CONFIDÊNCIAS DE UM LIVRO
III PARTE
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«Diz-me
quem eu sou, dir-te-ei quem tu és.»
Ao reler com a rapidez do olhar, sei de cor e salteado a que frase corresponde um pensamento, o motivo casual da inspiração a que dedico todos os sentidos como fuga dum desabafo ou talvez lamento.
A minha pequenez como erudito daquilo que sinto, não
tem a ver com fama, ou grandeza relacionada com falsidade, mas a dimensão
notória da alma, com privacidade da reputação, ignorando o tamanho da
existência.
Já “sentir” de forma intacta, aquele que é puritano,
poderá ascender ao Olimpo, se o talento possuir a arte de estremecer o mais
apocalíptico ser.
Será um dom, um engenho amaldiçoado, uma fórmula do
diabo… seja o que for, os homens não querem saber de factos, mas de obras
feitas com provas dadas.
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(Feitos com o
significado destas letras, têm importância.)
/Se conseguirem pôr em pé os pêlos da calvície, verão
não uma farta gadelha, mas o milagre do término dos carecas… usando o pente
como arte do risco ao meio/.
Sentir acanhamento porque receamos o que outros
cogitam… são um desperdício tímido que nos restringe o pensamento, submetendo o
medo ao desejo alheio da vergonha… quando devíamos ser o que não somos,
senhores dos nossos atos, nós mesmos pensadores, impolutos, criaturas como
deuses – Se nós somos tudo.
Às vezes, temos admiração por alguém que é genuíno,
mas como é nosso igual ou inferior na condição intelectual, temos vergonha de
evidenciar o carinho ou toque pessoal, com o temor que olhos vejam o outro… porque
nos achamos superiores e damos importância à opinião nossa dos outros.
Então, escondemos o amor, prisioneiro da nossa vontade
como um animal selvagem, sufocando o desejo de ser livre, na única forma de
amar a vida.
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Não devemos ter vergonha de demonstrar o que sentimos…
senão definhamos tristes e arrependidos, secos e insensíveis, depois de termos
perdido a chama que incendeia o coração, tornando uma relação pessoal sem alma
nem paixão por influência de atos sonâmbulos, e estranhos paradoxos.
Devemos cair em nós, numa queda que estremeça e limpe
a memória. Devemos ser humanos sonhadores, sorridentes existencialistas,
demonstrando amor como a fonte da vida, e acima de tudo, sermos o que somos e
não o que outros pensam do nosso pudor, ou são, e querem que outros sejam.
Como uma nesga
microscópica do mundo,
no desatavio
desconsolado das minhas comoções revoltas…
uma dolência ao
entardecer rodeada em lassidão de resignações adulteradas…
um costume do
enfado ao acaso errante…
o padecimento
de um gemido estrangulado, ao dar na dor um segredo perdido…
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Este é o quadro da minha alma distraída, errante
peregrino de emoções, em horizontes de renúncias sonhadas, alamedas de carinhos
desamparados por onde andam momentos vagos, como uma pintura triste tristemente
esquecida.
Para tentar entender o que me rodeia, acabei por
apagar a personagem que sou, aniquilando o eu que há em mim, destruindo o que
sou… salvo que fui por um triz.
Andei perdido na sombra, de silhueta nas trevas,
confundindo a ténue luz da escuridão com a obscuridade da minha alma, pensando
até vendê-la ao diabo… desiludido que estava com a morte da vida, procurando
morrer como um suicida na estrada e na bebida, desafiando todas as leis da
gravidade…
Acolhendo o amor como algo insignificante, esquecido
no oásis do tempo, à espera de retornar em carne e sangue… depois que enxerguei
o ódio ou percebi o amar como sensações, compreendi melhor a razão destes
sentimentos, o que eles desencadeiam, quando atraiam simultaneamente desejos
carnais ou raiva dos ossos nossos.
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A solidão incide em mim o vazio dos lugares, por mais
ocupados que estejam os corpos numa angústia interior, que me faz calar a alma
num silêncio indolor.
Já não é o espectro ou visão do fantasma que habita à
minha beira, que ocupa minha companhia; é o medo de estar sozinho, ainda que
algo se movimente num voo profectício… é esse mesmo silêncio que me arrepia,
ouvindo o chilrear esquisito em vão dos chegado espíritos.
Embora goste de conversar e esteja quase sempre
alegre, a minha verdadeira imagem, é a que me abstrai do mundo em pleno sótão
do inconsciente, como um transe interior ou a sociedade do eu introvertido.
Se me sento ao pé de alguém, afasto-me de mim e sou o
outro moldado à sua maneira de estar, não sou eu, quando estou ausente numa
companhia só.
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É uma
necessidade que suscita a minha representação em ideais que elevam o espírito
para expressões e contactos com a intelectualidade, levando o pensamento a
viajar com as verdadeiras palavras, usando uma linguagem capaz que a mim
próprio se admira e apraz.
Por outro lado, se alguém ocupa minha parceria, ao fim
de algum tempo perco discernimento, o olhar desvia-se, e o corpo fica dormente
por ausência da inteligência que é a preguiça humana - e o diálogo descamba em
sono.
Aí, vem o reflexo de abrir a boca como consequência do
enfado e o enjoo da pobreza sintética que é a morfologia das palavras e a
tristeza das ideias.
Só os meus amigáveis imaginários põem as minhas
conversas em dia, bradando aos céus a eloquência do espírito e a ordem natural
das coisas, onde a realidade cria na prosa a evidência habitual e familiar do
sonho, que é essa costumeira origem da inseparável solidão.
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Estamos sós… longe da vida como nós.
A distância é o infinito e o tempo reduzido, tanto na idade do ser como na
do desconhecido.
Este estar não é saber?
É sentir a realidade, sentindo que os nossos olhos vêem verdade, um olhar à
nossa volta… os estranhos que somos além fora de nós… numa esquiva mentira.
Ninguém nos acode do vento, a poeira nos sacode… se interiormente somos o vómito vazio das estrelas?
Poeira cósmica de nossos corpos, à descoberta, o mistério de
todas as células, o derradeiro isolamento.
Sobre-Humanos estarão perto.
Virão ao encontro, outros, numa perpétua luz radiante.
Mundos mirabolantes nascerão… na rota do arco-íris em florescentes
pontifícios.
Erguer-se-ão estradas imponentes… por entre portais do tempo se edificarão.
E os únicos
parecidos connosco em todo o Universo, serão Corpus Memoriem… e nós
sobreviventes espirituais, robôs de nossos atos, automaticamente perdidos
mortais.
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Na minha
tridimensional janela volvida para o campo, esqueço as cidades de ruídos
ensurdecedores, e junto as estrelas à noite colorida e obscuramente cheirosa.
Sinto ao redor uma pacificação interior que magoa o silêncio de tanta calma, e
um enjoo disforme inunda-me nesta paisagem fictícia, vivida, e novamente
repetida na memória, em curto circuitos repentinos, num vai e vem que deslumbra
e se perde na sombra do pensamento.
O meu quarto imaginário, de outros tantos
quartos onde vivi, nesses lugares de verões por terras onde passei, incendeiam
uma angústia de sabor nostálgico.
Através da janela, transponho a porta dimensional
directamente voltada para o campo, onde o mundo é só natureza verde e
irrequieta vida animal; a planície é aleatória, formada doutros campos numa
mistura de noite vaga como a eternidade da escuridão estrelada, de brisa suave
intransponível que não se escuta, mas se pressente como aparição.
100
Sentado, com o palpitar do coração, entreaberto à
observação de todas as coisas que pulam a cerca da vida num fascínio total, que
é nada e é tudo na actividade dos seres que vivem, procuro lá fora o sítio que
condiga com a impressão e a sensibilidade que estorva, numa visibilidade ampla
onde se apoia meu rosto junto à mão em cima do cotovelo.
Anseios constantes tentam a fuga dos silêncios
por onde andam rastos perdidos nos tempos em busca de sons etéreos, sós
inventos.
Épocas estão, em que a paz dos lugares pelo qual
obtive incomportáveis estados do aborrecer e anelos de afastamento, me saibam
agora pela força das circunstâncias uma apetecida forma de estar e um desejo de
viver, habituado que estou ao isolamento e àquela mancha das pessoas que dizem
ser humanas.
Esta calma que sinto quando estou comigo mesmo, é
aquela parte do mundo em que a paz se reflete nos seres com as mesmas
características, através da natureza das coisas e dos sentimentos que nos
apaixonam pela vida do campo.
101
Não há nada mais saudável para o corpo da mente, que o
recolher do sol-pôr numa tarde de verão, com a brisa do ar quente no nosso
coração, do contacto com o coaxar das rãs no seu dialeto de acasalamento, o
passar do lagarto esverdeado como forma de aviso, do rastejar inoportuno da
cobra sub-reptícia, a chegada das aves aos seus ninhos ou poisos dormitórios, o
pular da vida nocturna na procura da sobrevivência… e a sinfonia dos grilos
embalando as estrelas da noite.
Toda esta companhia vive no meu sangue efervescente
como o gene do ADN contendo toda a informação genética campesina.
É quase impossível dissociar-me deste estado
catatónico que tenho com as naturezas verdes e azuis celestes, como se a
mordidela do morcego-vampiro incrustasse na minha memória, a beleza selvagem
que existe na natureza; e a existência real mais próxima da minha vida espiritual,
fosse a troca da contemplação, em lugar da meditação, incompatível com a
matéria do sangue.
Sei que aqui é
o meu lugar, o único onde a fadiga me sabe bem, inquieto na procura que faço
quando me rodeia, à volta das almas que se encontram no paraíso natural, que é
toda esta natureza dos seres, que se amam na paz do amor, quer estejam presos à
saudade do campo ou dos céus desertos de azul.
102
Que amor tenho no coração?
O desejo das minhas folhas
todas as folhas com paixão.
Folhas do amor, são outras.
Sem as minhas folhas, sinto-me um drogado em fase
terminal, sob natureza da cocaína cujo alcaloide me torna dependente… do
vício da escrita.
Depois, a paixão do campo, a inspiração das noites
perdidas sob o destino da jovem mulher (Nonô - diminutivo de Leonor), que se
apoderou do êxtase vital que em mim havia, e por eu nunca querer falar, se
tornou um segredo doloroso inconscientemente sofrido.
Talvez um dia… conte a história intacta da jovem
Nonô… se não abrir muito a chaga do coração, como a corrente sanguínea das
quedas do leito fatal, que a pressão precipita em inesperados ataques mortais,
como uma síncope.
103
Tudo se
arredondou no meu ar cansado, embora ainda me considere útil, tranquilo como um
caxinguelê, roendo as sementes da saudade.
O Apocalipse do vento…
Nos arredores daquela cercania voavam coisas… e eram
folhas soltas andando pelo chão, desperdícios tapando o alcatrão, um rolo de
arame rodando como a criação da roda… e os ramos das árvores fustigados pelo
maior invento de todos os séculos – a natureza do vento.
O sussurrar do vento também é uma forma de murmurar,
como a linguagem do vazio sem tradução, um jactar da área entrando pelo
orifício da comunicação, no sossego da aragem como um sopro.
104
Uma voz do fim
profundo fez tremer a Terra em toda a sua extensão do lamento.
Um acréscimo do
som trovejou no seu acto contínuo…
Que bramido fez
carpir todo o sofrimento dos seres?
O chiar de toda
a matéria fez tombar um sem número de coisas…
O Apocalipse do
vento… fustiga como um louco.
E eram torres de mármore, pedaços gigantes, caindo do
céu em fragmentos inteiriços; um troar abismal trazia o terror dos confins,
numa destruição que mais parecia a profecia da desgraça… eram vários ventos em
tempestade como um ciclone, que levaram cidades e pessoas, e eram florestas e
animais sugados pelo tempo dos tempos… tudo causado com a ajuda do vento.
E eram vários… tantos casos no mesmo suceder,
espontâneos sem perdão, que os pecados eram o máximo que se podia temer.
Não quiseram saber os humanos, dos ventos que
trouxeram as ondas celestiais do mar, que afundaram um terço da terra derretido
em água, o resto consumido pelo fogo do mesmo vento, profetizando o fim do
mundo escrito em sangue e nada…
Todos os fins são iguais… sejam de astrólogos ou
profetas loucos, com datas ou falsos dias exatos… fazem parte de cálculos
errados, e dos homens que morrem de tédio à espera do fim do mundo, e findam
antes de acabar…
E o Apocalipse
do vento… é transparente como o sonho.
105
Nem todo o ser
sonha, qualquer mãe perdoa…
aparte sua mão
terna quando o homem chora…
é uma criança
completa no colo duma mulher morta.
A história dá exemplos de civilizações e de
antepassados, a que os nossos olhos saúdam com ares estereotipado. Admiram com
o coração, no destino doutras épocas, e criticam por serem velhas pilecas...
Há no sujeito o predicado de uma certa ambiguidade que
gera propensas nuvens.
São modos remanescentes da feição dos feitios, numa
hipérbole caracterizada pela forma dos jeitos, detonando numa atitude insegura,
talvez de possessão a que se acostumou sua fraca índole de macho, impondo sua
querença dominadora às criaturas sensíveis por serem dóceis e corretas.
Não sabendo sonhar, sente um vazio impotente das
injustiças que pratica, e não consegue evitar o sorriso rude ao ver tanta
beleza. Desconhecendo a pureza do sonho, não soube fazer outra coisa sempre… a
vida toda sem justeza, ignorando o fundamento do sonhador.
106
A exaltação dos seus quixotescos atos num teatro de
gestos emocionantes e de sedução, a arte graciosa, mas não menos falsa no
anfiteatro da corte mascarada, onde a alma vestida de rendas e bordados com
requintes efeminados não lhes passa despercebida.
É mais despropositada aos fantasmas de pedra que
ficaram naquela pose… devido à fama ou celebridade da infâmia.
Consiga eu ser na vasta escuridão do abismo a que a minha alma se adapta, a celebridade póstuma da decepção em que me coloco, o fulgor de não tombar como algo perdido, forçado à injúria no lamaçal entre o lodo e o visco dos fracos.
Consiga eu ser na vasta escuridão do abismo a que a minha alma se adapta, a celebridade póstuma da decepção em que me coloco, o fulgor de não tombar como algo perdido, forçado à injúria no lamaçal entre o lodo e o visco dos fracos.
Soerguido à minha cruz nas areias do meu deserto,
irrompe meu espírito como protesto, ao abandono dos braços da ciência escrita
encobrindo minhas palavras no granito da terra, como um desconhecido poeta para
o mundo da minha pobre existência terrena.
107
Quem sou eu, senão mais um eco de esperança perdida
nas estrelas que habitam o meu mundo?
À espera do contacto do amor… de viver e morrer com
ele, numa partida sem medo, porque tenho recordação do carinho dela no meu
corpo…
Inspecionando a sensibilidade que me afoga, inundando
o coração de horizontes do entardecer, a Confidencia emoldurada de segredos nas
minhas veias em explosões atómicas, rebentando intocáveis desejos de meus
queridos pensamentos.
Tudo que me rodeia é excessivo vulgarmente conhecido,
embora de família quase extinta, nada me dá que eu não sinta notícia, pura
mansidão e descanso.
Parece mentira, se entender que experimento o que
sofro sentindo, desejando sentir outra coisa que não esta linhagem de grupo, ou
outra qualquer sensação.
… Excertos que almejam o sentido doutros caminhos,
chegando ao cruzamento do tutano como sintéticos resumos de gritos, parecem o
verbo na forma que eu penso, deduções e terminologias que trepam a toda a hora
no pensamento, ou não fosse eu tudo o que sou, na maneira que sinto.
108
Escrevo com a minha tinta de água salgada em folhas de
ondas coloridas, e sinto-me livre como um homem contemplando a beleza do mar,
dono de paraísos que o meu coração ama como um eterno apaixonado da liberdade
que experimento.
Apanhando todos os bocadinhos da minha saudade
espalhada, formo a alma de barro na matéria que sou, e deixo de ser eu disperso
na rosa-dos-ventos, nos quatro cantos do meu corpo que suportam a vontade do
mundo.
Escrevo com quantas forças sinto!
Porque ponho em tudo que faço, mesmo sentindo um peso
daquilo que vejo - descrevo com esforço na claridade do mundo etéreo, o significado
que dou ao sol a visão de todos, e a lua manchada de mistérios ensombrando o
mar… me dão mais ânimo para prosseguir… e nem a tristeza me impede.
Escrevo na Terra, o mapa das minhas letras, e até fora
dela, falo das estrelas, dos cometas e doutros planetas… que estão fora do meu
chão e até do alcance da minha visão.
109
Estes mundos servem quando garatujo, para enfeitar as
palavras e até servirem de assunto – o que é no diálogo de quem compõe, matéria
que nunca mais acaba, até ao fim.
Até escrevo este texto… até com uma certa reserva, mas
depressa vejo que o “até” é - o desejo que a forma tem de explicar
resumidamente o que escrevo, e até ainda penso mais uma vez, mais até
rapidamente se não é.
Estivar um estilo pouco agradável, uma coisa sem graça
se comparado com os da minha espécie… porque chegando a este ponto /tantos anos
passados?/ nada me desperta no ser humano, a vontade perdida de amar os outros,
e a tolerância embora tonificada, se mantiver uma dolência chata numa convivência
quase inútil, ganho impaciência e um “anciã” solitário por resignação.
Há coisas… por mais reais que sejam, mesmo que estejam
à frente dos olhos, não têm explicação – salvo o encantamento da arte e uma
penetrante mente com seus desígnios ocultos.
110
Nós, humanos sonhadores, dominamos o sonho… e a
imortalidade.
Logo, não somos produto da ilusão. Pode-se dissertar
sobre os espíritos nada palpáveis… na dor da alma, mas com a matéria da nossa
carne só quando sangra? Não há dúvida que ela sofre a incerteza da
aflição.
Ou há uma entidade Inteligente e Superior cujos
intentos atribuímos a palavra Deus, ou há fortuitos corpos Celestes que
transformaram a Natureza numa Deusa, donde descendem todos os milagres dos
seres vivos e das coisas…
Destino… muitas vezes associado a fatalidade, não tem
nada de difícil, mas antes a causa que o acaso transformou em escuridão numa
luz divinamente humana.
E então, somos uma casualidade do acaso, que um certo
choque estelar num determinado espaço gravítico… deu origem à vida - misteriosa
causa.
Mareei a realidade afastando-a de mim /como as marés
de espuma ao vento/, sobressaindo e dobrando num ciclo repetido à demanda do
rigor, com o subterfúgio do lugar rebuscado, ainda sapiente do coincidido não
ser exequível descobrir – círculo íntimo corrompido.
111
Tentei iludir a imagem sem rosto, de contornos
semelhantes aos meus, aos poucos dissipando o nevoeiro de meus olhos, buscando
incessantemente o eu que estava ali anónimo… ensaiando imiscuir-se no sonho
imaterial despercebidamente.
Revejo-me vezes sem conta, e aquele sendo na forma,
desconheço, nem sei em que corpo me encanaram… sei apenas que este físico é
emprestado, e nem sequer é cognato na maneira de ser - sou um estranho
pessoalmente andante.
… Só os olhos e a alma concernem. Sinto-o, não sei
definir a privacidade do espírito, mas como amigo, respeito.
Se me enleio na multidão, sinto-me estranho por entre
essa massa taciturna, quase um paladino comandante duma orbe empírica…
conquistando o som dos passos no silêncio dos movimentos.
Perceptível apenas o vento, sacudindo os cabelos
fartos embatendo nas petrificadas faces… são esqueletos de cabeças distintas
parados no templo do meu poder, e o único rosto movendo-se parecido com o meu,
é de o singular ser vivo existente no pensamento.
112
Saindo do acostumado torpor existencial, dou comigo a
pensar no que é este meu estado latente em forma de vida, sem sabor nem o sal
que dá o equilíbrio básico e fundamental para subsistir, ninguém que diga…
Hoje, 17 de abril de 2011, Domingo de Ramos /aniversário
de minha mãe/, entrada de Jesus em Jerusalém sentado num jumento para celebrar
a Páscoa Judaica.
Caricato ou não, sinto-me sentado num jumento toda a
minha vida absurda.
Dou um ar tolo, intermitente, de quem está habituado à
troça, mas indiferente. Não é a chacota que me aflige, ou as pessoas, essas
estremecem porque não vêem em mim receio do termo, a dor que sinto no vazio da
alma – essa outra porta.
Vivi muitos ambientes em diferentes lugares, tenho
conhecimento das atmosferas e experiência dos meios, vilas e cidades, e conheço
o ser humano como a palma da minha mão. Bastam dois dedos de conversa… e olhos
denunciantes nada escapam ao sinal figurado das pálpebras trémulas e agitadas
como ciganos vivos.
Tudo tem um significado próprio - a visão da
substância, o jeito de decifrar, e o espaço em que se encontra, todos são
coisas integrantes de um corpo genético.
113
O interior da alma, a qual herdamos antes de nascer… é o carácter pessoal e intransmissível no mesmo ser, e não um aglomerado metafísico de genes.
Não há engano
possível em imputar ao espírito todas as coisas estéticas e sentidas que
mereçam viver, e que se tornem belas aos olhos do mundo. Ao não ser, seríamos os Parkinson do planeta, de
matéria eunuca e insensível, com a única espiritualidade existente na Terra – a
água, vida do corpo.
Todas as assimetrias têm equidade.
Todas as dores assimilam o poeta.
Quem delira também sonha.
Significa viver Eternidade…
não há necessidade na espera,
porque quem ama, não sai do coma.
Ao cruzar-me nas ruas com o comércio dos olhares
vagos, questiono que ideias travam no trajeto das suas guerras diárias?
Não sou diferente destas almas fogosas, embora as
conheça a todas como meus iguais, nas mesmas lutas de propósitos renovados e
igualitários gestos.
114
E todos eles são como eu… na vivência dos problemas
que afligem, na procura estável e emocional do quotidiano laboral e familiar,
do futuro incerto, da vida deles e minha, desta crise geral que afeta
psicologicamente todos os encéfalos resistentes desta patologia anormal… viver.
Sofredores de corações dilacerados, chorando como
crianças por verem os seus sonhos destruídos… da miséria que grassa nas gentes,
contaminando o mundo como uma doença, o sofrimento do grito universal com o
lamento ruidoso de todos os seres no inferno das suas dores, e o eco das suas
mentes alterando o padecimento de toda a humanidade – transformados em gémeos
poetas.
Quer queiramos, não aceitando, não quero o lá vai… mas
o dia de amanhã tem pouco futuro, e se não houver outra coisa para sobreviver e
depender do passado, é melhor a vida agora… que nada.
Ir ou viver… antes resistir que morrer, ou ficar
embalsamado.
115
Meio cem… metade ego,
pouco usado na idade…
Sem muito para dar,
ainda tem novo aspecto
e muita vontade de amar.
Se houver felicidade,
muita vida além…
Quem sabe… ninguém…
Quem sabe… ninguém…
Se bem que, falar da metade do “século” na vida dum
ser humano, não seja pouca monta, mesmo tendo em conta a forma e a aparência,
vê-se o que se quer.
O espelho tem essa forma encantadora ou desagradável
de descobrir o que se enxerga, e ver o jovem eterno que lá vive no sonho ou o
pesadelo branqueado.
Hoje, aqui ao escrever, vejo nas faces um rubor e uma
duração do corpo, que nada tem a ver com o de agora, e o que vejo não tem a
feitura como estou, nem sou.
Quando me encontro só com a minha imagem, na companhia
do “outro” meu, os meus olhos têm séculos e o meu semblante é velho, enrugado
na pele centenária e invisível no espelho deste lado…
116
A verdadeira forma da realidade, seria por estar
avançado no tempo, o respeito dum ancião, e no sentido figurado, a
representação da máscara encobrindo um monstro, quando se fala da imaginação e
dos pavores que nos assolam como pesadelos, ou temores dos ventos correndo como
anunciação do assombrado…
Não – É uma negação que não deixa margem para a dúvida.
Não é que tenha idade /sendo jovem/,, mas a velhice
chegou demasiado cedo, e a fatalidade envelheceu, definhando aquele corpo e a
dor daquela mente.
Esta é uma história entre tantas outras, mas
angustiante para quem passou por ela com demasiado desgosto.
Mais do que o sofrimento, a razão de existir torna-se
um tormento, e é preciso uma vontade maior que Deus, continuar vivo.
O interregno que ocorreu nesta divagação, fez-me
esquecer o velho dos meus sentidos. Mas o repentino dever da visão, trouxe-me à
memória o caso malfadado da sua crónica, a cujos anais lhe deram o
título…
/O Velho Sem Cabelo/
117
/O Velho Sem Cabelo/
Os íngremes degraus da escadaria torturando a sua
existência, numa contrariedade do destino, tantas vezes entalando as mãos na
cabeça, puxando os cabelos num acto de desespero…
O sangue da família e as raízes da hereditariedade
fazendo perder a razão e o pelo… todas as mazelas que não o pouparam ao
esgotamento derradeiro, quase louco perto do suicídio.
A perda da mulher e da filha, deixaram cicatrizes como
uma coroa de espinhos atravessada no coração doente e quase extinto.
Tentou cortar o fio indelével que o prendia ao seu
comportamento, mas não era preciso – já sentia morte na vida.
O acidente de automóvel e a sua culpa no sinistro, sem
saber o que fazia… arrancou os cabelos da cabeça com as mãos ensopadas de
sangue, e uns guinchos que acordaram todas as almas do purgatório… e o
transformaram no velho sem cabelo.
118
Faço uma
reflexão seguida de uma pausa gestual.
Abro a boca
para deixar entrar o sono muito mal.
Pronto a
enfrentar o términus da noite…
ao aconchegar a
cortina solta, donde hoje,
dou por mim
numa sonolência,
a pensar donde
me vem estas coisas por excelência…
Se alguém inquirir a minha felicidade, direi que não
sinto tal paraíso. Talvez uma aproximação da consciência, o quase raiar dessa
luz como um espelho transparente, ali tão perto… inconsequente, mas
intransponível por não merecer todos estes anos adquiridos, mesmo transportando
a infeliz face do destino.
Ainda não perdi a esperança de entender a razão dela
ter tanta procura, porque a felicidade não é uma coisa que se invente ou se
compre numa loja.
Mas penso que até uma formiga quer ser feliz… ainda
que ande quilómetros em busca das migalhas que lhe matem a fome e engula a
felicidade.
Quem não quer?
Para uns será o amor, a família, a velhice e depois…
Para a formiga será a sobrevivência.
119
E ninguém me tinha dito… que a felicidade tem vários gostos,
e para cada um a especificidade dum modo, o lugar de ser, a maneira como se
sente, o segredo.
Se um amor encontrar alguém perdido no silêncio, falar
com os olhos e o coração, não vou acreditar, mas terei marcado encontro com a
felicidade.
Senão, em vez do sossego, o contínuo diálogo na
sociedade do isolamento, a velha forma de não ter modos de viver, e ser
indiferente no separar do tédio, por não querer atuar e deixar correr o tempo
como se estivesse parado.
Ainda que o colorido fogo fantasma rebente com a
podridão geral e traga luz às minhas sombras, só a infelicidade essencial
colocará minha vida no esquecimento.
Sou um abismo de semblantes indefinidos, por
localizações de sinais em caminhos parecidos com mímicas, imitando trejeitos e
locuções mundanas por ter abandonado o sonho, e deixado a mente em ruínas.
Tudo o que se diz de nós é confuso… não tenho
certezas, nunca estamos contentes com o que somos ou o que entendemos do ser
felicíssimo.
Mas todas as vidas que fervilham nesta febre inquieta
do mundo, não passam de almas humanas enlatadas, vivendo na penumbra, para
distracção do inferno.
120
Dou por mim, passeando nas ruas com o meu olhar
solitário nas lojas de pouco movimento, tentando evitar a futilidade da manhã
com o ar mais ocupado que consigo usar, quando me sinto acometido de enjoo
natural pela humanidade vulgar do meu corpo, ao encontrar no diálogo das
pessoas nada que me surpreenda, aquele aborrecimento do “déjà vu”, sondando
esse enjoo como para descarregar a intenção imaginada de confessar.
Há os que passam por mim, e não falam, mas oiço como
uma intuição o murmúrio das suas vozes na minha cabeça, ainda que os olhares
esporádicos me dêem a visão da sua inclinação pouco clara nos cruzamentos
traiçoeiros.
E desses, não preciso saber nem sentir, que os ódios
que transmitem me provocam sem o menor esforço, o vómito.
A calúnia, o enredo, a vaidade tantas vezes incendiada
por aqueles que falam com rancor nas palavras, dos sons enlouquecidos da raiva,
as chalaças com propósitos da fama maledicente, e a medonha agnosia daquilo que
são… tudo junto numa complexa máquina destruidora das almas, inventam a
monstruosidade do ser que não sabe o que é a inocência do desejo, dos piores
restos dos sentimentos e das sensações inexistentes dos sonhos… são os monstros
dos nossos pesadelos e a missão para que foram criados.
121
Não são os outros que no seu quotidiano normal me
afligem:
Não consigam despertar pensamentos estáveis donde a
vida existe, ou sorrisos inventados tentando imitar o mínimo de felicidade,
corrigindo a pose teatral como se o gesto fosse mais importante que a alma… e
não esta pasmaceira sem animação que sinto dentro de mim.
E dou comigo, sabendo antecipadamente por onde anda
alegria e coração batendo, embora sejam momentos que valem a pena viver… são
apenas a absolvição para a infelicidade quando tudo acaba. A felicidade está na boa vontade do nosso coração, e
verdadeiramente quando se sente amor, por mais inferior que seja o ser, ou
sofra de dor.
Quantas vezes andamos esquecidos de nós, tão
desaparecidos nos labirintos de mil e um espíritos, que desejamos submergir do
fundo do nosso mar em busca da nossa razão, encontrar a nossa alma e abraçá-la
com todas as nossas forças, com medo da fuga, nos leve também o coração.
No sentir reside tudo aquilo que somos, a
sensibilidade da nossa alegria e a emoção, tudo o que dá sentido à vida com
amor. Sem ele, poderíamos ser uma coisa qualquer – mas não humanos.
122
Todos os outros pontos da consciência humanitária, são
escadas íngremes para se obter a mesma fórmula da humilde simplicidade, que é
amar e ser amado.
Apesar da
vaidade ser excêntrica, a vida não teria graça nenhuma…
Não haveria história nem teatro, sem a tal parte efeminada da vida gestual com humor e requinte.
Não haveria história nem teatro, sem a tal parte efeminada da vida gestual com humor e requinte.
A vaidade também poderá ser sinónimo de asseio
intelectual, artístico e humanamente saudável, se for usado pelos sábios com
inteligência e os feitos dos homens for merecido ainda que sejam incultos e
pobres.
Todos nós padecemos desta enfermidade, mas foram
sempre os poetas, prosadores entusiastas pela fama, os historiadores que
narraram a celebridade da vaidade desta, chegando à fixa ideia que nela estão
adaptados todos os princípios que nos regem, ainda que à consciência a possamos
batizar como a vaidade interna.
123
Há uma história
menos conhecida de Narciso e sua irmã gémea.
Vestiam-se da
mesma forma e caçavam juntos.
Narciso
apaixonou-se por ela.
Quando ela
morreu, Narciso consumiu-se de desgosto por ela,
e fingiu que o
reflexo que via na água era a sua irmã.
Onde o seu
corpo se encontrava, apenas restou uma flor: - O narciso.
Não são precisos caminhos entrelaçados e desvarios
intelectuais… a soberba desmedida da nossa cegueira, quando a vaidade do
próximo vai contra a nossa própria, embora não apague, baralha todos os outros
valores da nossa figura.
Resta a consolação a quem é imodesto, o orgulho de
agradar a si mesmo, e vaidoso, se encantar todos os que admiram a beleza da sua
obra.
124
Muitas vezes, nem se apercebe que vive na pele doutro
personagem, que lhe irá causar problemas sérios na sociedade, por sentir
necessidade na sua duplicidade, de se encontrar a si mesmo, despertando para a
realidade do seu próprio interior, se não for orgulhoso ou ficar afetuosamente
bloqueado pelo excesso teatral.
Há um aspecto que julgo não sendo contraditório, onde
os outros absorvem suscetibilidades causam na sua imitação sensações
desmaiadas, e eu justifico sentimentos /onde o coração é dono de uma pequena
parte/ com a atitude do meu senhor a quem devo ponderação - o pensamento.
Se pudéssemos
ter pensamentos fora do contexto das palavras,
seríamos
comunicadores dotados, superinteligentes...
nem
precisávamos falar que somos o futuro.
125
O pensamento mantém seu corpo espiritual, enquanto
termo final característico do significado das palavras; esgota-se na admiração
de uma tela pela beleza dos nossos olhos, e dura o tempo que os nossos
neurónios acompanham a ideia da reflexão, depois acaba… quando começa a
subsistir para os outros, e deixa de viver em nós, mas nunca finda na nossa recordação.
Para todo o ser comum, no seu floreado de amar, aquele
sentido que tem de exprimir é viver, e aquela introspeção na maneira de cogitar
é aprender para conhecimento do viver. Já para mim, toda a forma de cuidar é um
bálsamo constante para viver, e usufruir de uma certa sensibilidade não é mais
que a substância de pensar.
Um simples pensamento não pode fazer bem
ou mal que sofra, ou padeça, a ninguém.
Mas o
esgotamento até à exaustão do bem pensar
pode uma pessoa,
outra pessoa impressionar,
até decidir o
seu modo de viver, pelos outros,
como um
lunático que os seus modos são loucos.
126
Ao rever todo o percurso da minha forma de estar,
ultrapassei todos os impedimentos das minhas crenças, que julguei ver nos
rostos que me rodeiam na sua forma de ser; transpus todas essas contrariedades
no interior da minha razão, deixei de ligar às más influências como uma doença,
resisti ao muro das lamentações evitando comoções violentas, buscando o bem que
se aloja dentro e nunca parando sempre de o analisar como uma estrela no
firmamento.
É estranho que nesta fase da vida, tenha pouca aptidão
para habilitar meu orgulho, se bem que ele seja mais reclamado pelos que são
mais contrários à minha natureza, do que pelos que são do meu género
contemplativo.
Sou apologista da diferença, e estou convicto dessa
razão, quanto maior a distância e a dissemelhança de mim, maior a autenticidade
de alguém.
A fantasia é
uma fonte que nunca seca.
A inapetência da fantasia, a necessidade de a ter ou a privação dela, a tristeza de não a ter tido, são bloqueios do sonho ou a ilusão de a ter perdido.
Todas as fantasias têm arco-íris - Senão for um sonho?
É um desejo da fantasia, de nos sonhos também poder
sonhar.
127
Eu amo a poesia.
Talvez seja um verbo demasiado forte para gostar, se
entendermos por amor que temos às pessoas ou às coisas uma razão mais válida,
amar um poema por mais real e sentido que seja, não passa de uma fantasia ou
uma força de expressão.
No sonho, talvez seja um desejo ser poeta. Mas do ir
até ao ser, a ilusão que se tem do sonhar, torna-se real se a fantasia se
concretizar.
É óbvio que ver é uma realidade.
Depende da condição do estado, a circunstância da hora
ou a visão dos olhos se adaptarem ao séquito da escuridão.
Se for para um invisual, infelizmente não tem
fantasia, mas é um sonho querer. E na hora do sono, se a dormir estiver a ver… é uma fantasia do sonho.
Eu pessoalmente sonho quando estou acordado e vejo
quando estou a dormir. Peço aos deuses
que me protejam da minha figura nesse momento, tenha o discernimento suficiente
pelo que me rodeia, o instinto de não bater em nada… despertar do que estou a
ver no sono, e sair do sonambulismo da fantasia sem dores.
/Fantasia/
Uma outra é certa
quando inventa e copia
invenção Maravilha!
Até parece que é desta!
Até parece que é desta!
Qualquer coisa
de nada se brilha.
de nada se brilha.
Vazio, solta bolha.
Um sorriso catita
também sai da boca.
também sai da boca.
Imaginem a fantasia!
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