sábado, 6 de maio de 2000

ORIGENS DE TRÁS-OS-MONTES






ORIGENS DE TRÁS-OS-MONTES
     


Lá dos lados de Trás-os-Montes… será que o sol de outrora nasce todos os dias?

Dentre as montanhas que protegem esta Foz,  donde passa o Côa?

Será que foi o ninho das antigas origens, do elixir da longa vida?

Viajante das fórmulas do tempo, das raízes mágicas mescladas de espíritos ancestrais,
nossos antepassados?

Algo me diz que sim… viajante alma de mim.

















quinta-feira, 6 de abril de 2000

ALFERRAREDE



 
/Em Alferrarede/

ALFERRAREDE




Em plenas férias grandes… subia e descia aquela rua sem saída. Não era muito inclinada quem vinha da rua principal, era atravessada naquela direcção… pela estrada de alcatrão.
Subia e descia aquela rua passando pela porta de minha casa. Sem saída tornava-se  isolada. Passava ali as minhas tardes.
Brincava com uma miúda dessas idades, namorando com a inocência do olhar, correspondido na maneira meiga de falar.
E quando estava sozinho… sentado nas escadinhas do meu cubículo, olhava as estrelas, esses pequeninos emergentes pontinhos embrenhando meu delírio noturno. 
Passava um meteorito do outro lado da Terra e eu sonhava que era uma fada que vinha doutro mundo e me levava, voando junto com ela.
Esvoaçava, e eu sonhava olhar perdido, apenas um… à porta e à janela…  ali ficava perdido sem jeito nenhum.


















segunda-feira, 6 de março de 2000

SOZINHO







/Em Tomar, Colégio Nun'Àlvares/





SOZINHO





Aos 11 anos de idade, no Colégio de Tomar, ouvia os risos que enchiam o pátio de recreio e sofria dessa dor sem nome de sentir a vida muito mais cedo do que os outros sentem.
É certo que lutava para compreender o menino triste, insensível à agitação em torno. Sabia que tinha medo do rumor que ouvia, mas também tinha medo do silêncio que devora.
As árvores dormiam como ilhas perdidas na sombra, e os minutos a passar como asas lançadas no espaço febril da minha insónia.
A solidão acorda tão fundo em meu espírito, que a certeza do vazio que demora, preenchida traz minha tristeza, e logo vem ao meu pensamento que minha liberdade está perdida.






















domingo, 13 de fevereiro de 2000

ALMOÇO NA SERRA




/ EM CASTELO DE PAIVA/

ALMOÇO NA SERRA




Num dos dias na Serra da Freita, para os lados de Castelo de Paiva, acompanhei meu pai na montagem de uma linha, era difícil e perigosa a subida, e a profissão de guarda-fios os heróis daquele dia, numa altura que fazia tremer o interior de qualquer coração. 
O dia continuou, e chegando a hora do almoço, com lenha apanhada no monte, pau grosso, se fez uma bela fogueira, e numa panela preta de ferro ferreira, se fez o melhor cozido da minha vida na Terra. Comeram várias pessoas, e se não era dos ares da serra, era da panela que ainda serviu para além das carnes de porco, boas sopas…

Um dos ajudantes do motorista (meu pai), lhe deu a vontade, e atrás de umas silvas se foi aliviar. E pegando numa pedra parideira para se tentar limpar, eis que manda um grito que fez assustar a serra inteira… 
Meu pai teve de o conduzir ao hospital, porque um lacrau que estava debaixo da pedra de granito lhe fez um “pico”, mesmo no centro do refugo… e o coitado não parava com tanta dor no cujo…

Ele bem sabe que a culpa não foi do cozido, nem do belo apetite, nem sequer do alívio… mas sim da falta de papel e daquela pedra que tinha um doloroso espinho.

Dissera ele mais tarde:

- Maldita a hora que lhe dera ali a vontade de repente!
E
stivera quase a fazê-lo de um penhasco… mas como era muito o frio do vento, receou ficar constipado.
Às pedras nunca mais vai voltar, e muito menos as calças arriar… porque isto de ser picado, ninguém gosta, e muito menos naquelas partes onde ninguém se pode descuidar.




Nunca gostei tanto de sorrir ao comer boa comida, e deitar mão à barriga como uma criança de pião, perdida de tanto rir com o pico do escorpião.














segunda-feira, 17 de janeiro de 2000

A ESPERA


/ Colégio Nun'Àlvares em Tomar/


A ESPERA



 
Alguém sabe o que é sair de casa com 11 primaveras para ir estudar num colégio interno, vivendo mil esperas, ficar enclausurado durante outros cinco anos, viver numa prisão que é o inferno? 

Vivemos o tempo como se fora dos moiros fechados num castelo, alimentados com arroz e porrada… tendo a espada como martelo e a dureza de ser caloiro, andando com uma coroa e os espinhos de um judas mal amado.
Ficamos por nossa conta… sobreviver à sombra de quem é mais forte, sonhamos vir embora a toda a hora à espera de uma qualquer sorte, que nos batam à porta… caramba!
Como uma espécie de lotaria sem engano, noite e dia durante a semana, todo o ano. 

Somos possuídos de uma tal coragem que nós próprios ficamos admirados com tanto sangue frio, uma revolta interior que parece adormecida… produto da violência que nos moldou, um coração gélido e duro mas não insensível, se a parte intocável que há dentro de nós não se quebrar…

Espero a hora do recreio, o fim da aula, a hora de jantar, horas incontáveis, esperas intermináveis, a hora de dormir, sonhar… acordar em casa.









quinta-feira, 9 de dezembro de 1999

RECREIO


/Cinco anos passados no Colégio Nun'Àlvares, Tomar, dos 11 aos 16 anos/




RECREIO














Um cantinho… um encanto de lugar, um agasalho do vento não menos que um abrigo, um retiro com olhar para o céu, o cantinho do nosso refúgio…
As recordações…
Por ser o nosso convento, esconderijo das nossas memórias, das saudades do nosso tempo, das tristezas e alegrias… o cantinho do nosso lugar.
Por ser a protecção dos nossos pensamentos, sem leis que nos prendam ou impeçam de sonhar, por ser um cantinho tão pequeno onde cabem todas as estrelas e água do mar.
Porque não somos fugitivos de nada, precisamos do nosso espaço, pensar nos dias que passam, recolher ao nosso mundo para nos sentirmos livres como o oceano e a Terra no ar.





sexta-feira, 5 de novembro de 1999

COLÉGIO INTERNO


/Cinco anos passados como Interno no Colégio Nun'Àlvares/


COLÉGIO INTERNO
Se transformarmos cinco anos em 60 meses, 1825 dias, 43 mil e 800 horas, 2 milhões e 628 mil minutos, 157 milhões e 680 mil segundos… o nosso tempo tem milhões e embora dele faça parte o milésimo, ocorrem milhentas coisas no segundo do mundo.
Cerca de mil alunos…
Era um mar de espécies e raças vividos com o contacto do dia-a-dia, experiências, histórias, vidas de África e outras ilhas, uma humanidade tão rica e diversificada dentro de uma prisão planetária, com a finalidade de aprenderem a ser homenzinhos num mundo melhor e se tornarem livres.
Mas como era isso possível na actualidade, se no tempo era ditadura, não havia liberdade e o futuro era um facho, uma mão no alto e uma falsa pintura…
Nunca me adaptei, e saudade é coisa que não sei, nem tão pouco repetir se voltasse atrás, renovar a idade, ninguém me convence, mesmo que prometessem que eu ia viver em paz, e voltaria a liberdade de quem sente, como Fernão Mentes Minto.