As personagens são inventadas
mas a historia deles verdadeira.
A linguagem é pior que vernácula
Se é educado, susceptível, não leia.
QUEM MATOU MÃE MATRAQUILHAS...?
(1)
População Masculina
A família Montimerdas vivia no Bairro de Lata no Prior
Velho (Lisboa).
Ao passarem na rua, todo o submundo procurava o
comércio variado e atraente das suas mercadorias que vendiam como feirantes e
não passavam de uns reles traficantes.
A maioria da população do Bairro de Lata é gente
cigana, que sempre viveu à margem da lei, usando negócios ilícitos, e
ultimamente no trilho das drogas duras.
Também trocavam o trabalho pelo furto diário em delitos menores, que eram
passados de avós para pais e de pais para filhos… sangue rebelde que lhes
estava enraizado na hereditariedade de seus antepassados, que desde tempos
memoráveis lutaram à sua maneira contra todas as raças para serem livres e
submeterem-se apenas à etnia cigana.
Os irmãos Bagalhão, Fujifoge, Sacoesconde, Kudacorda,
Kukumija, Kaguincha e Montimerda júnior, apelido familiar dos Montimerdas por
ser o mais velho, e todos eles respeitáveis ladrões de profissão e abençoado
sustento da família, com mais outros tantos cunhados e outros filhos deles,
porque eram muito religiosos da parte do Deus que fugiam…pedindo com muita fé…
para que a polícia nunca os apanhasse e metesse no chilindró.
Verdade verdadinha… trabalhar? Trabalhavam como uns
desalmados!
Lá isso, era vê-los coitados!
Sempre ali a darem no duro e a palmarem tudo quanto
era do vizinho mais próximo.
E quem os visse (porque ninguém os via), parecia que
alguém acabaria por dizer, que ali estavam os homens da Nação… a lutar para a
humanidade continuar a ser uma das mais velhas profissões do mundo – ladrões.
Montimerda falava muitas vezes que admirava os
políticos e os gajos das Câmaras, falando com o calão e os chavões populares
que é próprio das gentes sem escola:
- É pá, admiro aqueles paneleiros!
Formam-se, são doutores, roubam milhões… toda a gente
sabe o que eles são, passam pelos tribunais para o povo saber que não são
ladrões… e nunca são apanhados, e depois vivem à grande e à francesa!
Já disse à minha Maria, que o meu próximo filho vai
para a Universidade bater com os cornos nos livros e ser um doutor daqueles…
para poder trabalhar à vontade e ficar bem na vida. Pelo menos, em vez de ser
perseguido, é antes guardado pela polícia e o doutor juiz ainda lhe passa um
papel que prova a inocência do rapaz… tudo ali, o preto no branco como manda o
figurino, porque aqueles filhos da puta podem ser uns larápios mas não são
mentirosos… os tribunais atestam isso mesmo, enfiam-lhes a honestidade pelo cu
acima.
Bons e empenhados comerciantes como era costume…
salteavam as farmácias à procura de “drunfos” como a metadona, morfina,
comprimidos de metaqualona para vender aos desgraçados das drogas, além de
traficarem Ecstasy e heroína.
- Dos Supermercados, rapinavam caixotes de tabaco e
álcool, com preços acessíveis para revenda e contrabando dos piolhosos como
eles, roubando carros de madrugada e sacando com mãos de veludo… carteiras e
malas no metro.
- Assaltavam o armazém das fábricas de plásticos para
vender nos mercados vários… como alguidares, regadores, pratos, talheres,
brinquedos… que eram transportados numa camioneta de caixa fechada para fuga
dos impostos, e dos papéis que comprovasse a autenticidade da mercadoria, tendo
que viajar de noite a horas menos próprias para fugirem à polícia. Enfim,
negócio herdado do sangue dos antepassados e do tempo que ainda existiam
piratas… só que os piratas, hoje, são mais sofisticados com pulgas, baratas,
lêndeas e chatos que se pegam com o contacto do ar, e duma comichão tal em tais
partes numa carne viva que parecem bifes…
(2)
População Feminina
Mas a família Montimerdas era uma cepa à parte, quase
descendente dos mouros… raça de origem árabe aportuguesada, nos tempos muito desleixada.
Por não tomarem banho e por não quererem pagar a água,
ao viverem naquele Bairro de Lata se confundiam com os ciganos, que lá do
paraíso, o inferno do céu abençoava os nascidos com água natural dos esgotos,
usando pó de talco na carne putrefacta para as partes amareladas com bolinhas
de pus e aspecto inchado à volta das ratas… das filhas Putikeka, Bobochapa,
Chupalimpa, Lenachagas, Perceveja, Lenamijas, Bobovina, e às filhas destas
filhas… Lavaeseka, Surrasurra, Cagueira, kacacheira, Xupapiças e kaleija, todas
elas também habituadas a viver no meio de chatos, percevejos, lêndeas e baratas
a cair no tacho como marisco.
Frequentaram levianamente a Escola da Vida sem saber
ler nem escrever. Depois, tenra idade a vender nas feiras, e mal formaram corpo
de mulher, todas elas perdendo a virgindade com irmãos, primos e cunhados, iam
com grande descontracção no verão, em plena Avenida de Lisboa trabalhar na
prostituição.
Por vezes, pegavam-se em grandes discussões e à
porrada com as putas ali perto do Intendente pela disputa daquele território em
plena Avenida, quem vem do Tejo pelos Restauradores, ou quem vem da Rotunda do
Marquês de Pombal em linha descendente.
As putas do Intendente mostram-se perto de casas
antigas (com rendas mais baixas) onde o chulo tem quartos alugados, por aquelas
ruas de travessas e esquinas doutro bairro que parece a certas horas outro
mundo… e à noite nos meses de Verão, a Avenida é o chamariz para acabar no
Intendente.
Tomavam banhos de perfume em vez de água, coisa que
aqueles corpos poucas vezes viam numa bacia velha e sem esmalte, por viverem em
barracas com pulgas e com ratazanas do tamanho de coelhos saindo das tocas como
se fossem animais de estimação.
Os clientes desconheciam a falta de higiene daquelas
potenciais inimigas da saúde, e durante a noite à luz da lua ou sem ela eram
aliviados… para nos dias seguintes ganharem doenças de pele com as mais porcas
enfermidades que a comichão os acometia, ficando tão roxos, em carne viva… como
as partes íntimas daquelas moças rameiras.
(3)
PÁRARAIOS, MÃE MATRAQUILHAS, FUMAÇA,
PICHOLAS E ZÉFERRO
Todos viviam e dormiam juntos numa
grande divisão da barraca cheia de camas…
Uns ressonavam, outros fodiam como se fosse o acto
mais normal do mundo… e nem sequer se preocupavam em evitar uns gritos de
tesão, rangendo as molas da cama e estremecendo os nervos de quem queria
adormecer.
Às vezes, alguém gritava dizendo: Deixem-me dormir
seus filhos da puta!
- O pai Páraraios que fazia de ama-seca, era casado
com mãe Matraquilhas que vive actualmente debaixo da terra… sim já morreu. Era
uma santa endiabrada quando enviava tempestades de carga de porrada ao
Páraraios, partindo os cornos do pai que era marido de figura presente e um
saco de descarga de toda a sua adrenalina.
Mas pai Páraraios era gay, e sempre que podia fazia
parte das manifestações homossexuais, vestindo-se de mulher, com uma saia,
meias e ligas coloridas e uns sapatos de salto alto que lhe faziam inchar os
pés, e uma sacola a tiracolo que lhe dava um gosto especial.
Todo o mundo sabia e ninguém se importava, porque
ajudava nas lides da casa, cozinhava, limpava, lavava e ainda levava no cú…
Mãe Matraquilhas cuspia a rir nas sopas de pão com
leite azedo da avó Matarratas, que era gaga e via muito mal. Ia imitando ao
mesmo tempo a desgraçada, comendo alhos crus para assoprar com o hálito da boca
e poupar nos pequenos-almoços, servindo sempre as mesmas sopas, que juntamente
com o cheiro dos alhos tresandavam a podre insuportável e às vezes faziam
vomitar a velha. Brincadeiras de pessoa com miolos queimados e instintos
maléficos.
Mãe Matraquilhas limpava ainda a porcaria dos filhos,
atirando às trombas deles com cuidado para não sufocarem com o mau cheiro e
ensiná-los a não cagarem tudo quanto era sítio… aos cães esfrega-se o focinho
na merda, a eles também quando se irritava. Como o marido Páraraios era
paneleiro, todos os filhos eram de cunhados, primos, e os últimos do avô
Picholas que tinha uma picha dum tamanho dum cacete, com uns trinta e tal
centímetros… enfim, coisas da natureza.
Da irmã Fumaça que bebia tudo sem sacrifício de tanta
bebedeira, fumava muitos maços de tabaco por dia e entupia de fumo a chaminé da
cozinha… pagando o defeito a matar a rata de trabalho… quando lhe faltava o
dinheiro para o vício.
…. Um dia, que não era belo para aquela criatura, mãe
Matraquilhas empurrou-a lá do alto do escadote, partindo-lhe os braços e as
pernas, e os dedos dos pés engessados no Hospital do Estado, para se ver livre
dela e do fumo de cigarro.
O avô Picholas que era surdo, zarolho e coxo, e fazia
o lugar do pai Páraraios, deitava-se com a mãe que não era filha da mesma mãe,
perdoando-lhe o mau feitio com umas quecas às sextas e sábados e domingos na
hora da missa… aumentando o número de filhos lá em casa.
O cunhado Zéferro era sucateiro, e quando despia o
fato de macaco todo sujo, a sua pele tisnada pelo surro e falta de água,
parecia queimadinho do sol da praia… só que era uma acastanhada cor de caca,
que fazia lembrar um cagalhão doente do mesmo nome e com o mesmo colorido… como
sofresse de icterícia e escorbuto… e por onde passasse deixava um rasto do
cheirete a merda, não só da pele mas também por aqueles pelos do cu nunca ter
visto melhores dias, e os cabelos engrossados pela porcaria seca terem a
parecença da palha e o fedor a merda… nunca se sabia se o perfume intenso do
Zéferro era dele ou da pocilga onde ele vivia… havia quem dissesse que os
porcos ao pé dele eram uns santos, tal era o cheirinho do bicho Zéferro.
(4)
QUEM MATOU MÃE MATRAQUILHAS
Decididamente, mãe Matraquilhas era uma mãe neurótica
que passava a vida a infernizar toda a família, e estes fartos dela… existia a
possibilidade a qualquer momento de a mandar para a quinta das tabuletas, para
acabar com o seu mau feitiozinho.
Mas ironia do destino… o seu dia de apresentação
estava marcado, e quem acabou por a despachar para o outro mundo… foi quem
menos se esperava.
A avó Matarratas sofria de miopia e alguma gaguez.
Costumava dizer que nunca foi preciso ir ao doutor da vista (Oftalmologista),
porque além de ver bem não tinha intenção de pagar fortunas pelas consultas… e
não passavam duma classe de ladrões. Enfim, retirando estes dois pequenos
problemas de saúde, embora com a idade de 85 anos, era na verdade uma velhota
bem rija.
Aliás, a avó Matarratas tinha coisas que a preocupavam
mais. E uma delas, era o péssimo hábito de tentar matar dezenas de ratazanas à
vassourada, o que não lhe parecia boa solução, visto elas serem cada vez mais
numerosas e anafadas.
Como não tinha mais nada para fazer, e o tempo todo a
aborrecia sem ocupação, teve uma ideia que na altura lhe pareceu excelente para
resolução da rataria.
Então, pediu a uma vizinha doutra barraca que era
especialista em drogaria, que lhe arranjasse veneno em pó, e assim, deu-lhe uma
sacada.
Dito e feito, pôs-se a espalhar por tudo quanto era
sítio… e por sinal, as cabeças de alho que estavam no chão da dispensa e que
lhe pareciam montes de serradura como camas para ninho da bicharada… ensopou-as
com o veneno não se apercebendo do erro fatal.
Mãe Matraquilhas que estava no hospital internada com
uma grande depressão nervosa, regressou a casa para recomeçar a sua vida
rotineira e de mau feitio.
Como tinha estado uma semana em tratamento, os alhos
ganharam humidade e o pó do veneno ensopado, ao secar, desapareceu
aparentemente não alterando a cor. Parecendo pó, limitou-se a sacudi-los, e
tirando as cascas meteu duma vez uns poucos como era costume.
Ao servir as sopas de leite, e comendo os alhos como
era hábito para inundar a velha com o seu mau hálito, começou num estertor
mortal com esgar das faces e uns sons que pareciam vir do além… agarrada à
barriga… com a boca toda espumada.
Avó Matarratas, desconhecendo o que se passava e não
estranhando as maluquices da nora, ficou muito feliz… porque foi o primeiro
pequeno-almoço que não gozou com a sua gaguez, e pôde comer com satisfação as
suas primeiras sopas de leite que não estavam azedas… até bateu palmas no fim,
quando viu sua filha Matraquilhas deitada no chão muito roxa, pedindo-lhe
auxílio de mão estendida… (e como sempre sonhou ser atriz desde muito nova,
pensando que estava a atuar para ela), foi dizendo à filha:
- Ó minha querida filha! Não sabia que tinhas jeito
para o teatro…
Gostei tanto de ver o gesto artístico dessa mão… é
direita ou esquerda? Tanto faz!
Foi tão bonito!
Amanhã repete, sim?
…, mas levanta-te… não é caso para ficares aí tanto
tempo…
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(No dia seguinte um jornal local dizia: - veneno para
ratazanas matou uma mulher com o peso de 62 quilos, natural do Prior Velho, e
centenas de ratas com o tamanho de coelhos que viviam na toca da barraca ,
continuaram a passear à volta do cadáver
sem lhe tocar… tal era o cheiro a alho pôdre da pobre coitada senhora...
… o funeral realizou-se no Cemitério dos ………
Acompanhando a defunta, filhos, irmãos, primas, tios, avós… e os padrinhos da
rataria que se encontravam dentro do cachão a prestar sua última homenagem na
Igreja… fugindo com respeito quando as tampas foram abertas, e as senhoras em
cima das cadeiras perdidamente aos gritos histéricos não se conseguiram
controlar com o tamanho daqueles coelhos… perdão… com o tamanho daquelas
ratazanas… aliás, houve quem comentasse no final (avó Matarratas):
... os gritos e a falta de respeito era tanta daquelas filhas da Puta lá na Igreja… que a
defunta ainda chegou a abrir os olhitos espantada…, mas depois lá se finou, descansando
os cornos no seu leito Divino… Coitadinha! Isto há coisas do caralho!
Benzendo-se três vezes terminou dizendo - Quer-se dizer... coisas do Alho.