quarta-feira, 17 de fevereiro de 1999

A MÃO DE DEUS






/EM POVOA DE LANHOSO/
A MÃO DE DEUS



 
Finalmente o sol de verão.
No alto da vila, vivia na quinta de uma senhora “beata” e de uma gata falsa de estimação, que de tempos a tempos ficava estranhamente assanhada, o pêlo eriçado como um ouriço-cacheiro e umas garras de unhas curvas como ameaça, dando saltos e gritos estridentes mal me viam passar à sua caça.
Tinha um curral com porcos, capoeira com galos e galinhas, uma casa de rede com frangos e patos soltos, perus e pombas cheia de aves pequeninas, que mais parecia um zoológico cheio de cabras e borregos e ovelhas pisando a caca, e até um saguim - macaquinho de África e todos os animais domésticos que havia… parecia que vinham desembarcados da arca de Noé.
Eu acompanhava e ajudava maravilhado à alimentação daqueles animais e seguia a senhora para todo o lado… e para a igreja do senhor padre em oração.
À tarde, com outros miúdos da minha idade, me levou um dia à casa do Senhor para aprender todos os actos, rezas e contrições do pastor.
E não é que eu me pus a dizer e a cantar padre nossos, ave-marias e todas as rezas da missa sem ver… nem ninguém me ensinar...?
As pessoas exactas daquele meio, o senhor prior e as senhoras beatas que nos contavam histórias de amar, entre si olhavam com grande admiração e uma adoração de para mim olharem.
Como era possível acontecer?
Alguém tão pequeno e que nem sequer ainda sabia ler, saber todas as palavras de amor do homem que andava em cima do mar…?
A verdade, é que sentia algo meu, belo e inocente como se tivesse Deus dentro do “eu”, da minha mente. Olhava para a natureza como se visse a primeira maravilha do mundo, adorava o entardecer das tardes pelo ouro do sol amarelo e amava a incandescente luz do sol poente raiar, o momento do dia em que a estrela de calor se põe no horizonte e a luz do sol na meia-noite me punha a sonhar…
Eu, adorava aquela terra, e os milagres sonhavam e aconteciam dentro do meu ser como se fora abençoado… o mundo era o meu amor de criança, amar e ser amado.