as fantasias têm arco-íris - Senão for um sonho?
É um desejo da fantasia, de nos sonhos também poder sonhar.






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Eu amo a poesia.
Talvez seja um verbo demasiado forte para gostar, se entendermos por amor que temos às pessoas ou às coisas uma razão mais válida, amar um poema por mais real e sentido que seja, não passa de uma fantasia ou uma força de expressão.
No sonho, talvez seja um desejo ser poeta. Mas do ir até ao ser, a ilusão que se tem do sonhar, torna-se real se a fantasia se concretizar.
É óbvio que ver é uma realidade.
Depende da condição do estado, a circunstância da hora ou a visão dos olhos se adaptarem ao séquito da escuridão. 
Se for para um invisual, infelizmente não tem fantasia, mas é um sonho querer. E na hora do sono, se a dormir estiver a ver… é uma fantasia do sonho.
Eu pessoalmente sonho quando estou acordado e vejo quando estou a dormir. Peço aos deuses que me protejam da minha figura nesse momento, tenha o discernimento suficiente pelo que me rodeia, o instinto de não bater em nada… despertar do que estou a ver no sono, e sair do sonambulismo da fantasia sem dores.










/Fantasia/



Uma outra é certa
quando inventa e copia
invenção Maravilha!

Até parece que é desta!
Qualquer coisa
de nada se brilha.

Vazio, solta bolha.

Um sorriso catita
também sai da boca.

Imaginem a fantasia!









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